ainda a patrulha gramatical

Um novo leitor, simpático e educado como a maioria de vocês, me escreveu perguntando por que eu levo tanto a sério esse lance do Português correto. Comentou que essas corruptelas do tipo “nada haver” provavelmente um dia serão o modo correto de escrever, como voismecê virou você etc.

Eu respondi que a minha pinimba é seletiva. Se o porteiro do meu prédio escreve “nada haver” eu nem reviro os olhinhos. Mas não admito que um jornalista escreva “fui à Londres”. Que um advogado escreva “desculpe encomodar”. Que um médico escreva “tuberculose à esclarecer”, como cansei de corrigir nos prontuários da minha saudosa oitava enfermaria do Gaffrée. Que um engenheiro escreva “dois kilos”. NÃO PODE. Quem teve a oportunidade de estudar, de comprar livros, de viajar, de se aprimorar, NÃO PODE botar crase antes de verbo. Não pode. E como a gente sabe que no Brasil quem tem acesso à internet é a classe média-alta, a maioria com acesso à universidade, fico chocada quando vejo esses erros online. ADVOGADO NÃO PODE ESCREVER “ENCOMODAR”. Não pode, é proibido. Porque se escreve coisas desse tipo é porque não lê um livro, ou jornal, ou revista, ou quadrinhos, há séculos. Ou, pior, se leu não prestou atenção.

Vou dar um exemplo radical, de uma colega de turma que era de uma imbecilidade ímpar – e felizmente era a única, porque os meus colegas de classe eram todos feras, e tenho certeza de que hoje são ótimos profissionais. Ela se chama Patricia (nome absolutamente não-fictício), e era completamente idiota. Um dia, numa aula de Gineco, a professora fazia comentários sobre o que mudou nas fichas do ambulatório, que as pacientes têm que preencher antes da primeira consulta. Hoje tem escrito “idade da primeira relação sexual”, mas antigamente lia-se um pudico “idade da mulher ao casar”.

Eu estava sentada atrás da Patricia e meus olhos de lince captaram a seguinte anotação:

IDADE DA MULHER ALCAZAR

Agora me respondam se vocês gostariam de ser operados por uma médica desse nível. Eu não. Uma pessoa que escreve uma coisa desse tipo não processou a informação de jeito nenhum. Aliás, nem era pra anotar nada sobre esse assunto, era uma curiosidade que a professora falou pra relaxar o papo, mais nada, e o fato dela não conseguir nem entender o que é importante e o que não é já teria sido suficientemente grave. É como se eu começasse uma aula de Inglês falando, putz, que calor que tá hoje, e o aluno escrevesse “está calor hoje”. Quequeísso! Voltamos sempre àquele velho assunto da atenção, da observação, do pensar antes de falar/escrever, de extrapolar e comparar.

Desnecessário dizer que ela ficou conhecida para todo o sempre como Patricia Alcazar. E também é desnecessário dizer que ela anda solta por aí, responsável pela saúde dos outros. Virou ginecologista. É de dar medo ou não?