meu pé direito

Isso já tá virando telenovela.

Saí de manhã direto pra casa da Arianna, pra visitar meu cachorro e pegar o número PIN do celular do Ettore, que enxerga mal e vive desligando o celular porque erra o botão, e depois pra ligar de novo precisa do PIN. Aproveitei pra colher uns pepinos, uns tomates e umas abobrinhas na horta e parti pra oficina, onde deveria dar uma ajudada no escritório, já que a secretária está de férias até semana que vem. De repente o scooter começa a cuspir e resmungar. Pensei logo na gasolina, porque desde o tombo a luzinha da gasolina fica acesa direto e por isso perco a noção da quantidade de combustível que me resta, mas era impossível que já tivesse acabado: o Mirco encheu o tanque no sábado antes de viajarmos, e essa semana eu só fui a Torgiano, que fica a 7 minutos daqui, uma vez por dia, e só. A monga aqui esqueceu de um pequeno detalhe: na segunda levei o scooter pra fazer a revisão obrigatória, e enquanto o cara faz o “diagnóstico”, fica acelerando forte uns bons 10 minutos, pelo menos. E nessa lá se foi minha gasolina. Encosto na praça de S. Maria, bem onde fica a lojinha de fruta e verdura da Rita, bem em tempo de não atrapalhar o trânsito, pois o motor morreu imediatamente. Numa última tentativa de pelo menos chegar até o posto de gasolina mais próximo, que ficava a 200 metros, desci e comecei a pisar na manivela (ou seria pedivela? Hoho) lateral, já que desde o tombo o motor não liga mais só com o botão de start. Pisei com o pé direito, lógico, porque o pedal fica no lado esquerdo do scooter e porque eu sou destra. Só que o pedal escapou e quando subiu de volta bateu com toda a força no meu pé direito. O ferido.

Vocês não podem imaginar nem remotamente a dor que eu senti. Não podem. Acho que dor de parto é pinto depois da dor de pedal de scooter arrancando só parcialmente um crosta de ferida. Uma crosta tão alta e tão espessa e que repuxava tanto a pele ao redor que eu venho acordando à noite com dor no pé há tempos. Tava tudo tão feio que hoje quando acordei estava resolvida a escrever pra Bia perguntando o que fazer com a minha crosta. Pra não falar do pesadelo que tive na noite de terça pra quarta, coisa que aliás vem se repetindo estranhamente ultimamente: sonhei com a médica loura que me atendeu na terça quando fui fazer o requerimento de consulta especialista pra alguém dar uma olhada no meu pé. No sonho ela arrancava a crosta da ferida a sangue frio, e eu urrava de dor e saía muito, muito sangue. Acordei angustiada mas não lembrava do sonho, só fui lembrar mais tarde, já na hora do jantar, sabe-se lá por quê.

Então eu fiquei lá, com o pé escorrendo sangue e uma crosta incrivelmente espessa levantada só até a metade, com um scooter sem uma gota de gasolina e um céu preto sobre a minha cabeça. Liguei pro Mirco, com quem eu tinha falado meia hora antes, e que teoricamente estava ali perto, num cliente. Ele já tava na oficina de novo mas tava vindo pra S. Maria outra vez. Fiquei lá parada feito um dois de paus, apoiada no scooter esperando a dor melhorar um pouquinho. Começou a chover. Forte. Fui me arrastando até a banca de jornal vizinha da Rita, pra me esconder debaixo do toldo. Mirco chegou, trazendo material de primeiros-socorros, mas não dava nem pra tocar no pé, em nenhuma parte dele, nem pra limpar em volta, porque a dor era insuportável. A pele tá toda sensibilizada e nem calça comprida eu consigo usar, porque a barra da calça batendo no peito do pé já é suficiente pra fazer doer o pé inteiro. Fomos pegar gasolina num posto, em garrafas de água mineral, e como a chuva logo passou, voltei pra casa. Vim a 30/h porque o vento batendo no pé me fazia ver estrelinhas de dor. Sentei na borda da banheira e com a ajuda de um espelhinho consegui olhar por baixo da crosta levantada, e vi que ela ainda estava grudada ao meu pé por duas traves de pele/tecido conjuntivo, ou seja, não dava nem pra arrancar tudo logo de uma vez. Cortei as partes livres, espalhando migalhas de casca de ferida pelo banheiro inteiro, joguei um desinfetante abundante na ferida, mordendo os dedos pra aguentar a onda de ardor, limpei a sujeirada toda de sangue, pedaços de crosta e gotas de desinfetante, e fui mancando pra cozinha.

Pior: eu tinha me programado pra fazer filé de frango na wok e legumes grelhados, um menu que requer atenção da cozinheira. Cozinhei com o pé direito apoiado sobre o joelho esquerdo, como um flamingo. Pelo menos o almoço não desandou: comemos muito bem, obrigada, e à tarde fui pra oficina ajeitar umas coisas no computador. Mirco cismou de jantar comida chinesa, mas o pior do dia ainda estava por vir: estando de dieta, abri mão dos ravioli cozidos no vapor, do arroz cantonês e do frango com amêndoas e fui de sopa aguada de frango com milho. Só.

Merda de vida.