Castellina in Chianti

Não sei nada sobre Castellina in Chianti. Foi uma escolha de última hora e não tive tempo de pesquisar. Também não estou com vontade de traduzir o texto do site do Comune, porque é super mal escrito. Quem tiver curiosidade, que vá lá dar uma zoiada.

25 de junho

Acordei cedo e fiquei enrolando na cama, lendo. A mala do Leo bateu na minha porta pra me acordar, apesar deu já ter dito a ele mil vezes que acordo cedo todo dia e não preciso dele como despertador. Troquei de roupa e quando fui à cozinha tomar café dei de cara com ele na janela, de toalha enrolada na cintura, aquela psoríase toda nas costas, nos braços, nas pernas, socorroooooooooooooooooooooo! Sabe AAAAA visão do inferno? Então. Saí correndo pra tomar banho e quando voltei pra finalmente tomar café ele felizmente já estava vestido. Decidi não dar nenhum ataque de pelanca pra não piorar as coisas, mas só pelo susto (e pela falta de respeito total e absoluta) da toalha e da psoríase ele merecia uma panelada na cabeça. Mas tudo bem, tudo bem. O que não se faz por um punhado de euros…

Fomos pro internet point catar uma cantina pros Salames visitarem, depois sentamos nos banquinhos no piazzale logo em frente, enquanto o Leo telefonava tentando marcar uma visita à maldita cantina. Encontramos duas velhas birutérrimas, uma italiana que mora na Inglaterra e uma alemã que já morou lá também mas voltou a viver em Berlim (que ela odeia, diga-se de passagem, hohoho). Falavam sem parar, contando velhas histórias de viagem, mostrando fotos antigas, dando conselhos (“você tem muita cara de árabe, minha filha, assim fica difícil não ser discriminada aqui na Europa”), tirando fotos. Deram uma canseira danada na gente, mas conseguimos escapar depois que o Leo conseguiu convencer uma cantina que ele dizia que era chiquérrima a receber os Salames assim, em cima da hora.

Fomos pra villa meio-dia e de lá pra Volpaia, cidadezinha no Chianti onde fica a tal cantina supostamente famosa, Castello di Volpaia. No final das contas não era nem famosa nem chiquérrima, mas enfim. A menina que explicou o tour era da Calabria e falava um Inglês tão sofrível que eu tinha que retraduzir tudo o que ela dizia. Explicou que toda a cidadezinha de Volpaia pertence à família dona da cantina, que a comprou há algumas gerações. Vimos os pequenos armazéns de vinho e de azeite, ouvimos as explicações sobre a colheita, os tipos de vinho e de azeitona, etcétera e tal, e finalmente começamos a degustação. Até as crianças provaram o vinho, que era realmente muito bom. A calabresa era muito simpática e tinha preparado uma mesa linda, com pão tostado, molhinho de tomate com orégano, pecorino em pedacinhos, pra acompanhar os vinhos. Saí meio zonza porque pra variar estava de estômago vazio, mas contente por ter provado vinhos ótimos que eu nunca teria dinheiro pra comprar.

E dali fomos a Castellina in Chianti. Há várias outras cidades lindas por ali; passamos pelo delicioso centro de Radda in Chianti e vimos placas pra Panzano, onde trabalha a irmã do Mirco no verão. Mas eles cismaram com Castellina, fazer o quê. A cidade é uma gracinha mas fizemos um tour a jato porque as crianças já tavam de saco cheio de ver fortalezas, castelos e coisas velhas. Paramos numa loja de artesanato em papel e madeira e comprei um novo diário, lindo, de capa de couro e folhas cor creme, feito à mão. Não havia nem uma sorveteria decente na cidade, e resolvemos voltar. Um cervo atravessou a estrada na nossa frente, as crianças ficaram doidas!

Os Salames estavam com fome e paramos no Sovestro de novo pra jantar. Sentei à mesa com Michele e Leo, que dividiram um prato de tripa. Eu fiquei só olhando; além de estar sem fome a visão daquela tripa me dava engulhos. Acabei me irritando de novo com o Leo, simplesmente porque eu não gosto de pegar sol e ele acha que não pegar sol, como eu faço (palavras dele), faz mal. Ainda teve a cara-de-pau de dizer que eu sou pálida como um cadáver. Sua mula, eu respondi, aqui na Itália todo mundo acha que eu sou crioula e pergunta de onde veio o meu bronzeado, e você vem dizer que eu sou pálida só pra justificar uma maluquice da tua cabeça? Se liga! Eu não gosto de sol e não fico bem bronzeada, dá licença deu não gostar de sol e achar que não fico bem bronzeada? Fora que é impossível ter uma vida normal e conseguir, ao mesmo tempo, se esconder tanto do sol a ponto de ficar doente, como ele diz. Só de ficar esperando na fila da Rita verdureira na praça eu já metabolizo toda a vitamina D da qual preciso, tá um calor do cacete, o sol brilha inclemente. Putz, que cara chato! Ainda me chamou de cafone, que seria algo como tosca, mal educada, brega, grossa. Nesse ponto não resisti e dei uma risada ENORME. Ele saiu pra fumar, irritadíssimo, e eu comentei com o Michele que pra mim cafone é quem tem psoríase, caspa, mau hálito, junta saliva no canto da boca quando fala, come de boca aberta, fala berrando, mente pros clientes, usa a mesma camisa horrorosa três dias seguidos no verão, passeia de toalha na cintura na frente de uma mulher comprometida com a qual ele não tem a menor intimidade, atrasa pagamentos, faz piadas idiotas, fuma sem pedir licença. Tudo ao mesmo tempo. Michele engasgou de tanto rir.

E assim acabou meu dia.

San Gimignano

Background histórico

San Gimignano fica no alto de uma colina (334 metros), a 56 km ao sul de Florença e a uma hora de Siena, dominando o vale do rio Elsa com suas torres. O nome da cidade vem do Bispo de Modena, San Gimignano, que, dizem, salvou a vila das hordas bárbaras. Já foi uma pequena vila etrusca (200 – 300 a.C.), mas sua vida como cidade propriamente dita começou mesmo no século XX, quando o Bispo de Volterra deu autorização para abrir um mercado semanal. A cidade enriqueceu e se desenvolveu bastante durante a Idade Média graças à via Francigena, uma rota de peregrinação e comércio que passava exatamente ali e ligava a principal estrada entre Roma e os Alpes e a estrada que ligava o coração da Toscana à república marítima de Pisa e à costa oeste do que hoje é a Itália. Sinais dessa prosperidade são as igrejas e monastérios ricamente adornados. No ano de 998 os habitantes começaram a construir os primeiros muros. A proteção oferecida pelos muros começou a atrair tanto camponeses quanto a nobreza feudal, e a cidade foi ficando mais importante, apesar das lutas de poder entre o Bispo de Volterra, que representava o poder da Igreja, contra a nobreza feudal e mais tarde contra o Conselho Municipal, que obviamente eram contra o bedelho da Igreja na política e na economia e apoiavam o Sacro Imperador Romano. Devido a lutas internas pelo poder, a cidade acabou dividindo-se em duas facções, uma liderada pela família Ardinghelli (Guelfos) e outra pela família Salvucci (Ghibellinos). No final das contas o Bispo levou a melhor. Em 1199 San Gimignano tornou-se um município livre, mas teve que jurar lealdade ao tal bispo, tendo que lugar contra os Bispos de Volterra e das cidades em torno. Dois anos depois, foi construído o segundo anel de muros. O tal bispo era um ótimo administrador, oferecendo incentivos a quem construia suas casas e lojas na parte de dentro da cidade murada. Claro que, quanto mais segura (leia-se murada) uma cidade, mais as pessoas se interessavam em ir viver e trabalhar lá, e os mercadores logo logo aproveitaram, também porque San Gimignano era o maior produtor italiano de açafrão, planta que cresce às margens do rio Elsa. Exportavam até para a Holanda.

Mas o século XIII não foi nada pacífico e San Gimignano mudou de mão algumas vezes (em 1250 os Florentinos destruíram as muralhas para que a cidade atraísse menos os Pisanos. Os Seneses as reconstruíram em 1261), mas isso não impediu a construção das torres das famílias patrícias, que controlavam a cidade. A construção das torres já havia começado desde o século XI. Um decreto dizia que ninguém tinha autorização para construir uma torre mais alta do que a torre do Comune, e por isso as famílias mais ricas decidiram partir pra quantidade, contruindo torres gêmeas. Já foram 72 as casas-torres, de até 50 metros de altura. Hoje são só 14. A arquitetura da cidade monstra influências misturadas dos estilos de Pisa, Siena e Florença, até porque uma lei determinava a altura e a largura máximas de casas e lojas, e pra se diferenciar dos vizinhos, já que as medidas eram as mesmas, o pessoal começou a botar a mão na massa em termos de criatividade.

Em maio de 1300 Dante Alighieri visitou San Gimignano como Embaixador da Liga Guelfa na Toscana (Dante era danado, adoro ele). Em 1348 rolou aquela peste negra braba na Europa e a população de S. Gimignano também foi reduzida drasticamente, em cerca 75% – sobraram umas 7000 pessoas, o mesmo número de habitantes de hoje. A cidade entrou em crise e em 1353 teve que se submeter à poderosa Florença.

Quando começou o salto econômico que transformou a Itália em uma das maiores potências econômicas mundiais, as estradas da Via Francigena que passavam por ali perderam importância para outras estradas que passavam por outros vales, e San Gimignano ficou, felizmente, isolada dos grandes centros industriais que pululavam ao longo das ferrovias, láaaaa embaixo. Hoje há gente tentando reviver os grandes tempos do açafrão, mas o produto mais famoso de S. Gimignano é a vernaccia, um vinho branco (que eu infelizmente não consegui provar) que dizem que é maravilhoso, e lendas contam que suas uvas foram introduzidas pelos etruscos. Pela sua importância histórica, foi o primeiro vinho italiano a ganhar o selo DOC (denominazione di origine controllata, um selo de qualidade).

24 de junho

Mirco saiu cedo, às 6:30. Eu fiquei meio lendo, meio dormindo, reacordando, até umas nove da manhã. Fui a pé até a cidade, que a gente mal tinha visto no primeiro dia, eu e as babás. Entrei pelo piazzale dei Martiri di Montemaggio, que está em obras. Ali fica a porta principal, a Porta San Giovanni, construída pelos seneses em 1261.

Segui pela Via San Giovanni, onde almoçamos no primeiro dia, passei pelo Arco dei Becci e fui cair na Piazza della Cisterna (a foto tá lá no segundo dia da viagem). Fiquei lá bundeando, depois fui dar uma olhada na fortaleza, que no verão vira teatro a céu aberto. A vista lá de cima é estupenda; as torres mais altas ficam ali pertinho, mas paga-se pra entrar.

Eu queria subir na Torre Grossa (grosso em italiano quer dizer grande, em todas as dimensões, e não só grosso em termos de espessura ou diâmetro) mas tive um ataque de pão-durismo e resolvi deixar pra outra vez. Pelo mesmo motivo não entrei no Duomo. Tem cabimento igreja cobrar pra entrar? Pode ter as obras de arte mais lindas do mundo, mas um templo é um templo, pombas! Fiquei tão irritada quando vi que tinha que pagar o ingresso que fui bater perna, entrar em lojas, visitar oficinas de artesanato, comprar cartão-postal.

Dali a pouco a mala do Leo ligou, dizendo que já tinha chegado. Fui encontrá-lo na porta principal, depois voltamos à Piazza della Cisterna, onde tava rolando o mercado semanal. Leo comprou galinha-d’angola (faraona) assada e pimentões grelhados pra levar pra casa, e fomos procurar um internet café. Fizemos o que tinha que fazer e ele foi embora. A essa altura já eram umas 3 da tarde e eu fui almoçar sorvete de maracujá na piazza del Duomo, embaixo de uns arcos, na sombra. Fiquei batendo papo com uns padovanos que estavam ali tomando sorvete, depois ataquei High Fidelity (Nick Hornby, uma das coisas mais legais que eu já li na minha vida) e de repente começou um burburinho ali na praça. Era dia de casamento e um noivo muito nervoso, DE GRAVATA IMPERDOAVELMENTE COR-DE-ROSA, passeava pra lá e pra cá, tirava fotos, era cumprimentado pelos amigos. Um casal recém-casado saiu da igreja; a noiva era uma morena bonita com um vestido super simples, o noivo também era bonitão. Até que chegou a noiva do cara da gravata rosa. Chegou num carro antigo, como vocês podem ver, e o vestido dela dava até medo de tão feio: meio saia, meio calça transparente, blusa transparente cheia de botões e com um colarinho imenso, uma coisa horrorosa. Como o cara também não era lá essas coisas, ficou tudo ótimo.

Uma menina pequenininha mas com cara de esperta, no colo do pai, ao meu lado, repetia “eu quero ver a noiva!”, enquanto a mãe explicava que aquela ali de branco era a noiva – claro que a garota não entendia, só repetia o que os outros diziam em torno dela. Achei tão engraçado que puxei papo. Quantos anos você tem? Ela estendeu três dedinhos e me disse, toda séria: mas a Ilaria tem 8. A mãe explicou que Ilaria era uma prima dela. A família era de Genova, muito simpática, e depois de tirar umas fotos dos noivos, foram embora continuar o tour.

Mais tarde o Leo ligou de novo, estava na cidade. A Mulher do Salame tinha pedido pra ele vir buscar as mil sacolas de compras, e eu fui com ele deixá-las na villa. Depois fomos levar os adultos a um restaurante no centro e ficamos esperando na pizzaria do Francesco. Levamos os Salames pra casa e fomos dormir.

San Gimignano

Background histórico

San Gimignano fica no alto de uma colina (334 metros), a 56 km ao sul de Florença e a uma hora de Siena, dominando o vale do rio Elsa com suas torres. O nome da cidade vem do Bispo de Modena, San Gimignano, que, dizem, salvou a vila das hordas bárbaras. Já foi uma pequena vila etrusca (200 – 300 a.C.), mas sua vida como cidade propriamente dita começou mesmo no século XX, quando o Bispo de Volterra deu autorização para abrir um mercado semanal. A cidade enriqueceu e se desenvolveu bastante durante a Idade Média graças à via Francigena, uma rota de peregrinação e comércio que passava exatamente ali e ligava a principal estrada entre Roma e os Alpes e a estrada que ligava o coração da Toscana à república marítima de Pisa e à costa oeste do que hoje é a Itália. Sinais dessa prosperidade são as igrejas e monastérios ricamente adornados. No ano de 998 os habitantes começaram a construir os primeiros muros. A proteção oferecida pelos muros começou a atrair tanto camponeses quanto a nobreza feudal, e a cidade foi ficando mais importante, apesar das lutas de poder entre o Bispo de Volterra, que representava o poder da Igreja, contra a nobreza feudal e mais tarde contra o Conselho Municipal, que obviamente eram contra o bedelho da Igreja na política e na economia e apoiavam o Sacro Imperador Romano. Devido a lutas internas pelo poder, a cidade acabou dividindo-se em duas facções, uma liderada pela família Ardinghelli (Guelfos) e outra pela família Salvucci (Ghibellinos). No final das contas o Bispo levou a melhor. Em 1199 San Gimignano tornou-se um município livre, mas teve que jurar lealdade ao tal bispo, tendo que lugar contra os Bispos de Volterra e das cidades em torno. Dois anos depois, foi construído o segundo anel de muros. O tal bispo era um ótimo administrador, oferecendo incentivos a quem construia suas casas e lojas na parte de dentro da cidade murada. Claro que, quanto mais segura (leia-se murada) uma cidade, mais as pessoas se interessavam em ir viver e trabalhar lá, e os mercadores logo logo aproveitaram, também porque San Gimignano era o maior produtor italiano de açafrão, planta que cresce às margens do rio Elsa. Exportavam até para a Holanda.

Mas o século XIII não foi nada pacífico e San Gimignano mudou de mão algumas vezes (em 1250 os Florentinos destruíram as muralhas para que a cidade atraísse menos os Pisanos. Os Seneses as reconstruíram em 1261), mas isso não impediu a construção das torres das famílias patrícias, que controlavam a cidade. A construção das torres já havia começado desde o século XI. Um decreto dizia que ninguém tinha autorização para construir uma torre mais alta do que a torre do Comune, e por isso as famílias mais ricas decidiram partir pra quantidade, contruindo torres gêmeas. Já foram 72 as casas-torres, de até 50 metros de altura. Hoje são só 14. A arquitetura da cidade monstra influências misturadas dos estilos de Pisa, Siena e Florença, até porque uma lei determinava a altura e a largura máximas de casas e lojas, e pra se diferenciar dos vizinhos, já que as medidas eram as mesmas, o pessoal começou a botar a mão na massa em termos de criatividade.

Em maio de 1300 Dante Alighieri visitou San Gimignano como Embaixador da Liga Guelfa na Toscana (Dante era danado, adoro ele). Em 1348 rolou aquela peste negra braba na Europa e a população de S. Gimignano também foi reduzida drasticamente, em cerca 75% – sobraram umas 7000 pessoas, o mesmo número de habitantes de hoje. A cidade entrou em crise e em 1353 teve que se submeter à poderosa Florença.

Quando começou o salto econômico que transformou a Itália em uma das maiores potências econômicas mundiais, as estradas da Via Francigena que passavam por ali perderam importância para outras estradas que passavam por outros vales, e San Gimignano ficou, felizmente, isolada dos grandes centros industriais que pululavam ao longo das ferrovias, láaaaa embaixo. Hoje há gente tentando reviver os grandes tempos do açafrão, mas o produto mais famoso de S. Gimignano é a vernaccia, um vinho branco (que eu infelizmente não consegui provar) que dizem que é maravilhoso, e lendas contam que suas uvas foram introduzidas pelos etruscos. Pela sua importância histórica, foi o primeiro vinho italiano a ganhar o selo DOC (denominazione di origine controllata, um selo de qualidade).

24 de junho

Mirco saiu cedo, às 6:30. Eu fiquei meio lendo, meio dormindo, reacordando, até umas nove da manhã. Fui a pé até a cidade, que a gente mal tinha visto no primeiro dia, eu e as babás. Entrei pelo piazzale dei Martiri di Montemaggio, que está em obras. Ali fica a porta principal, a Porta San Giovanni, construída pelos seneses em 1261.

Segui pela Via San Giovanni, onde almoçamos no primeiro dia, passei pelo Arco dei Becci e fui cair na Piazza della Cisterna (a foto tá lá no segundo dia da viagem). Fiquei lá bundeando, depois fui dar uma olhada na fortaleza, que no verão vira teatro a céu aberto. A vista lá de cima é estupenda; as torres mais altas ficam ali pertinho, mas paga-se pra entrar.

Eu queria subir na Torre Grossa (grosso em italiano quer dizer grande, em todas as dimensões, e não só grosso em termos de espessura ou diâmetro) mas tive um ataque de pão-durismo e resolvi deixar pra outra vez. Pelo mesmo motivo não entrei no Duomo. Tem cabimento igreja cobrar pra entrar? Pode ter as obras de arte mais lindas do mundo, mas um templo é um templo, pombas! Fiquei tão irritada quando vi que tinha que pagar o ingresso que fui bater perna, entrar em lojas, visitar oficinas de artesanato, comprar cartão-postal.

Dali a pouco a mala do Leo ligou, dizendo que já tinha chegado. Fui encontrá-lo na porta principal, depois voltamos à Piazza della Cisterna, onde tava rolando o mercado semanal. Leo comprou galinha-d’angola (faraona) assada e pimentões grelhados pra levar pra casa, e fomos procurar um internet café. Fizemos o que tinha que fazer e ele foi embora. A essa altura já eram umas 3 da tarde e eu fui almoçar sorvete de maracujá na piazza del Duomo, embaixo de uns arcos, na sombra. Fiquei batendo papo com uns padovanos que estavam ali tomando sorvete, depois ataquei High Fidelity (Nick Hornby, uma das coisas mais legais que eu já li na minha vida) e de repente começou um burburinho ali na praça. Era dia de casamento e um noivo muito nervoso, DE GRAVATA IMPERDOAVELMENTE COR-DE-ROSA, passeava pra lá e pra cá, tirava fotos, era cumprimentado pelos amigos. Um casal recém-casado saiu da igreja; a noiva era uma morena bonita com um vestido super simples, o noivo também era bonitão. Até que chegou a noiva do cara da gravata rosa. Chegou num carro antigo, como vocês podem ver, e o vestido dela dava até medo de tão feio: meio saia, meio calça transparente, blusa transparente cheia de botões e com um colarinho imenso, uma coisa horrorosa. Como o cara também não era lá essas coisas, ficou tudo ótimo.

Uma menina pequenininha mas com cara de esperta, no colo do pai, ao meu lado, repetia “eu quero ver a noiva!”, enquanto a mãe explicava que aquela ali de branco era a noiva – claro que a garota não entendia, só repetia o que os outros diziam em torno dela. Achei tão engraçado que puxei papo. Quantos anos você tem? Ela estendeu três dedinhos e me disse, toda séria: mas a Ilaria tem 8. A mãe explicou que Ilaria era uma prima dela. A família era de Genova, muito simpática, e depois de tirar umas fotos dos noivos, foram embora continuar o tour.

Mais tarde o Leo ligou de novo, estava na cidade. A Mulher do Salame tinha pedido pra ele vir buscar as mil sacolas de compras, e eu fui com ele deixá-las na villa. Depois fomos levar os adultos a um restaurante no centro e ficamos esperando na pizzaria do Francesco. Levamos os Salames pra casa e fomos dormir.

Florença

Todo mundo conhece Florença, então não vou ficar enchendo o saco de vocês com fatos históricos. Eu também conheço Florença, e adoro, mas o dia foi corrido e não deu tempo de rodar.

Basicamente Leo partiu cedo pra lá, pra comprar os ingressos pro Palazzo Ufizzi (onde fica a Vênus de Botticelli) senão os Salames teriam que pegar fila, e Salame milionário não pega fila, jamé. Michele veio me pegar de ônibus no pé da ladeira que leva a Racciano, onde fica a nossa casinha, e fomos pra villa. As crianças vieram reclamando de sono, que algum alarme disparou durante a noite e não deixou ninguém dormir. Liguei pro Massimo e ele garantiu que a casa não tinha NENHUM alarme. Falei pra ele ir lá do mesmo jeito dar uma olhada, aproveitar que o Salame ficou em casa com o Salaminho mais novo e perguntar de onde vinha o barulho. Mais tarde ficamos sabendo que não era, obviamente, alarme nenhum, mas um walkie-talkie da Salaminha mais velha que tinha ficado esquecido numa mochila, a bateria descarregou e por isso ficava apitando. Agora eu pergunto: onze pessoas numa casa, um apito que não deixa ninguém dormir e NINGUÉM teve a brilhante idéia de ir procurar e eliminar a fonte do barulho, em vez de sair reclamando de um alarme que ninguém viu, porque não existe?

Mas enfim. A viagem a Florença foi tranquila; pegamos um pouco de engarrafamento mas nada comparado à hora do rush em Roma ou Milão. Leo nos encontrou no checkpoint dos ônibus (em algumas cidades italianas agora é assim, os ônibus têm que pagar pra entrar, e custa caro pra cacete) e dali Michele nos deixou num ponto qualquer de um Lungarno, de onde fomos a pé até o centro. Já expliquei aqui mas reexplico: as avenidas que correm ao longo de um rio ganham o nome Lungo(nomedorio) + o nome da rua. Como em Roma, onde há várias avenidas chamadas Lungotevere Fulano de Tal, Lungotevere Cicrano da Silva. Em Florença são Lungarno, já que o rio que corta a cidade é o Arno, lindo.

Então. Botamos os Salames dentro do Uffizi e fomos procurar lugar pra estacionar. Como NCC é bom mas não é infalível, e Florença não é muito grande e por isso não tem muito lugar pra estacionar, Leo achou melhor ficar no carro enquanto eu ia almoçar. Comi num self-service horrível perto do Ponte Vecchio, uma porção minúscula de cappelletti industrializados com presunto e ervilhas, ao preço mata-turista de 7 euros! Um primo de qualidade, aqui na Umbria e mesmo na Toscana, fora dos grandes centros turísticos, não passa de 6,50, 7 euros, isso se tiver um tartufo ou cogumelo porcino no meio (são ingredientes caros). Fiquei passada, mas como não tava com fome e só comi pra não desmaiar na rua, não reclamei.

Terminado o passeio no museu, levamos os Salames pra almoçar na Buca dell’Orafo, restaurante tradicional sempre ali na zona de Ponte Vecchio. Eu fiquei esperando, sentada num murinho ali do lado, lendo Lullaby (que é ótimo, por sinal). Dali eles foram fazer compras na rua chique de Florença, onde ficam as lojas de griffes famosas. Eu e Leo ficamos rodando de carro, pra não perdê-los de vista, quando de repente toca o meu celular. Era a Giuseppina, a cozinheira, perguntando se os Salames realmente tinham cancelado o jantar de sexta-feira à noite (eles decidiram ir jantar fora pra não ter que arrumar nada na cozinha depois). Respondi que sim, e ela aproveitou pra perguntar se eu sabia o que ela tinha que fazer pra pegar a grana dela. Perguntei ao Leo, do meu lado, e ele disse que era pra ligar pro Massimo, que entraria em contato com a agência em Londres, já que nos não tínhamos nada a ver com a história. Dois minutos depois me ligam de Londres. Levei um susto, porque eles mal sabem que eu existo, o Leo não é bobo e jamais deu nenhum telefone ou email meu pra eles, e eu, eticamente, nunca entrei em contato também. O cara, muito simpático e falando italiano muito bem, perguntou o porquê do cancelamento, que tipo de gente era, se a Giuseppina podia falar desse assunto grana com eles e coisa e tal. Lógico que ele ligou pra mim e não pro Leo; se sou eu que falo Inglês e converso com eles, pra quem mais ele vai ligar? Leo desconfiou e perguntou quem era. Quando eu falei ele arrancou o telefone da minha mão, desconversou e desligou – e ai começou o escarcéu. Ficou puto porque:

1. Eu dei confiança pra Giuseppina, coisa que não deveria ter feito, segundo ele, porque ela não tem classe, tem cabelo no sovaco e um filho rastafari (mas pelo menos não come de boca aberta que nem você, nem tem tanta psoríase que o chão do carro fica coberto de pele morta, pensei). Dei tanta confiança (isso porque nos nos vimos só 2 vezes!) que ela teve o topete de dar meu número de celular pra terceiros! E daí, retruquei. O numero é meu, eu dou a quem quiser, ela não deu o meu número a um cafetão ou traficante de drogas ou chefe da máfia, simplesmente a uma agência que PEDIU o número porque precisava de informações que só eu sabia dar. Qual é o problema?

2. Eu reclamo quando ele enche o meu saco com aquelas famosas piadas idiotas. Mandei-o tomar no cu, com todas as letras, e comecei a berrar também. As pessoas na rua passaram a nos olhar, dois loucos se esgoelando dentro do carro.

3. Eu não fui profissional ao fazer amizade logo de cara com a Giuseppina. Respondi que realmente eu não sou profissional, já que esse é o primeiro trabalho desse tipo que eu faço, e ele sabia disso. E que eu faço amizade com quem eu quiser, não tenho culpa de ser simpática, extrovertida e maravilhosamente interessante.

4. Eu não tinha nada que me meter no assunto pagamento da cozinheira, porque não é da nossa alçada. Respondi que eu não me meti em assunto nenhum, e se ele era surdo e não me ouviu dizendo à Giuseppina pra ligar pro Massimo, coisa que ele mesmo mandou fazer, o problema era dele.

E foi aí que ele se traiu, soltando um “Mas agora a agência tem o seu telefone!” exasperado. Aaaaaaaaaaaaaahn, eu fiz, então é esse o problema, Catatau… Pois é, agora que eles têm meu telefone vou excrusive mandar meu currículo, que mal tem. Não tenho contrato de exclusividade nem com você nem com ninguém, tô cagando pro seu conceito de ética, encheu demais o meu saco, chega!

Felizmente avistamos os Salames, que tinham acabado as compras e queriam ir ao museu da Accademia ver o Davi. Lá pras sete eles saíram, entramos no ônibus e fomos embora. O meu estado de irritação era tão grande que eu não conseguia nem falar, só rosnava. Pra piorar, a mala do Leo tinha me ligado tantas mil vezes durante o dia, pra repetir as mesmas coisas e se certificar de que os dois boçais, eu e Michele, não tínhamos feito nenhuma cagada, que a bateria do celular acabou toda, mesmo tendo ficado toda a noite anterior carregando. O Mirco tava vindo jantar comigo em San Gimignano, mas, lemming como eu, já tinha dado mil voltas e não sabia como chegar – e não conseguia falar comigo porque o celular tava mortinho. Acabei botando o lanterneiro pra falar com o Michele no telefone dele, tadinho, e nos encontramos no restaurante Da Pode, no Hotel Sovestro (località Sovestro, 63 – San Gimignano. Tel. 0577.943089), onde os Salames já tinham jantado uma vez, e adorado o frango deles. Jantamos juntos, nós três (o Leo felizmente fugiu pra Todi outra vez), e botamos tudo na conta do Leo. Michele foi levar o povo embora e eu e Mirco fomos pra casa. Uma lebre e seu filhotinho atravessaram a estrada na nossa frente, na ladeira pra Racciano. Tirei foto, mas ficou escura. Sorry.

Volterra

Background histórico

A cidade de Volterra tem mais ou menos uns três mil anos de história. Há evidências de TODOS os periodos históricos desde os primeiros habitantes, o que confere à cidade um aspecto artistico único. A antiguidade dos muros, a imponente Porta dell’Arco Etrusco abaixo, a Necrópolis de Marmini e os inúmeros achados arqueológicos conservados no Museo Etrusco, como a famosa estatueta L’Ombra della Sera abaixo, as urnas funerárias e jóias finamente trabalhadas são testemunhas do período etrusco. O Teatro di Vallebona é do período de Augusto, o que sugere a importância de Volterra durante o domínio romano.

Hoje a cidade conserva sobretudo um aspecto medieval, não somente pelos muros do século XII mas também pela estrutura urbana, de ruas estreitas, palácios, casas-torre e igrejas. O Paolo, motorista do segundo ônibus (que vocês ainda não conhecem), é de Volterra e me contou um monte de coisas interessantes sobre a cidade. Basicamente morar numa casa-torre era demonstração de potência econômica e de status social. S. Gimignano chegou a ter 72 delas – hoje são 11, se não me engano. Volterra tinha bem menos torres, mas tinha. Hoje não sobrou nenhuma, porque quando foi conquistada por Pisa, que hoje é a província à qual pertence Volterra, suas torres foram literalmente capadas, prática comum na época. Quem ganha corta as torres de quem perde, que assim fica de mãos abanando em termos de status. Ele também falou que Volterra, originalmente Velathri (que nome lindo!!!), foi a mais importante cidade etrusca, dominando toda a área ao redor.

O Renascimento teve grande importância na cidade, mas não alterou seu caráter medieval. Desse período são a Fortezza Medicea (foto abaixo), que, acreditem, hoje é um presídio de segurança média, e o Convento di San Girolamo.

A cidade tem uma tradição longuíssima de artesanato em alabastro. As lojas e estúdios de alabastro são infinitos e alguns trabalhos são realmente lindíssimos. Os cacarecos pra turista ainda são relativamente poucos, ao contrário de Assis. Paolo falou que, ao contrário da terra de São Francisco, há uma lei contra quem pendura cacarecos fora das lojas, por isso a cidade parece muito mais organizada e limpinha, menos poluída visualmente. Eu comprei um potinho de alabastro branco com uma florzinha em bronze na tampa, pra Arianna, e um outro também com apliques em bronze pra minha tia Ilse, que adora esses trequinhos.

22 de junho

Em vez de me deixar em paz, lendo, Leo me fez ir com ele até o escritório do Massimo, em Larniano, ao lado da villa dos Salames, pra tentar achar o bendito microônibus. Eles estavam sem telefone, por isso Massimo nos levou a Poggibonsi, cidade maiorzinha, mais funcional e menos turística ali perto, onde fica o escritório central da empresa onde ele trabalha. O proprietário dessa villa di Larniano e de outras é um certo Senhor Niccolai, que de operário passou a dono de uma empresa de trailers – aqueles que neguinho usa pra viajar gastando pouco (pouco uma ova, porque um trailer custa MUITA grana). A empresa vende e aluga trailers – no caso do aluguel, os maiores clientes são prostitutas da área, que alugam por um dia (ou noite) pra ter um lugar pra levar os clientes. Homem esperto e de muita visão, seu Niccolai comprou, há séculos, antes do boom da Toscana, um monte de antigas ville a preços ridículos, reestruturou todas e hoje valem uma grana preta – e rendem mais ainda, visto que ele não é bobo e vender, não vende nada, só aluga pra turistas endinheirados. Então lá estamos nós no escritório em Poggibonsi ligando pra todos os transportadores, taxistas e alugadores de carro e ônibus da província. Levamos a manhã inteira nisso, e eu, entediada, abri meu diário e comecei a escrever. Lá vem a besta do Leo encher meu saco:

– O que que você tá escrevendo?
– Um diário.
– Você escreve um diário?
– Sim.
– Nossa, você é uma brasileira muito atípica.
– Por que, porque sei ler e escrever melhor que você? Leo, na boa, se você continuar enchendo o meu saco com essas idiotices eu vou me irritar seriamente. E você NÃO QUER ME VER IRRITADA SERIAMENTE. Nem eu quero me ver irritada seriamente. Pára de me torrar a paciência.

Começamos a discutir ali mesmo – aliás, ele berrava e eu nem tchum, continuava no meu diário. Ele tem essa mania idiota de fazer piadas bestas sobre o Brasil, país que, conforme fiz questão de lembrar-lhe várias vezes, ele não conhece. ODEIOOOOOO gente que brinca com coisas que não conhece nem de longe. No final das contas a briga acabou porque ligaram de uma companhia confirmando um ônibus de 29 lugares pra meio-dia e meia, hora em que a gente deveria ir pegar os Salames na villa. Eles queriam um ônibus maior do que o que foi pegá-los no aeroporto, que segundo eles pulava demais (engraçado que mesmo pulando eles dormiram a viagem toda…), então esse de 29 era perfeito. Lá fomos eu e Massimo inspecionar o tal ônibus, cujo proprietário se chama Renzo. Achamos que servia, apesar de não ser muito bonitinho, ser pintado em cores cafonas e não ser exatamente novo. Mas só tinha ele mesmo, então fomos à villa pegar a galera.

O motorista se chamava Michele e era um amor, um docinho. Pequenininho, dentes completamente acavalados, tímido, era só uma das crianças dar buongiorrrrrno, Michael! pra ele que ele ficava todo vermelho. Foi dirigindo devagarzinho, já sabendo que ali todo mundo tinha mania de enjoar e vomitar, até porque comem sem parar dentro do ônibus, e que o Salame não gosta de ônibus que pula. Nesse ritmo caramujo levamos séculos pra chegar a Volterra, mas eu gostei logo de cara. Desembarcamos a família na entrada da cidade e fomos almoçar, eu e a mala do Leo (o Michele tinha que ficar no ônibus, no estacionamento um pouco fora da cidade), num restaurante muito fofo chamado Web & Wine (Via Porta all’Arco, 11/13. Tel. 0588.81531). Leo comeu pizza mas eu não almocei, tava doida pra dar umas voltas pela cidade. Deixei o pentelho lá imprimindo e-mails no restaurante e fui dar os meus rolés.

Volterra é LINDA. É turística, sim, mas manteve a qualidade de vida. As lojas são foférrimas, super bem cuidadas, as vitrines de um incrível bom gosto, as embalagens dos produtos são lindas, as ruas são limpas, as pessoas são simpáticas. Um amor, um bijoux de cidade, fiquei louca! A piazza del Comune lembra muito a de Arezzo, mas é vários séculos mais antiga, como fez questão de frisar o Paolo. Eu não queria encontrar com os Salames na rua, pra não parecer que eu estava me divertindo às custas deles, por isso evitei o Museo Etrusco. Mas pretendo voltar a Volterra com calma e passar horas no museu e várias outras rodando pelas ruelas.

Encontrei, num beco, uma livraria chamada Lorien. Jacaré entrou? Eu também. Achei vários livros em língua original, coisas atuais, muitos livros da minha wishlist, muitas coisas fofas, e acabei comprando Lullaby, do Palahniuk, e outras coisas bubus, algumas das quais estão em processo de envelopamento e expedição pra Newlands, mas não contem pra ela não. Tirei várias fotos, a maioria escura e feia, comprei mil cartões-postais, fui aos correios expedir todos, comprei os potinhos de alabastro, voltei pra entrada da cidade e mais tarde a família chegou e fomos embora.

Largamos o povo na villa, onde eles iam jantar a comida da Giuseppina, e fomos de Alfa até a pizzaria do Francesco, ver o fatídico jogo Itália x Bulgaria. Quando estávamos estacionando ouvi a seguinte frase: “em francês também se diz assim…” e logo identifiquei a fonte. Eram cinco brasileiros sentados a uma mesa do lado de fora. Cinco engenheiros, na Itália a trabalho, todos de Santa Catarina e muito simpáticos. Ficamos horas batendo papo, e foi nessa que descobri que o Francesco falava português. Quando subi pro segundo andar, onde o Leo tinha sentado porque tinha telão, ele já tava no fim da pizza. O papo com os meninos tinha sido tão legal (talvez pra eles não, porque eu falei pra caramba, até ficar com sede) que a fome até voltou e comi uma lasanha básica. Depois do jogo fomos dormir que ninguém é de ferro.

Volterra

Background histórico

A cidade de Volterra tem mais ou menos uns três mil anos de história. Há evidências de TODOS os periodos históricos desde os primeiros habitantes, o que confere à cidade um aspecto artistico único. A antiguidade dos muros, a imponente Porta dell’Arco Etrusco abaixo, a Necrópolis de Marmini e os inúmeros achados arqueológicos conservados no Museo Etrusco, como a famosa estatueta L’Ombra della Sera abaixo, as urnas funerárias e jóias finamente trabalhadas são testemunhas do período etrusco. O Teatro di Vallebona é do período de Augusto, o que sugere a importância de Volterra durante o domínio romano.

Hoje a cidade conserva sobretudo um aspecto medieval, não somente pelos muros do século XII mas também pela estrutura urbana, de ruas estreitas, palácios, casas-torre e igrejas. O Paolo, motorista do segundo ônibus (que vocês ainda não conhecem), é de Volterra e me contou um monte de coisas interessantes sobre a cidade. Basicamente morar numa casa-torre era demonstração de potência econômica e de status social. S. Gimignano chegou a ter 72 delas – hoje são 11, se não me engano. Volterra tinha bem menos torres, mas tinha. Hoje não sobrou nenhuma, porque quando foi conquistada por Pisa, que hoje é a província à qual pertence Volterra, suas torres foram literalmente capadas, prática comum na época. Quem ganha corta as torres de quem perde, que assim fica de mãos abanando em termos de status. Ele também falou que Volterra, originalmente Velathri (que nome lindo!!!), foi a mais importante cidade etrusca, dominando toda a área ao redor.

O Renascimento teve grande importância na cidade, mas não alterou seu caráter medieval. Desse período são a Fortezza Medicea (foto abaixo), que, acreditem, hoje é um presídio de segurança média, e o Convento di San Girolamo.

A cidade tem uma tradição longuíssima de artesanato em alabastro. As lojas e estúdios de alabastro são infinitos e alguns trabalhos são realmente lindíssimos. Os cacarecos pra turista ainda são relativamente poucos, ao contrário de Assis. Paolo falou que, ao contrário da terra de São Francisco, há uma lei contra quem pendura cacarecos fora das lojas, por isso a cidade parece muito mais organizada e limpinha, menos poluída visualmente. Eu comprei um potinho de alabastro branco com uma florzinha em bronze na tampa, pra Arianna, e um outro também com apliques em bronze pra minha tia Ilse, que adora esses trequinhos.

22 de junho

Em vez de me deixar em paz, lendo, Leo me fez ir com ele até o escritório do Massimo, em Larniano, ao lado da villa dos Salames, pra tentar achar o bendito microônibus. Eles estavam sem telefone, por isso Massimo nos levou a Poggibonsi, cidade maiorzinha, mais funcional e menos turística ali perto, onde fica o escritório central da empresa onde ele trabalha. O proprietário dessa villa di Larniano e de outras é um certo Senhor Niccolai, que de operário passou a dono de uma empresa de trailers – aqueles que neguinho usa pra viajar gastando pouco (pouco uma ova, porque um trailer custa MUITA grana). A empresa vende e aluga trailers – no caso do aluguel, os maiores clientes são prostitutas da área, que alugam por um dia (ou noite) pra ter um lugar pra levar os clientes. Homem esperto e de muita visão, seu Niccolai comprou, há séculos, antes do boom da Toscana, um monte de antigas ville a preços ridículos, reestruturou todas e hoje valem uma grana preta – e rendem mais ainda, visto que ele não é bobo e vender, não vende nada, só aluga pra turistas endinheirados. Então lá estamos nós no escritório em Poggibonsi ligando pra todos os transportadores, taxistas e alugadores de carro e ônibus da província. Levamos a manhã inteira nisso, e eu, entediada, abri meu diário e comecei a escrever. Lá vem a besta do Leo encher meu saco:

– O que que você tá escrevendo?
– Um diário.
– Você escreve um diário?
– Sim.
– Nossa, você é uma brasileira muito atípica.
– Por que, porque sei ler e escrever melhor que você? Leo, na boa, se você continuar enchendo o meu saco com essas idiotices eu vou me irritar seriamente. E você NÃO QUER ME VER IRRITADA SERIAMENTE. Nem eu quero me ver irritada seriamente. Pára de me torrar a paciência.

Começamos a discutir ali mesmo – aliás, ele berrava e eu nem tchum, continuava no meu diário. Ele tem essa mania idiota de fazer piadas bestas sobre o Brasil, país que, conforme fiz questão de lembrar-lhe várias vezes, ele não conhece. ODEIOOOOOO gente que brinca com coisas que não conhece nem de longe. No final das contas a briga acabou porque ligaram de uma companhia confirmando um ônibus de 29 lugares pra meio-dia e meia, hora em que a gente deveria ir pegar os Salames na villa. Eles queriam um ônibus maior do que o que foi pegá-los no aeroporto, que segundo eles pulava demais (engraçado que mesmo pulando eles dormiram a viagem toda…), então esse de 29 era perfeito. Lá fomos eu e Massimo inspecionar o tal ônibus, cujo proprietário se chama Renzo. Achamos que servia, apesar de não ser muito bonitinho, ser pintado em cores cafonas e não ser exatamente novo. Mas só tinha ele mesmo, então fomos à villa pegar a galera.

O motorista se chamava Michele e era um amor, um docinho. Pequenininho, dentes completamente acavalados, tímido, era só uma das crianças dar buongiorrrrrno, Michael! pra ele que ele ficava todo vermelho. Foi dirigindo devagarzinho, já sabendo que ali todo mundo tinha mania de enjoar e vomitar, até porque comem sem parar dentro do ônibus, e que o Salame não gosta de ônibus que pula. Nesse ritmo caramujo levamos séculos pra chegar a Volterra, mas eu gostei logo de cara. Desembarcamos a família na entrada da cidade e fomos almoçar, eu e a mala do Leo (o Michele tinha que ficar no ônibus, no estacionamento um pouco fora da cidade), num restaurante muito fofo chamado Web & Wine (Via Porta all’Arco, 11/13. Tel. 0588.81531). Leo comeu pizza mas eu não almocei, tava doida pra dar umas voltas pela cidade. Deixei o pentelho lá imprimindo e-mails no restaurante e fui dar os meus rolés.

Volterra é LINDA. É turística, sim, mas manteve a qualidade de vida. As lojas são foférrimas, super bem cuidadas, as vitrines de um incrível bom gosto, as embalagens dos produtos são lindas, as ruas são limpas, as pessoas são simpáticas. Um amor, um bijoux de cidade, fiquei louca! A piazza del Comune lembra muito a de Arezzo, mas é vários séculos mais antiga, como fez questão de frisar o Paolo. Eu não queria encontrar com os Salames na rua, pra não parecer que eu estava me divertindo às custas deles, por isso evitei o Museo Etrusco. Mas pretendo voltar a Volterra com calma e passar horas no museu e várias outras rodando pelas ruelas.

Encontrei, num beco, uma livraria chamada Lorien. Jacaré entrou? Eu também. Achei vários livros em língua original, coisas atuais, muitos livros da minha wishlist, muitas coisas fofas, e acabei comprando Lullaby, do Palahniuk, e outras coisas bubus, algumas das quais estão em processo de envelopamento e expedição pra Newlands, mas não contem pra ela não. Tirei várias fotos, a maioria escura e feia, comprei mil cartões-postais, fui aos correios expedir todos, comprei os potinhos de alabastro, voltei pra entrada da cidade e mais tarde a família chegou e fomos embora.

Largamos o povo na villa, onde eles iam jantar a comida da Giuseppina, e fomos de Alfa até a pizzaria do Francesco, ver o fatídico jogo Itália x Bulgaria. Quando estávamos estacionando ouvi a seguinte frase: “em francês também se diz assim…” e logo identifiquei a fonte. Eram cinco brasileiros sentados a uma mesa do lado de fora. Cinco engenheiros, na Itália a trabalho, todos de Santa Catarina e muito simpáticos. Ficamos horas batendo papo, e foi nessa que descobri que o Francesco falava português. Quando subi pro segundo andar, onde o Leo tinha sentado porque tinha telão, ele já tava no fim da pizza. O papo com os meninos tinha sido tão legal (talvez pra eles não, porque eu falei pra caramba, até ficar com sede) que a fome até voltou e comi uma lasanha básica. Depois do jogo fomos dormir que ninguém é de ferro.

Siena

Background histórico

Os símbolos de Siena são a balzana (um escudo preto e branco) e a loba amamentando os gêmeos Rômulo e Remo – o mesmo símbolo de Roma. De acordo com uma antiga lenda, Siena teria sido fundada por dois filhos de Remo, Senius e Aschius, que, ao deixar Roma, levaram com eles uma estátua da loba, roubada de um templo de Apolo. Eles teriam se estabelecido nas colinas toscanas. Senius tinha um cavalo branco e Aschius um cavalo preto, o que explicaria a escolha das cores da cidade.

A área onde fica Siena provavelmente já era habitada desde a época etrusca (séculos VII – V a.C.), mas os romanos fundaram Siena como uma colônia militar (Sena Julia) nos tempos do imperador Otaviano Augusto (27 a.C. – 14 a.C). Durante o período de dominação romana, a cidade se desenvolveu muito pouco economicamente, porque estava longe das rotas de comunicação mais importantes, que eram a Via Aurelia a oeste, seguindo a costa do mar Tirreno, e a Via Cassia a leste, que atravessa o vale do Chiana e o vale do rio Arno. Mais tarde, lá pelo século IV d.C., a cidade começou a crescer, juntamente com o Cristianismo, que ali se desenvolveu, dizem, com S. Ansano.

Os Longobardos invadiram a Itália em 568 d.C. e trouxeram muita prosperidade à cidade, que alargou suas fronteiras, roubando Rapolano, Sinalunga e Asciano da rival Arezzo. Essas cidades até hoje pertencem à província de Siena. Além disso, as áreas em torno da Aurelia e da Cassia estavam se deteriorando, e com isso Siena se viu em uma situação importante, em meio a uma nova linha de comunicação: a via Francigena. No século VII, Carlos Magno derrotou os Longobardos e Siena passou a ser domínio francês. Foi nesse período que nasceu a nobreza senese, bem do coração de famílias longobardas e francesas.

Depois de alguns séculos de calmaria econômica, política e cultural, a cidade voltou a crescer, a partir do ano 1100. Lentamente Siena voltou a expandir seus limites e foi ali que começaram as primeiras brigas com Florença, cidade guelfa (anti-imperial, ou seja, a favor da mistura Igreja-Estado, enquanto que Siena era ghibellina, pró-imperial, ou seja, os papas não têm que meter o bedelho na política). A partir do século XIII a cidade se tornou um centro urbano propriamente dito. Nessa época nasceram os primeiros bancos (o Monte dei Paschi di Siena é o mais famoso, fundado mais tarde, em 1492, se não me engano, e que é uma das potências bancárias da Itália. A agência aqui de S. Maria é bem bonitinha.) e um grande hospital, Santa Maria della Scala, que existe até hoje. Infelizmente Florença acabou levando a melhor e Siena se rendeu ao seu domínio, mas a partir daí a cidade conheceu um longo período de paz, durante o qual nasceu a escola senese de arte. No século XIV a cidade entrou em decadência outra vez, em parte por causa da peste que tinha abalado a Europa em 1348, e nesse mesmo período a religião ganhava cada vez mais força. São dessa época personagens famosos como Santa Catarina de Siena e São Bernardino de Siena.

Durante o Renascimento Siena voltou ao seu esplendor, especialmente na vida cultural: a escola senese passou a integrar os novos estilos florentinos de pintura e escultura, e houve muitas novidades também na área da arquitetura. Lógico que depois desse período veio uma nova onda de decadência, de opressão por parte dos franceses e dos Habsburgos, e as guerras contra Florença não paravam, até que a cidade caiu nas mãos dos espanhóis (Felipe II), que em 1557 vendeu a cidade a Cosmo I da família Medici, um nobre florentino. E assim Siena passou a fazer parte do Grão-Ducado da Toscana, perdendo sua independência política mas mantendo a independência administrativa.

No século XII foram fundadas a Universidade de Siena e as academias de artes e ciências. Também foi nessa época que a tradição do Palio di Siena foi consolidada. As contrade (os bairros, digamos) passaram a ganhar importância e a rivalidade entre elas também foi crescendo, coisas que se observam claramente ainda hoje, na época do Palio e fora dela também.

E quando a Itália deixou de ser um amontoado de reinos, cidades-estado e outras coisas estranhas e passou a ser um Estado, Siena, obviamente, foi simplesmente incorporada e virou a província que hoje é.

21 de junho

Acordei cedo, como sempre, mas dessa vez quem me acordou foi o Leo, aos berros no telefone. Felizmente ele saiu de casa às 8:30 pra levar a Renault pra Florença e pegar o outro carro pro Salame. Novamente esperei que ele saísse pra finalmente ir tomar meu banho, comer meus grissini e continuar minha leitura. O dia estava lindo, mas soprava um vento frio sem parar. Deveríamos chegar à villa às 11 já com o novo carro pra acompanhar a família a Siena, mas Leo chegou depois das onze pra me buscar. Eu fui dirigindo o novo monovolume, um Fiat Ulysse, e ele foi com a Alfa. Botamos todo mundo nos carros, eu fui com Leo e todos os outros machos no Ulysse e a Morena Simpática foi com o resto da mulherada dirigindo o Ford. Tivemos que parar no caminho porque a Blonde Teenager, coitadinha, não aguentou as mil curvas da estrada e vomitou feio. Mas chegamos vivos a Siena.

Largamos a família sozinha, como sempre, e fomos estacionar na Piazza dell’Indipendenza, bem ao lado da famosa Piazza del Campo. E aqui cabe uma explicação teórica. O Leo é como se fosse um taxista de luxo, que entra na categoria NCC (noleggio con conducente, ou carro alugado com motorista), o que lhe dá acesso às áreas ZTL (zona traffico limitado), onde normalmente carros não podem passar. Só que a licença NCC se refere ao carro, e não ao motorista. Ou seja, quem tem autorização pra entrar em ZTL é a Alfa, e não o Leo dirigindo outros carros. Só fui entender isso mais tarde, porque deixamos os carros na praça e fomos a um internet café pra eu traduzir uns emails pra ele, e quando voltamos um policial tava lá todo feliz multando os dois monovolumes. Leo ficou puto da vida, dizendo que era muito azar porque ele conhecia todos os policiais de Siena e justo nesse dia que tinha clientes importantes e ele tinha se afastado um minuto dos carros, lá vem um policial que ele não conhece fazer multas que ele não merecia (aham). Rolou uma confusão danada porque ele não queria abrir os carros pra pegar os documentos, já que a autorização NCC tava no nome dele e nos documentos da Avis no porta-luvas dos carros estavam, obviamente, os nomes de membros da família Salame, que eram quem deveria dirigir, em vez do Leo. O policial queria porque queria ver os documentos, o Leo argumentando ridiculamente que não podia invadir a propriedade de outras pessoas, porque os carros estavam no nome dos clientes e não no seu, o policial perguntando então comé que ele tava com as chaves dos carros se não eram dele, acabaram chamando outros dois policiais da central, e no final o Leo ganhou duas multas, e escapou por pouco de levar uma terceira por desacato à autoridade. Achei Ó-TE-MO.

Ficamos o dia inteiro pastando na praça. Eu conheço Siena e não tava a fim de passear, preferi ficar por ali mesmo, lendo e me esquivando do Leo. Mais tarde o Salame ligou dizendo que eles queriam jantar em Siena mesmo, mas tinha que ser cedo, por causa das crianças. Pra achar um restaurante que abrisse às seis e meia da tarde pra fazer macarrão com manteiga e frango grelhado pra um bando de americanos foi um parto, do qual fiz questão de não participar, já antecipando que eu não receberia nem um obrigado, quanto mais uma graninha extra, por fazer gentilezas que não estavam no programa. Fiquei quietinha sentada no carro, protegida do vento frio, lendo meu livrinho e comendo uma focaccia de alecrim, que foi meu almoço às 4 da tarde (lembrem-se que a raiva é a única coisa que me tira a fome, e o Leo me irritou MUITO desde o primeiro minuto desse trabalho). Encontrado o bendito restaurante e encaminhados os Salames, Leo entrou no carro comigo e cismou de bater papo, contando, com seu hálito de esgoto, coisas sobre a sua vida pelas quais eu não tinha o mínimo interesse e não fiz nenhuma pergunta. Ele diz que trabalhou 18 anos em rádio e por isso fala berrando. Que delícia.

A parte mais deliciosa veio depois: a Morena Simpática tava cansada e não queria dirigir. Quem foi dar uma de motorista? Euzinha. Não me levem a mal, eu ADORO dirigir, mas se devo dirigir profissionalmente, ainda mais com a GIGANTESCA responsabilidade de ter gente desse calibre dentro do carro, quero ganhar mais por isso, e quero, principalmente, saber que haverá a possibilidade de ter que fazê-lo, antes do trabalho começar, em vez de ser pega de surpresa. Mas tudo bem, fora um caminhão-jamanta que quase nos matou na estrada porque não nos deu a preferência, que era nossa, não aconteceu nada de grave. Largamos o pessoal na villa e fomos jantar.

Comemos no único restaurante que achamos aberto em S. Gimignano: Il Trovatore (Via dei Fossi, 17. Tel. 0577.942240), muito bonitinho e simpático, com Tosca rolando no telão. Comemos pici (pronúncia pitchi. São iguais aos strangozzi umbros, que são spaghetti super grossos e de farinha de grão duro, ficam super al dente) alle briciole, ou seja, com tomates-cereja e farinha de rosca por cima (briciole quer dizer migalhas de pão). Durante o jantar ligamos (liguei) pros EUA pra falar com a assistente pessoal do Salame, porque o dinheiro que deveria ter chegado ao banco do Leo não dava sinais de vida, e ele precisava pagar a Avis. Também tinha o lance do microônibus, que às onze da noite, quando deixamos os Salames na villa, a Mulher do Salame cismou que queria pro dia seguinte, pra eles viajarem todos juntos. Precisávamos de autorização pra pagar por esse ônibus, que não estava no contrato inicial com o Leo. Os Salames não lidam com dinheiro, quem administra essas coisas é essa assistente pessoal do Salame, que nos implorou pra nem tocar no assunto grana com eles – é uma preocupação que eles não querem ter. No final ela deu carta branca pra usar o número de cartão de crédito deles pra comprar, alugar e obter qualquer coisa, absolutamente qualquer coisa, que eles desejassem. Então tá.

Exaustos, fomos pra casa dormir.

Siena

Background histórico

Os símbolos de Siena são a balzana (um escudo preto e branco) e a loba amamentando os gêmeos Rômulo e Remo – o mesmo símbolo de Roma. De acordo com uma antiga lenda, Siena teria sido fundada por dois filhos de Remo, Senius e Aschius, que, ao deixar Roma, levaram com eles uma estátua da loba, roubada de um templo de Apolo. Eles teriam se estabelecido nas colinas toscanas. Senius tinha um cavalo branco e Aschius um cavalo preto, o que explicaria a escolha das cores da cidade.

A área onde fica Siena provavelmente já era habitada desde a época etrusca (séculos VII – V a.C.), mas os romanos fundaram Siena como uma colônia militar (Sena Julia) nos tempos do imperador Otaviano Augusto (27 a.C. – 14 a.C). Durante o período de dominação romana, a cidade se desenvolveu muito pouco economicamente, porque estava longe das rotas de comunicação mais importantes, que eram a Via Aurelia a oeste, seguindo a costa do mar Tirreno, e a Via Cassia a leste, que atravessa o vale do Chiana e o vale do rio Arno. Mais tarde, lá pelo século IV d.C., a cidade começou a crescer, juntamente com o Cristianismo, que ali se desenvolveu, dizem, com S. Ansano.

Os Longobardos invadiram a Itália em 568 d.C. e trouxeram muita prosperidade à cidade, que alargou suas fronteiras, roubando Rapolano, Sinalunga e Asciano da rival Arezzo. Essas cidades até hoje pertencem à província de Siena. Além disso, as áreas em torno da Aurelia e da Cassia estavam se deteriorando, e com isso Siena se viu em uma situação importante, em meio a uma nova linha de comunicação: a via Francigena. No século VII, Carlos Magno derrotou os Longobardos e Siena passou a ser domínio francês. Foi nesse período que nasceu a nobreza senese, bem do coração de famílias longobardas e francesas.

Depois de alguns séculos de calmaria econômica, política e cultural, a cidade voltou a crescer, a partir do ano 1100. Lentamente Siena voltou a expandir seus limites e foi ali que começaram as primeiras brigas com Florença, cidade guelfa (anti-imperial, ou seja, a favor da mistura Igreja-Estado, enquanto que Siena era ghibellina, pró-imperial, ou seja, os papas não têm que meter o bedelho na política). A partir do século XIII a cidade se tornou um centro urbano propriamente dito. Nessa época nasceram os primeiros bancos (o Monte dei Paschi di Siena é o mais famoso, fundado mais tarde, em 1492, se não me engano, e que é uma das potências bancárias da Itália. A agência aqui de S. Maria é bem bonitinha.) e um grande hospital, Santa Maria della Scala, que existe até hoje. Infelizmente Florença acabou levando a melhor e Siena se rendeu ao seu domínio, mas a partir daí a cidade conheceu um longo período de paz, durante o qual nasceu a escola senese de arte. No século XIV a cidade entrou em decadência outra vez, em parte por causa da peste que tinha abalado a Europa em 1348, e nesse mesmo período a religião ganhava cada vez mais força. São dessa época personagens famosos como Santa Catarina de Siena e São Bernardino de Siena.

Durante o Renascimento Siena voltou ao seu esplendor, especialmente na vida cultural: a escola senese passou a integrar os novos estilos florentinos de pintura e escultura, e houve muitas novidades também na área da arquitetura. Lógico que depois desse período veio uma nova onda de decadência, de opressão por parte dos franceses e dos Habsburgos, e as guerras contra Florença não paravam, até que a cidade caiu nas mãos dos espanhóis (Felipe II), que em 1557 vendeu a cidade a Cosmo I da família Medici, um nobre florentino. E assim Siena passou a fazer parte do Grão-Ducado da Toscana, perdendo sua independência política mas mantendo a independência administrativa.

No século XII foram fundadas a Universidade de Siena e as academias de artes e ciências. Também foi nessa época que a tradição do Palio di Siena foi consolidada. As contrade (os bairros, digamos) passaram a ganhar importância e a rivalidade entre elas também foi crescendo, coisas que se observam claramente ainda hoje, na época do Palio e fora dela também.

E quando a Itália deixou de ser um amontoado de reinos, cidades-estado e outras coisas estranhas e passou a ser um Estado, Siena, obviamente, foi simplesmente incorporada e virou a província que hoje é.

21 de junho

Acordei cedo, como sempre, mas dessa vez quem me acordou foi o Leo, aos berros no telefone. Felizmente ele saiu de casa às 8:30 pra levar a Renault pra Florença e pegar o outro carro pro Salame. Novamente esperei que ele saísse pra finalmente ir tomar meu banho, comer meus grissini e continuar minha leitura. O dia estava lindo, mas soprava um vento frio sem parar. Deveríamos chegar à villa às 11 já com o novo carro pra acompanhar a família a Siena, mas Leo chegou depois das onze pra me buscar. Eu fui dirigindo o novo monovolume, um Fiat Ulysse, e ele foi com a Alfa. Botamos todo mundo nos carros, eu fui com Leo e todos os outros machos no Ulysse e a Morena Simpática foi com o resto da mulherada dirigindo o Ford. Tivemos que parar no caminho porque a Blonde Teenager, coitadinha, não aguentou as mil curvas da estrada e vomitou feio. Mas chegamos vivos a Siena.

Largamos a família sozinha, como sempre, e fomos estacionar na Piazza dell’Indipendenza, bem ao lado da famosa Piazza del Campo. E aqui cabe uma explicação teórica. O Leo é como se fosse um taxista de luxo, que entra na categoria NCC (noleggio con conducente, ou carro alugado com motorista), o que lhe dá acesso às áreas ZTL (zona traffico limitado), onde normalmente carros não podem passar. Só que a licença NCC se refere ao carro, e não ao motorista. Ou seja, quem tem autorização pra entrar em ZTL é a Alfa, e não o Leo dirigindo outros carros. Só fui entender isso mais tarde, porque deixamos os carros na praça e fomos a um internet café pra eu traduzir uns emails pra ele, e quando voltamos um policial tava lá todo feliz multando os dois monovolumes. Leo ficou puto da vida, dizendo que era muito azar porque ele conhecia todos os policiais de Siena e justo nesse dia que tinha clientes importantes e ele tinha se afastado um minuto dos carros, lá vem um policial que ele não conhece fazer multas que ele não merecia (aham). Rolou uma confusão danada porque ele não queria abrir os carros pra pegar os documentos, já que a autorização NCC tava no nome dele e nos documentos da Avis no porta-luvas dos carros estavam, obviamente, os nomes de membros da família Salame, que eram quem deveria dirigir, em vez do Leo. O policial queria porque queria ver os documentos, o Leo argumentando ridiculamente que não podia invadir a propriedade de outras pessoas, porque os carros estavam no nome dos clientes e não no seu, o policial perguntando então comé que ele tava com as chaves dos carros se não eram dele, acabaram chamando outros dois policiais da central, e no final o Leo ganhou duas multas, e escapou por pouco de levar uma terceira por desacato à autoridade. Achei Ó-TE-MO.

Ficamos o dia inteiro pastando na praça. Eu conheço Siena e não tava a fim de passear, preferi ficar por ali mesmo, lendo e me esquivando do Leo. Mais tarde o Salame ligou dizendo que eles queriam jantar em Siena mesmo, mas tinha que ser cedo, por causa das crianças. Pra achar um restaurante que abrisse às seis e meia da tarde pra fazer macarrão com manteiga e frango grelhado pra um bando de americanos foi um parto, do qual fiz questão de não participar, já antecipando que eu não receberia nem um obrigado, quanto mais uma graninha extra, por fazer gentilezas que não estavam no programa. Fiquei quietinha sentada no carro, protegida do vento frio, lendo meu livrinho e comendo uma focaccia de alecrim, que foi meu almoço às 4 da tarde (lembrem-se que a raiva é a única coisa que me tira a fome, e o Leo me irritou MUITO desde o primeiro minuto desse trabalho). Encontrado o bendito restaurante e encaminhados os Salames, Leo entrou no carro comigo e cismou de bater papo, contando, com seu hálito de esgoto, coisas sobre a sua vida pelas quais eu não tinha o mínimo interesse e não fiz nenhuma pergunta. Ele diz que trabalhou 18 anos em rádio e por isso fala berrando. Que delícia.

A parte mais deliciosa veio depois: a Morena Simpática tava cansada e não queria dirigir. Quem foi dar uma de motorista? Euzinha. Não me levem a mal, eu ADORO dirigir, mas se devo dirigir profissionalmente, ainda mais com a GIGANTESCA responsabilidade de ter gente desse calibre dentro do carro, quero ganhar mais por isso, e quero, principalmente, saber que haverá a possibilidade de ter que fazê-lo, antes do trabalho começar, em vez de ser pega de surpresa. Mas tudo bem, fora um caminhão-jamanta que quase nos matou na estrada porque não nos deu a preferência, que era nossa, não aconteceu nada de grave. Largamos o pessoal na villa e fomos jantar.

Comemos no único restaurante que achamos aberto em S. Gimignano: Il Trovatore (Via dei Fossi, 17. Tel. 0577.942240), muito bonitinho e simpático, com Tosca rolando no telão. Comemos pici (pronúncia pitchi. São iguais aos strangozzi umbros, que são spaghetti super grossos e de farinha de grão duro, ficam super al dente) alle briciole, ou seja, com tomates-cereja e farinha de rosca por cima (briciole quer dizer migalhas de pão). Durante o jantar ligamos (liguei) pros EUA pra falar com a assistente pessoal do Salame, porque o dinheiro que deveria ter chegado ao banco do Leo não dava sinais de vida, e ele precisava pagar a Avis. Também tinha o lance do microônibus, que às onze da noite, quando deixamos os Salames na villa, a Mulher do Salame cismou que queria pro dia seguinte, pra eles viajarem todos juntos. Precisávamos de autorização pra pagar por esse ônibus, que não estava no contrato inicial com o Leo. Os Salames não lidam com dinheiro, quem administra essas coisas é essa assistente pessoal do Salame, que nos implorou pra nem tocar no assunto grana com eles – é uma preocupação que eles não querem ter. No final ela deu carta branca pra usar o número de cartão de crédito deles pra comprar, alugar e obter qualquer coisa, absolutamente qualquer coisa, que eles desejassem. Então tá.

Exaustos, fomos pra casa dormir.

San Gimignano

(Vou falar mais da cidade e botar fotos mais à frente, nesse dia a gente não viu quase nada porque não deu tempo. E não reparem na qualidade péssima das fotos. Eu sou péssima fotógrafa, por isso prefiro comprar cartões-postais.)

Acordei cedo, como sempre, mas não ousei botar o nariz pra fora até o Leo sair de casa. Fiquei lá, deitadinha lendo meu livrinho, ouvindo todos os rumores corporais dele no banheiro, a torneira aberta por horas a fio, os passos pesados arrastando os chinelos, o pigarro, o assoar do nariz, os resmungos, o telefone que tocou e ele respondeu aos berros, os arrotos ocasionais, uma fineza só. Quando ouvi o estrondo da porta da frente batendo e o barulho do carro indo embora, levantei, fiz a cama e fui tomar banho, fingindo não notar o estado lamentável do banheiro – coisa de quem não tem nem bom senso, nem uma companheira em casa pra dizer Leo, VAI SECAR O CHÃO DO BANHEIRO, PORRA, nem respeito pela pessoa com a qual ele é forçado a dividir o banheiro nesse momento. Comi uns grissini di alecrim de café da manhã sentada na cama, olhando pela janela. O tempo estava esquisito, um vento super forte, nuvens que passavam correndo, escondendo e mostrando o sol. Tomei coragem e saí.

Eu tinha marcado com as babás de encontrá-las no hotel delas às onze. A família tinha nos dispensado; queriam ver a cidade sozinhos, sem babás, guias ou intérpretes. Fui a pé ao hotel, porque adoro caminhar, a paisagem é linda, é só uma colina de distância, e porque não tinha outro jeito mesmo, já que Leo saiu com o carro. Calculei mal o tempo e acabei chegando cedo demais. A recepcionista simpática me disse que elas tinham saído pra jantar na noite anterior e chegado muito tarde. Pronto, pensei, vou ficar esperando aqui até meio-dia e meia. Mas tadinhas, às onze e meia desceram, sorridentes, e fomos a pé até a cidade, que é linda.

Claro que fomos direto almoçar, que já era hora. Entramos no primeiro restaurante que vimos, Taverna Paradiso (de Raffaela Scialò; Via S. Giovanni, 6. Tel 0577.940302), bem no início da ladeira que leva à Piazza della Cisterna.

O restaurante era microscópico, e a proprietária estava usando um lindo vestido do Renascimento, cor de vinho, e penteado de época também. Pedimos bruschette e depois cavatelli (uma massa curta que parece um nhoque pequeno com um corte longitudinal) alla Medici, ou seja, com bacon, molho de tomate e nozes – uma delícia. As meninas comeram tiramisù de sobremesa, batemos papo com a proprietária e saímos. Fomos dar uma volta na praça: tavam passando os Cavalieri di Santa Fina, a outra santa padroeira da cidade. Os cavaleiros são esses coloridos e armados de lança, à esquerda na foto, mas mal dá pra ver, eu sei.

Tomamos sorvete de maracujá e chocolate na Piazza della Cisterna, demos uma voltinha rápida por alguns becos e voltamos pra pegar o carro na garagem do hotel, porque elas tinham que estar na villa às três da tarde, pra dar uma geral na casa e ver se a família precisava de alguma coisa.

Chegamos à villa, botamos roupas pra lavar, arrumamos umas telhas pra fazer peso no varal de chão, que senão o vento levava embora, e ficamos batendo papo sentadas nas espreguiçadeiras da piscina. Dali a pouco o Leo liga dizendo que o Salame tinha ligado pra ele reclamando de alguma coisa do carro, mas ele, obviamente, não tinha entendido o que era. Liguei pro Salame (ele, a mulher e cada uma das babás ganhou um celular novo especialmente pra essa viagem) e ele explicou que tinha uma luz esquisita acesa no painel e ele não sabia o que era, e que volta e meia alguma coisa apitava, mas ele também não sabia o que era, porque as mensagens no painel eram, obviamente, em italiano. Como o carro andava sem problemas, concordamos que eu ficaria na villa esperando por ele (como se eu pudesse sair dali, sem carro…) pra tentar descobrir o que era. Uma hora depois eles chegam: o problema era na Renault. Peguei o carro e fui até a cidade mas não piscou nem apitou nada. Voltei e encontrei Ruivona já pronta dentro da Astra, de saída pra um mercadinho pra comprar umas coisinhas pras crianças. Lá fomos nós de novo pra cidade, ao único alimentari aberto, comprar as tais coisinhas: iogurte, manteiga de amendoim (que, obviamente, não tinha), coca-cola, água mineral, brioches, Nutella, manteiga, papel laminado, pregadores, um papel higiênico mais macio do que o que tinha na villa, essas coisas. Levamos horas porque toda hora o Salame ligava pra Ruivona pra adicionar alguma coisa à lista. Finalmente voltamos à villa, e às 8 da noite Ilaria, simpática co-administradora da villa, fez a cortesia de levá-los pra jantar na cidade, já que o Leo tinha ido resolver a vida dele sei lá onde e eu, além de estar a pé, não sabia onde ficava o restaurante. Eu fui jantar com as meninas num outro hotel-restaurante perto do hotel delas. Fiz elas provarem a ribollita, aquela sopa de verduras e leguminosas com pão dentro, típica da Toscana e absolutamente deliciosa, comeram pão com provolone derretido, eu fui de spaghetti com crustáceos, a Ruivona encarou um filé mignon com berinjela, abobrinha, batata e pimentão na grelha, e a Filipinona foi de frango com aspargos. Voltamos todas à villa, onde o Leo tinha acabado de chegar, e dali eu fui dirigindo a Renault atrás dele com a Alfa, porque no final das contas o Salame queria porque queria mudar de carro e a companhia de aluguel fica em Florença, por isso a substituição teria que rolar na manhã seguinte, bem cedo. Leo queria comer; fomos a uma pizzaria, La Taverna del Granducato (Viale Roma, 6. Tel 0577.907049. Falar com o Francesco, que é casado com uma brasileira e fala Português muito bem), onde tive que suportar a companhia do Leo por mais de uma hora enquanto ele atacava umas carnes na brasa com salada. Chegando em casa, tomei um super banho e fui mimir.

Pequena introdução pra galera se situar + capitolo primo

Leo é uma mala sem alça. Ele aluga carros pra turistas americanos e ingleses, e na maioria das vezes vai buscá-los no aeroporto e os leva pro hotel ou pra villa alugada. Na verdade esse “transfer” é a sua especialidade. Não poderia ser de outro modo, já que ele não fala quase nada de Inglês e é completamente desprovido de classe, e por isso fica limitado a dirigir o carro mesmo. Eu fui chamada pra trabalhar como intérprete, quebra-galhos ocasional e boa companhia.

Ele trabalha, na maioria das vezes, com clientes de uma conceituada agência de aluguel de ville (lembrem-se que o plural em italiano não tem s), com sede em Londres. Esse grupo que acompanhamos na Toscana nesses 12 dias é composto de 13 pessoas, que fizeram contato com a agência de Londres através da agência de turismo deles nos EUA. Não posso dizer nem o nome da família nem o da cidade onde moram, porque é gente MUITO rica e conhecida. Digamos que a família se chama Xis. Essas 13 pessoas são: o Salame, filho do poderoso patriarca Mr. Xis (quando um homem é um bundão, em italiano, se diz que è un salame. Bundão como esse eu nunca vi, por isso o apelido), a Mulher do Salame, os Quatro Filhos dos Salames (digamos Salaminhos 1, 2, 3 e 4, em ordem cronológica), a melhor amiga da Mulher do Salame, que chamaremos de Morena Simpática, sua única filha, que chamaremos de Sardenta Sorridente, dois dos três filhos do seu segundo marido (ela ficou viúva quando estava grávida de 8 meses da Sardenta Sorridente, e anos depois casou com um viúvo com 3 filhos), que chamaremos de Moreninho e de Blonde Teenager, o melhor amigo do Salame, doravante chamado Super Stronzo, e as duas baby-sitters, que chamaremos de Ruivona e Filipinona (o motivo do aumentativo é puramente estético – a Ruivona é ENORME e a Filipinona, de origem obviamente filipina, é bem, bem gordinha). A família Xis tem tanto, mas tanto, mas tanto dinheiro que eu não consigo nem explicar. Mas vou dar exemplos ao longo dos posts e vocês vão entender o nível dessa gente.

A família Xis alugou uma villa em Larniano, uma colina pertencente a San Gimignano, província de Siena. Na Toscana quase tudo que é colina tem um nome, como se cada uma fosse um bairro, todos pertencentes à cidade principal. A villa di Larniano é simplesmente uma torre construída no ano 1000. Isso mesmo que vocês leram, ano 1000.


É bem grande, tem um monte de quartos, um monte de banheiros, máquina de lavar louça e máquina de lavar roupa, piscina imensa, quadra de tênis, cozinha confortável, salões e mais salões, TV com DVD player. As babás ficaram hospedadas num hotel 4 estrelas na entrada da cidade.

Os carros de aluguel eram 3: duas monovolumes (uma Renault Espace modernérrima, com cartão em vez de chave, e uma Ford cujo modelo esqueci) e uma Opel Astra pras babás.

Os Salames não trabalham, seus filhos não vão à escola mas são homeschooled (e as babás, ambas de formação pedagógica, ajudam, juntamente com os infinitos professores particulares). O Super Stronzo é arquiteto e antipático. A Morena Simpática é ex-bailarina e coreógrafa, elegante, linda, super sorridente. O velho Mr. Xis é um dos maiores acionistas de uma das mais importantes publicações dos EUA, e tem tantas, mas tantas empresas que um dia resolveu dar uma de presente ao melhor amigo de cada filho. O Super Stronzo se encarregou de falir a que ele ganhou.

Os Salames têm casa na Suíça, em um outro lugar dos EUA onde passam o verão inteiro, e em outros lugares que eu já esqueci. São muito religiosos e seriamente envolvidos com a sua igreja, que não sei qual é porque esse assunto realmente não me interessa.

Background completo, vamos ao relato propriamente dito…

Sábado, 19 de junho

Acordei super cedo e saí de casa antes das seis e meia. Fui até Todi encontrar o Leo e o microônibus. Logo de cara já me irritei: quando perguntei onde deveria sair da estrada, ele falou “pega a saída de Todi”. Só que Todi tem duas saídas, uma chamada Todi-Orvieto, que é meio lateral à cidade, e outra chamada Todi-San Damiano, que fica bem de frente pra Todi, e foi onde eu saí. Liguei pra ele pra avisar onde eu estava, e seguiu-se o seguinte diálogo:

Leo: Por que você saiu em San Damiano?
Leticia: Porque você é super esperto e sabe dar indicações muito bem, e mesmo sabendo que eu não conheço NADA de Todi nem se preocupou em dizer qual saída pegar. Super legal, adorei. Adoro me perder.

Tudo bem, ele veio me buscar, demos a volta toda de novo. Deixei o carro estacionado em frente a um centro commerciale, subi no microônibus, cujo motorista se chamava Massimo, e fomos pro aeroporto de Roma. Leo foi pegar outros clientes no centro de Todi, que teriam que ir ao aeroporto também – dois coelhos com uma porrada só.

Chegamos cedo demais. Fiquei uma hora batendo papo com o Massimo no ônibus, sem entender quase nada – ele é de uma cidadezinha minúscula perto do Lago Trasimeno e tem um sotaque horrível, além de ser super bronco, o que invariavelmente atrapalha a dicção. A hora da chegada do vôo dos Salames foi se aproximando, e eu fui ao portão de chegada esperar, com aquele cartazinho ridículo na mão, escrito Family Xis. Nunca imaginei que um dia fosse passar por uma situação dessas. Ao meu redor, amontoados num canto do portão de desembarque, mil outros Leos, cada um com seu cartazinho escrito à mão e com grafia errada, enchiam o saco dos passageiros que saíam perguntando que vôo era aquele que tinha acabado de aterrissar. O monitor avisava que o vôo dos Salames estava desembarcando, e nada do Leo chegar. Chegou, todo suado, praticamente junto com eles. Um bando de crianças louras e sorridentes, e TRILHÕESSSSSSSSSS de malas enormes, do tipo que cabem dois cadáveres dentro, confortavelmente instalados. Cumprimentos, apertos de mão, carregamos o ônibus de malas, todo mundo sobiu, Leo montou na sua Alfa preta, e lá fomos nós pra Todi, onde íamos parar pra almoçar.

A viagem a Todi é tranquila; alguns minutos de bate-papo desconfortável e formal intercalados com meias-horas de sono. Em Todi almoçamos no La Mulinella (Località Pontenaia – Todi (PG) – 075.8944779), os Salames numa mesa linda no jardim, embaixo de uma árvore, e eu com o Massimo, no ar condicionado dentro do restaurante. Comi tagliatelle com molho de ganso, super bem feito. Eles fazem um pão com nozes que é de comer chorando. As crianças Salame comeram macarrão com manteiga – sacrilégio, italiano odeia manteiga. A Mulher do Salame conseguiu convencer o garçom a trazer um cappuccino pra ela em plena hora do almoço, coisa incrível, já que normalmente os italianos são extremamente puristas quando se fala de comida, e quase sempre se recusam a cometer heresias alimentares, não interessa quem está pedindo. Mas ela lançou um sorriso de Mulher de Salame Milionário e o garçom trouxe o cappuccino, não sem revirar os olhos, claro.

Acabado o almoço, era hora de tocar pra San Gimignano. Leo me veio com a novidade: eu tinha que levar o carro das babás até a Toscana, coisa que não estava prevista nos nossos acordos iniciais. Esse carro já deveria estar em Larniano, com os outros dois, e em momento nenhum se falou em Leticia dirigindo. Mas, como não tinha outro jeito, lá fui eu dirigindo a Opel Astra – carrão, aliás, motor tinindo, ar condicionado super power.

A viagem foi um saco. As estradas depois da saída pra Siena estão em obras há anos e o tráfego corre em uma única fila em cada direção. Levamos séculos pra chegar a S. Gimignano, mas pelo menos a paisagem é bonita. E vi uma coisa insólita, num lugar insólito: um velho pastor de ovelhas, de cajado e tudo, sentado à sombra de uma árvore, enquanto os carneiros pastavam num pedaço de campo às margens da autostrada Roma-Firenze, uma das mais movimentadas do país. Eu tinha decorado o número do quilômetro, mas não anotei e agora esqueci. Mas a imagem incongruente ficou gravada na minha cabeça, e vai ser uma das últimas a sumir se um dia eu tiver Alzheimer.

Chegando à villa, as crianças foram direto trocar de roupa e pular na piscina. Na cozinha encontrei a Giuseppina, toscana de sovaco cabeludo que prepara refeições a domicílio pra turistas endinheirados, com a ajuda do filho rastafari Simone. O jantar daquele dia estava na grande mesa do terraço: como antipasto, bruschette de berinjela e de tomate e lindos barquinhos de massa recheados com creme de abobrinha e flor de abobrinha. De primo, spaghetti com molho de tomate fresco, e de secondo, asas e coxas de frango assadas. Vinho branco e água mineral. Claro que ninguém comeu nada, porque tinham se entupido de besteira no ônibus. Giuseppina ficou puta da vida, mas disfarçou bem. Nós ficamos resolvendo os últimos pepinos com o Massimo, administrador da villa – providenciando mais toalhas, aprendendo a mexer na máquina de lavar roupa, etc. Fomos até o hotel das babás (Relais Santa Chiara – Via Matteotti, 15 – S. Gimignano (SI) 0577.940701), que nos seguiram no Astra, e depois finalmente nos dirigimos a Racciano, uma outra colina ali perto onde eu e Leo ficamos hospedados numa outra casa do mesmo dono da Villa di Larniano. A casa era minúscula, dois quartos, um banheiro, uma sala/cozinha e um rustico embaixo, com lareira e uma mini-cozinha. A minusculidade da casa foi um IMENSO motivo de irritação: não tenho a MENORRRRRRRRR intimidade com o Leo e dividir aquela casa microscópica, e, pior, dividir banheiro com ele, foi uma das piores experiências da minha vida. Mas enfim.

O bom da casa é a vista: Racciano fica numa posição exatamente oposta à colina onde fica S. Gimignano, por isso da janela da cozinha dava pra ver as torres da cidade:


Leo saiu pra comer pizza. Eu fiquei em casa lendo A Brief History of Time e acabei adormecendo, mas acordei com ele chegando em casa. Ele mora sozinho há anos e, sem ter ninguém que dê uns toques de vez em quando, foi ficando incrivelmente barulhento, fala e resmunga sozinho, fala alto, deixa a torneira aberta enquanto vai beber água na cozinha, um PORREEEEEEEEEE. Também não toma banho todo dia e não vi nem sombra de escova de dentes.