famiglia

Hoje de manhã cedo, dormindo, morreu o pai do Chefe. Não era um exemplo de honestidade ou de educação, e todo mundo aqui dentro em algum momento já pensou seriamente em sair da empresa por causa da chatura dele, mas no bojo sempre nos tratou bem (principalmente depois do almoço – leia-se vinho tinto) e a morte dele abalou todo mundo. Estamos aqui no escritório ligando pra clientes e fornecedores pra comunicar o ocorrido, e depois fechamos.

Nunca tive, felizmente, um contato íntimo com a morte dentro da minha família. A única vez em que fui a um funeral foi o da minha amiga e vizinha Bruna, que morava no prédio da minha prima Erica. Morreu num acidente de carro idiota, na Gávea. Lembro que a ficha demorou muito a cair quando a Erica me ligou pra dar a notícia, e foi a mesma coisa hoje: Martinha me liga logo cedo, eu ainda de pijama, fazendo a cama, e eu achei que ela estivesse ligando pra avisar que não vinha trabalhar por causa da enxaqueca. Quando ela disse o que tinha acontecido, caí sentada na cama e fiquei repetindo feito uma idiota: mas como assim, morreu? Ahn?

A família do meu pai é formada por Matusaléns que não morrem nunca. Do lado da minha mãe é uma tumoração só, neguinho morre de tudo que é tumor que você puder imaginar (então já sei o que me espera…), mas nós temos muito menos contato com essa parte da família, então nem lembro quem foi o último que morreu. Meu avô, pai da minha mãe, morreu há muitos anos (sempre câncer, claro). Eu era pequena e lembro só de uma tristeza danada em casa, e de ver meu pai chorando, como também chorou quando morreu a Tia Maroca, irmã da minha avó, também quando eu era pequena. Tenho muitas boas memórias dos dois, mas eu era pequena demais pra entender direito o que estava acontecendo.

Então, eu nunca tinha visto de perto a coisa como ela é. Fomos direto pra casa do Chefe; a irmã, que estava pra casar (e o pai não aprovava a coisa porque o noivo é do norte da Itália, tem uma agência de turismo e vive viajando, não pára em casa. A opinião nossa aqui no escritório é que agora o casamento não sai mais), completamente desolada; o Chefe, um homão alto e grande, chorando feito uma criança, e é isso o que mais sacode a gente. Anzi: o que mais sacode é a burocracia envolvida. O cara da agência funerária (aliás, que emprego é esse, hein? Socorro…) já estava lá, escrevendo o texto dos cartazes de anúncio de óbito e marcando com uma cruzinha num formulário as cidadezinhas onde os cartazes vão ser colados. Uma coisa muito estranha; todo mundo devastado de dor mas mesmo assim um vira pro outro pra perguntar, mas ele conhecia alguém em Palazzo? Não? Então em Palazzo não precisa botar cartaz. Mas em Viole sim? Viole sim. Rivotorto com certeza, né, tio?

E aí vem o padre.

Eu só digo uma coisa: o idiota que mandar um padre pro meu futuro funeral, ou mandar rezar qualquer coisa, ou puser uma cruz ou um anjo ou uma N. Senhora no meu túmulo, ou distribuir santinhos com o meu nome escrito atrás, mas esse idiota vai ter as pernas puxadas de noite pela minha fantasmagórica e esbelta figura até o fim dos dias.

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Há muito tempo eu quero colocar aqui uma foto da minha avó, mãe do meu pai, que morreu quando ele tinha 13 anos. É a pessoa que eu mais gostaria de ter conhecido em todo o mundo. Era muito bonita, culta e refinada, era professora de piano, e pelo que dizem também era uma mulher “prafrentex”, e acho que nossa família talvez tivesse tomado outro rumo se ela não tivesse morrido tão cedo, deixando meu soturno avô com 5 filhos pra criar. Oficialmente morreu de câncer de mama (opa!), mas eu acho que a melancolia teve muito a ver com a história. A teoria da minha mãe é que eu herdei da minha avó Dirce (QUE NOME É ESSEEEEEEEEEEEEE), além do sorriso que eu nunca vi porque não há nenhuma foto dela sorrindo, essa tendência à depressão. Pode ser, pode ser.

Quando o meu pai fizer o favor de escanear a foto dela que há ANOS ele promete e não escaneia, eu boto aqui, e vocês vão ver que avó danada de chique que eu (não) tive…

Meu avo é apaixonado por ela até hoje. Na sala do apartamento dele, na Tijuca, onde ele mora com a minha tia que nunca casou (e que tem também o sorriso da Vovó; meus tios me chamam de Ilsinha porque quando sorrimos eu e T. Ilse nos parecemos muito), há na parede um quadro do meu bisavô sírio, vestido a caráter e muito sério e macho, e um da minha avó. Vovô só se senta à mesa numa posição em que ele possa ver o quadro.

Minha outra avó, com quem morei no final da faculdade, não tem nada de chique, mas é a clássica avó hipocondríaca, totalmente saudável e boa de cozinha e de garfo. Mês passado deu um susto na gente com uma hérnia intestinal maluca que precisou ser operada – e olha que maravilha, quem operou foi uma feladaputa que foi minha professora de Cirurgia na faculdade, e que me deu um esporro homérico uma vez porque apresentei um seminário sentada na escrivaninha dela hohoho… Até onde eu sei ela é uma boa profissional, mas a fama de sapatona antipática que ela tinha no hospital era bem, digamos, intensa. Não entendo essa gente que prefere se impor pelo ódio/medo em vez de pelo respeito adquirido. Deve dar tanto trabalho ser filha da puta e antipática o tempo todo!