Florença

Todo mundo conhece Florença, então não vou ficar enchendo o saco de vocês com fatos históricos. Eu também conheço Florença, e adoro, mas o dia foi corrido e não deu tempo de rodar.

Basicamente Leo partiu cedo pra lá, pra comprar os ingressos pro Palazzo Ufizzi (onde fica a Vênus de Botticelli) senão os Salames teriam que pegar fila, e Salame milionário não pega fila, jamé. Michele veio me pegar de ônibus no pé da ladeira que leva a Racciano, onde fica a nossa casinha, e fomos pra villa. As crianças vieram reclamando de sono, que algum alarme disparou durante a noite e não deixou ninguém dormir. Liguei pro Massimo e ele garantiu que a casa não tinha NENHUM alarme. Falei pra ele ir lá do mesmo jeito dar uma olhada, aproveitar que o Salame ficou em casa com o Salaminho mais novo e perguntar de onde vinha o barulho. Mais tarde ficamos sabendo que não era, obviamente, alarme nenhum, mas um walkie-talkie da Salaminha mais velha que tinha ficado esquecido numa mochila, a bateria descarregou e por isso ficava apitando. Agora eu pergunto: onze pessoas numa casa, um apito que não deixa ninguém dormir e NINGUÉM teve a brilhante idéia de ir procurar e eliminar a fonte do barulho, em vez de sair reclamando de um alarme que ninguém viu, porque não existe?

Mas enfim. A viagem a Florença foi tranquila; pegamos um pouco de engarrafamento mas nada comparado à hora do rush em Roma ou Milão. Leo nos encontrou no checkpoint dos ônibus (em algumas cidades italianas agora é assim, os ônibus têm que pagar pra entrar, e custa caro pra cacete) e dali Michele nos deixou num ponto qualquer de um Lungarno, de onde fomos a pé até o centro. Já expliquei aqui mas reexplico: as avenidas que correm ao longo de um rio ganham o nome Lungo(nomedorio) + o nome da rua. Como em Roma, onde há várias avenidas chamadas Lungotevere Fulano de Tal, Lungotevere Cicrano da Silva. Em Florença são Lungarno, já que o rio que corta a cidade é o Arno, lindo.

Então. Botamos os Salames dentro do Uffizi e fomos procurar lugar pra estacionar. Como NCC é bom mas não é infalível, e Florença não é muito grande e por isso não tem muito lugar pra estacionar, Leo achou melhor ficar no carro enquanto eu ia almoçar. Comi num self-service horrível perto do Ponte Vecchio, uma porção minúscula de cappelletti industrializados com presunto e ervilhas, ao preço mata-turista de 7 euros! Um primo de qualidade, aqui na Umbria e mesmo na Toscana, fora dos grandes centros turísticos, não passa de 6,50, 7 euros, isso se tiver um tartufo ou cogumelo porcino no meio (são ingredientes caros). Fiquei passada, mas como não tava com fome e só comi pra não desmaiar na rua, não reclamei.

Terminado o passeio no museu, levamos os Salames pra almoçar na Buca dell’Orafo, restaurante tradicional sempre ali na zona de Ponte Vecchio. Eu fiquei esperando, sentada num murinho ali do lado, lendo Lullaby (que é ótimo, por sinal). Dali eles foram fazer compras na rua chique de Florença, onde ficam as lojas de griffes famosas. Eu e Leo ficamos rodando de carro, pra não perdê-los de vista, quando de repente toca o meu celular. Era a Giuseppina, a cozinheira, perguntando se os Salames realmente tinham cancelado o jantar de sexta-feira à noite (eles decidiram ir jantar fora pra não ter que arrumar nada na cozinha depois). Respondi que sim, e ela aproveitou pra perguntar se eu sabia o que ela tinha que fazer pra pegar a grana dela. Perguntei ao Leo, do meu lado, e ele disse que era pra ligar pro Massimo, que entraria em contato com a agência em Londres, já que nos não tínhamos nada a ver com a história. Dois minutos depois me ligam de Londres. Levei um susto, porque eles mal sabem que eu existo, o Leo não é bobo e jamais deu nenhum telefone ou email meu pra eles, e eu, eticamente, nunca entrei em contato também. O cara, muito simpático e falando italiano muito bem, perguntou o porquê do cancelamento, que tipo de gente era, se a Giuseppina podia falar desse assunto grana com eles e coisa e tal. Lógico que ele ligou pra mim e não pro Leo; se sou eu que falo Inglês e converso com eles, pra quem mais ele vai ligar? Leo desconfiou e perguntou quem era. Quando eu falei ele arrancou o telefone da minha mão, desconversou e desligou – e ai começou o escarcéu. Ficou puto porque:

1. Eu dei confiança pra Giuseppina, coisa que não deveria ter feito, segundo ele, porque ela não tem classe, tem cabelo no sovaco e um filho rastafari (mas pelo menos não come de boca aberta que nem você, nem tem tanta psoríase que o chão do carro fica coberto de pele morta, pensei). Dei tanta confiança (isso porque nos nos vimos só 2 vezes!) que ela teve o topete de dar meu número de celular pra terceiros! E daí, retruquei. O numero é meu, eu dou a quem quiser, ela não deu o meu número a um cafetão ou traficante de drogas ou chefe da máfia, simplesmente a uma agência que PEDIU o número porque precisava de informações que só eu sabia dar. Qual é o problema?

2. Eu reclamo quando ele enche o meu saco com aquelas famosas piadas idiotas. Mandei-o tomar no cu, com todas as letras, e comecei a berrar também. As pessoas na rua passaram a nos olhar, dois loucos se esgoelando dentro do carro.

3. Eu não fui profissional ao fazer amizade logo de cara com a Giuseppina. Respondi que realmente eu não sou profissional, já que esse é o primeiro trabalho desse tipo que eu faço, e ele sabia disso. E que eu faço amizade com quem eu quiser, não tenho culpa de ser simpática, extrovertida e maravilhosamente interessante.

4. Eu não tinha nada que me meter no assunto pagamento da cozinheira, porque não é da nossa alçada. Respondi que eu não me meti em assunto nenhum, e se ele era surdo e não me ouviu dizendo à Giuseppina pra ligar pro Massimo, coisa que ele mesmo mandou fazer, o problema era dele.

E foi aí que ele se traiu, soltando um “Mas agora a agência tem o seu telefone!” exasperado. Aaaaaaaaaaaaaahn, eu fiz, então é esse o problema, Catatau… Pois é, agora que eles têm meu telefone vou excrusive mandar meu currículo, que mal tem. Não tenho contrato de exclusividade nem com você nem com ninguém, tô cagando pro seu conceito de ética, encheu demais o meu saco, chega!

Felizmente avistamos os Salames, que tinham acabado as compras e queriam ir ao museu da Accademia ver o Davi. Lá pras sete eles saíram, entramos no ônibus e fomos embora. O meu estado de irritação era tão grande que eu não conseguia nem falar, só rosnava. Pra piorar, a mala do Leo tinha me ligado tantas mil vezes durante o dia, pra repetir as mesmas coisas e se certificar de que os dois boçais, eu e Michele, não tínhamos feito nenhuma cagada, que a bateria do celular acabou toda, mesmo tendo ficado toda a noite anterior carregando. O Mirco tava vindo jantar comigo em San Gimignano, mas, lemming como eu, já tinha dado mil voltas e não sabia como chegar – e não conseguia falar comigo porque o celular tava mortinho. Acabei botando o lanterneiro pra falar com o Michele no telefone dele, tadinho, e nos encontramos no restaurante Da Pode, no Hotel Sovestro (località Sovestro, 63 – San Gimignano. Tel. 0577.943089), onde os Salames já tinham jantado uma vez, e adorado o frango deles. Jantamos juntos, nós três (o Leo felizmente fugiu pra Todi outra vez), e botamos tudo na conta do Leo. Michele foi levar o povo embora e eu e Mirco fomos pra casa. Uma lebre e seu filhotinho atravessaram a estrada na nossa frente, na ladeira pra Racciano. Tirei foto, mas ficou escura. Sorry.