Resolvemos ir ver La Défence, uma espécie de núcleo executivo todo moderno, com um arco quadradão e modernoso, exatamente na mesma linha do Arco do Triunfo. Alessandro já tinha estado lá e falou que era bem bonito, tem uma loja gigante da Fnac, tem um telão pro pessoal ver as Olimpíadas, vale a pena ver, então resolvemos ir dar uma olhada. Descemos na estação de Charles de Gaule Étoile, vimos o Arco do Triunfo, e em vez de caminhar na direção dos Champs Elysées, seguimos pela Avenue de la Grande Armée. Levamos séculos pra chegar a La Défence, primeiro porque é longe pacas e segundo por causa da minha mancação. Mas chegamos.
É um lugar lindo, os prédios comerciais altíssimos revestidos de vidro espelhado, mas nada de cafonice. Jardins agradáveis, espelhos dágua (e cachorros nadando neles), restaurantes pra atender o pessoal que trabalha por lá, e lá na praça principal, onde ficam o pavilhão que abriga a Fnac, o shopping center e a estação de metrô e trem, vimos o tal telão e um bando de desocupados assistindo a uma competição qualquer dos Jogos. Como já tava na hora do almoço, fomos catar um lugar pra comer. Entramos no Panamé, se não me engano, de decoração digamos antiquada mas menu interessante. Comi um filé de atum grelhado com batatas fritas picantes, Mirco foi de entrecôte com batatas ao forno. A pizza dos nossos vizinhos de mesa parecia gostosinha, mas era pequena e custava 11 euros, uma afronta! Pagando o mesmo comemos nossas carninhas gostosas, e enquanto degustávamos as batatas desabou um toró lá fora. Uma quantidade de água caindo que eu nunca vi igual. Imagino que as chuvas no Pará sejam assim, estilo opa, a caixa-dágua virou. O pessoal correndo que nem louco, se escondendo onde podia, mas não tinha muita escondeção porque praça é praça, né, as poucas árvores eram jovens ainda e baixas, além do que ficar embaixo de árvore durante tempestade é a maior roubada, vocês sabem. O restaurante é todo de vidro, então a gente almoçou assistindo ao pessoal se encolhendo debaixo da marquise, bundas amassadas contra o vidro bem do seu lado enquanto você come sua sobremesa. Em cinco minutos acabou tudo e todos os desocupados voltaram aos banquinhos de frente ao telão.
Nós fomos dar umas voltas no shopping center, Mirco comprou umas calças jeans e uns suéteres e um par de tênis, e fomos nos juntar aos desocupados. Quando nos sentamos estavam mostrando uma competição de tiro com arco, muito legal. Quando mudaram pra ciclismo indoors, o Mirco começou a sentir sono e foi deitar na mureta da praça, como um mendigo. Eu fiquei lá, sentada no meio daqueles machos todos, atrás de um cabeludo com cara de sujo. Depois do ciclismo veio o judô, com lutas lindas, depois várias disputas de esgrima, e quando um Francês levou uma espadada inesperada o pessoal fez oooooooooooooh e o Mirco acordou. Pegamos o metrô e fomos direto ao supermercado, onde encontramos o Alessandro. Compramos linguiça e creme de leite pra fazer penne alla Norcina, mas não tinha mais penne e acabamos indo de farfalle mesmo. Meio quilo de macarrão De Cecco, que aqui custa uns 80 centavos, lá custa o dobro. Mesmo a massa Barilla, que custa um pouco menos, era cara. Mas era hora de ir pro albergue cozinhar, senão logo ocupavam as únicas duas bocas funcionantes do fogão (no comment) e a gente ficaria chupando o dedo.
Aí começaram as heresias gastronômicas. Na boa, eu acho muito triste alguém não saber cozinhar NADA, mas se você não cozinha NADA, em vez de ir ao supermercado comprar verduras e carne e arroz que você NÃO SABE cozinhar, não é mais fácil comprar um prato pronto que é só esquentar no microondas? Não, jacaré. Ouvimos de tudo nessa noite. O Mirco com a água fervendo e as farfalle nadando lá dentro, chega uma criatura que não sei de onde era, uma mulher com seus 30 anos, e pergunta se ela não podia aproveitar e cozinhar os spaghetti junto, já que o tempo de cozimento era o mesmo. Quando o Mirco perguntou como ela pretendia separar as massas na hora de comer, ela não respondeu. Depois ela perguntou a mim se na água do cozimento o molho já estava misturado. Não é de dar pena? Tudo bem você não ter a mais remota idéia de como se faz um molho, mas bastaria olhar dentro da panela e ver a água incolor pra perceber que não há nada lá dentro além do próprio macarrão que está cozinhando.
Duas mongas francesas, mas de origem claramente magrebina, esquentavam óleo numa frigideira. Muuuito antes do óleo atingir a temperatura certa elas jogaram imensos pedaços de batata crua na frigideira. Perguntei o que elas achavam que estavam fazendo; a resposta, inevitável: batata frita. Aham, respondi. Olha só, fritura tem que ser coisa rápida, o óleo tem que estar bem quente, e os pedaços têm que ser pequenos, senão em vez de fritar eles vão cozinhar no óleo, coisa bem diferente (e bem mais nojenta). Ou vocês cortam as batatas em formato palito ou, se quiserem fazer batata corada, deixam em pedaços maiores, dão uma cozidinha no microondas rapidinho, e depois fritam muito rapidamente. Sacaram? Sim, sim. Mirco precisava da boca do fogão que elas estavam ocupando com a frigideira pra fazer o molho, e perguntou se elas não queriam jantar com a gente e esquecer as batatas, que a essa altura já tinham absorvido mais óleo do que o Zeca Pagodinho absorve cerveja. Elas concordaram e tiraram a frigideira do fogo, e resolveram seguir meus conselhos e jogar fora as já nojentíssimas batatas gordurosas. Diretamente da frigideira quente pro saco plástico, êeeeeeee, derreteu tudo, e elas não entendiam o porquê. Ficaram assistindo ao Mirco cozinhando e ele, percebendo o nível de imbecilidade das duas, perguntou se elas comiam linguiça. Não, somos vegetarianas! Caralhos estampados, você está vendo o Alessandro desmanchar quatro linguiças na panela, custa dizer olha, a gente não come carne? Se o Mirco não tivesse perguntado elas teriam ficado sem jantar. Odeio gente idiota, odeio, odeio. E a coisa ainda piorou: depois de picar as batatas restantes em pedaços microscópicos e cozinhá-los no microondas por tempo demais, e mesmo depois de já terem decidido que jantavam com a gente, e mesmo depois do óleo da frigideira já estar frio, elas jogaram essas batatinhas pequenas e cozidas no óleo. Tipo assim, já fica pronto pra fritar amanhã no jantar.
O alemão (as austríacas já tinham ido embora), John, um mexicano, as gêmeas brasileiras e a mãe delas jantaram com a gente. Foi muito legal, rimos pra caramba, contamos altas histórias. Dormir em albergue é SEMPRE desconfortável, mas esses encontros bizarros só acontecem em albergue, não tem jeito. Onde mais você encontraria um meio-rasta que faz colares de conchas? Onde mais você encontraria uma mula que acha que o molho já vem com a água do macarrão? Onde mais você entraria no seu quarto pra dormir e encontraria um casal de indianos suíços sorridentes, que olham pra você e começam a falar em Francês numa velocidade impressionante? Na verdade ele estava dizendo que tinha queimado a lâmpada do banheiro e se a gente quisesse tomar banho ele emprestava a lanterna. Fica pra amanhã, queridos.