Entao, falemos do jantar brasileiro na quarta-feira passada. Silvio achou feijao e leite condensado numa loja em Perugia. Eu tinha arroz, leite de coco, farinha de mandioca. Fizemos arroz com feijao (errei de panela e o arroz ficou assim meio Cimentcola Quartzolit, mas neguinho comeu direitinho), farofa, ensopadinho de frango com legumes, salada. De sobremesa, manjar de coco que o coitado do Silvio ficou mexendo a tarde inteira e o bicho nada de endurecer: na hora de desenformar ficou com uma cara de A Coisa, mas com calda de ameixa disfarçou bem). As japonesas (eram 4), depois de um copinho vinho, jah tavam dançando forroh. Tinha também a Susanne, o Man Mohan (indiano, que levou uma fita de video de filme indiano de nada menos que 5 horas de duraçao), a Iskra, bulgara, Andreina e Claudia, equatorianas.
As japonesas mataram a farofa direto da panela.
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Na quinta-feira trabalhei na hora do almoço, fazendo focaccias e piadinas com presunto cru/salame de javali/queijo de cabra/rucola etc. Voltei pra Perugia e dormi, de novo, na casa do Silvio, que estah vazia porque o resto da galera saiu de férias. Na sexta de manha bem cedo fomos pra frente da universidade, encontramos a Susanne, e embarcamos em um dos 4 onibus da excursao da universidade a Siena, pra ver o Palio.
Rapida explicaçao sobre o Palio: acontece em dois dias, um em julho, que eu vi pela TV no Rio, e outro dia 16 de agosto, em homenagem à Madonna (Virgem Maria pros intimos). O palio propriamente dito nada mais é do que um estandarte com uma imagem da Madonna con bambino (vulgo J.C.), que a cada ano vem pintado por um artista diferente. Esse ano o palio de agosto foi pintado pelo Botero! Ele fez uma Madonna gordinha fantastica!!!
A Piazza del Campo, que eu acho a praça mais bonita do mundo, tem a forma de uma concha, inclusive com a concavidade (por isso quem fica lah no meio na hora da corrida nao ve bissolutamente nada). Em torno da praça jogam tipo uma areinha, e ali correm os cavalos. A cidade tem mais de 20 contradas, que seriam os bairros, cada uma com um simbolo – um animal, ou qualquer outra coisa. Como a pista é estreita, podem correr soh 10 de cada vez. Correm 17 por ano (as outras foram banidas em torno do ano 1600 por cometerem atos de violencia contra as outras contradas): sorteiam-se 10 pra corrida de julho, as outras 7 correm obrigatoriamente em agosto, mais 3 sorteadas daquelas de julho. Quem ganhou em julho foi o Porco-Espinho, que nao foi sorteado pra agosto. Dessa vez correram o Ganso, a Selva, a Lagarta, a Tartaruga, a Pantera, o Leocorno (hmmmmmm…), o Montone (carneiro daqueles com o chifre curvo), o Dragao, e nao me lembro mais quem. O interessante é que toda a cidade vive em funçao desse evento: quem nasce em uma contrada serah sempre dessa contrada – como quem nasce em um pais e tem aquele senso de nacionalidade. Rolam mil intrigas por tras dos panos; os cavalos sao todos mantidos pelo governo municipal e sao sorteados algumas semanas antes da corrida. Se o cavalo for competitivo, a contrada gasta uma grana contratando um bom fantino (o jockey); se for um cavalo meio tabajara, botam um cara novinho (e baratinho), pra ganhar experiencia. Esse ano as contradas que correram nao eram particularmente rivais, mas quando tem duas que se odeiam, o objetivo deixa de ser vencer, mas fazer com que a outra perca, jah que a coisa rola assim meio no estilo vale tudo.
A gente anda pela cidade e ve as bandeiras penduradas nas janelas, as pessoas TODAS com lenços das contradas no pescoço (6 euro cada um, eu com meu patrimonio total de 2,35 euro fiquei na beiça), os mini-postes de luz, que ficam pendurados nas paredes dos edificios, sao decorados com cores e motivos da contrada.
O dia da corrida nao é simples, muito pelo contrario. Começa com uma missa pros fantinos. Mais tarde tem a bençao do cavalo (que entra na igreja). Lah pras onze, enquanto o Silvio e a Susanne tavam no museu, cujo bilhete eu, com meu patrimonio total de 2,35 euro, nao pude comprar e fiquei na praça do Duomo pegando sol, começo a ouvir tambores. Vejo 2 soldados de armadura e lança e mais uns 2 ou 3 vestidos de veludo debaixo daquele sol, coitados, com aquelas calças coladinhas de Principe Valente. Entram na igreja (o Duomo é um capitulo à parte: é zebrado de preto e branco por fora e por dentro, uma coisa liiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiinda), pegam o Palio que estava lah esperando, levam o bichinho pro altar pra benzer, e saem. Dali o levam à praça (e eu e todo mundo atras, feito Banda de Ipanema).
Quando nos reencontramos depois do Museu, fomos procurar uma igreja pra ver o cavalo entrando, mas cansamos de esperar e fomos dar umas rodadas. Eis que começam a passar os cortejos das contradas. As que corriam naquele dia incluiam um cavaleiro, nao o fantino oficial, em cima de um cavalo daqueles pernudos, nao de corrida. Mais um soldadao dentro de armaduras absolutamente verdadeiras, mais o cara do tambor, mais os caras das bandeiras. Entravam ali na pracinha do Monte dei Paschi di Siena, o banco da cidade, e faziam tipo uma apresentaçao dos bandeireiros, que tem toda uma coreografia, e no final enrolam a bandeira, a jogam pro alto, e cada bandeireiro pega a bandeira do alto. Quando realmente iam alto, a galera aplaudia. Eh muito bonito!
às quatro da tarde os acessos à praça sao fechados. Eu e Susanne nos plantamos ali mais ou menos perto da pista (tem gente que fica ali desde manha guardando lugar, mas naquele sol, tinha que ter muita coragem e melanina) e toca a esperar, porque a corrida começava às sete. O Silvio, yoga-man, tava morrendo de calor e saiu, acabou dormindo num gramado. Muito bem. Papo vai, papo vem, conversamos com uma familia toscana ali do lado (eles falam Rasa em vez de casa), eles mudaram de lugar, veio uma garçonete de Bari pedindo explicaçoes sobre o Palio, blah blah blah. Passam as contradas em desfile pela pista, mais uma vez com as bandeiras etc. Passam cavaleiros com elmos de viseira fechada, representando as contradas expulsas em 1600 e pouco. Passa um carro puxado por 4 bois branquiiiinhos, levando o Palio pra passear. E aih começou o martirio. Martirio porque as contradas sao chamadas pelo nome, pra que os cavaleiros se alinhem na linha de partida, que nao é linha, mas um espaço entre duas varas de bambu ou coisa que o valha. Nao precisa nem explicar o estado de nervos dos cavalos no meio daquela multidao toda. E também nem precisa explicar que os cavalos se recusam a ficar quietos, e TODA hora tinha um que saia de linha, e toca a sair todo mundo, e toca a chamar todo mundo de novo. O cara no microfone:
– Oca. (ganso)
A Oca vai lah e fica esperando.
– Selva.
A Selva vai lah e daqui a pouco o cavalo começa a encher o saco do cavalo da Oca, que sai do lugar.
– Oca, più sù, più sù (mais pra cima, mais pra cima)
– Assim nao dah pra partir. Fora todos.
A galera: AAAAAAAAAAAH NAAAAAAAAAO (no melhor estilo bola na trave no Maracana)
A brincadeira durou mais de uma hora. Finalmente deram a largada, e a corrida mermo, que dura soh 3 voltas, é ABSOLUTAMENTE DESLUMBRANTE. Nao vemos cavalos nem cavaleiros, mas cores que voam em torno daquela praça toda avermelhada, com o sol caindo assim meio de lado, aquela multidao gritando e agitando lenços coloridos, bandeiras e gente nas janelas. Venceu a Tartaruga, que nem era uma das favoritas.
Abrem os acessos à praça, eu e Susanne lutando pra sair e andar até o estacionamento dos onibus, uma cabeçada da nada. Depois vimos na TV a festa no bairro Tartaruga, como se tivessem ganho a Copa do Mundo ou o desfile das escolas de samba.
A viagem de volta foi light, dormi no Silvio, voltei pra casa cedo no sabado, dormi e depois fui trabalhar. Ontem trabalhei também. Agora vou à USL (unidade sanitaria local, que eles nao pronunciam u-esse-ele, mas ‘usle’) pegar minha carteirinha de saude pra poder trabalhar no setor alimenticio, fazendo minhas focaccias nos conformes da lei. Depois vou pra escola.
Beijos.