Ontem me deu ataque de pelanca e saih, às nove e meia da noite, pra passear no bosque. Tava rolando uma festa da primavera ali atras de casa, bandinhas adolescentes se esgoelando no palco, e eu com paciencia zero pra esse tipo de farofada. Entao fui passear, a pé, na direçao de Brufa, um vilarejo no alto da colina, como tantos outros vilarejos italianos.
Passado o burburinho da festa, me distanciando um pouco de Cipresso, a noite da roça me envolveu por inteiro. A noite da roça é solitaria, mas o vento, esse mala sem alça que normalmente detesto e amaldiçoo, ontem me fez companhia, fazendo murmurar folhas e ramos uns contra os outros. A noite na roça é quieta, e é azul e prateada, mesmo ontem, quando a lua nao tinha ido trabalhar. O céu limpo, um restinho de luz laaaah longe (anoitece tao tarde aqui no verao! e nem adianta dizer que o verao nao começou ainda: pra mim, se nao é frio, é verao), a estrada bissolutamente vazia. Os campos de trigo, tao louros de dia, de noite sao azuis, acinzentados. As estradas de pedrinhas brancas das casas de noite ficam prateadas. O jatinho do irrigador que chove sobre os campos de milho faz pfff, pfff, pfff, e molha um pedaço da estrada, me desvio. Nao passa ninguém, e quem passa me ignora, acho otimo. Acabam os postes de luz; à minha frente uma ponte estreita, ladeada de carvalhos, e além da ponte, a estrada pra Brufa, prateada, azul, cinzenta. Ninguém, nada, zero, soh o vento, o pff pff pff, e os grilos.
Me giro, volto atras, passo por um arbusto gigante de alecrim e roubo dois raminhos. Todos os cachorros da rua acordam e latem quando passo; nem me incomodo. Giro à esquerda entre campos de milho, passo por uma casa iluminada, uma senhora estah botando o lixo pra fora e me olha como se eu viesse de outro mundo. Pergunto, soh pra ela ouvir minha voz e perceber que sou humana: onde acaba essa estrada? Ela responde que vai um pouco mais avante e depois é bloqueada. Tudo bem, é soh uma caminhada pra digerir, minto. Ando, ando, aqui é ainda mais isolado, embora as luzes da autoestrada estejam ali bem pertinho. A estrada termina, sombria, numa casa toda apagada. Do lado de fora, uma estranha maquina de contornos indefiniveis à penumbra faz um barulho estranho. Me sinto dentro de Signs, como se um ET de pés grandes estivesse prestes a saltar de tras de um pé de azeitona pra me atacar. Passo por baixo de uma torre de tensao, a bichinha range, faz mais barulhos estranhos.
A noite na roça é linda, mas aih o medo que toda mulher sozinha à noite sente, aquela pulga carioca atras da orelha que nao larga do nosso pé, esses calafrios, esse medo de estranhos, de alguém (mas que alguém, criatura? Em BRUFA?) desconhecido que para pra encher o saco, de sei lah o que, esse medo chato me fez voltar pra casa. Tomei um copinho de vinho e dormi ao som do rock and roll vagabundo lah fora.