domenica

As bruxas andam soltas aqui na Itália. Bombas explodem em Milão, perto de um presídio. Manifestantes no-global saqueiam um supermercado e a livraria Feltrinelli em Roma. Em Nápolis, na última semana TODO DIA algum jovem morreu em brigas ou vinganças entre clãs/gangues. Alagamentos no sul da Itália. Em Viterbo, perto de Roma, um romeno foi queimado vivo por uma gangue de albaneses.

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O frio finalmente chegou. Acabou a mamata do calor fora de hora. O outono mais quente dos últimos 150 anos chegou ao fim abruptamente. Semana passada, apesar do tempo nublado, desfilei pelas ruas de blusa decotada e manga 3/4. Sábado teve céu coberto de nuvens brancas, esquisitas, e uma primeira ameaça de frio. Passei a manhã e boa parte da tarde numa tradução bizarra, e jantamos porchetta na casa dos tios do Mirco.

Ontem acordamos num dia de céu limpo e vento forte e absolutamente gelado. Aproveitei o sol pra transferir as plantas mais frágeis da varanda da sala, mais exposta ao vento e menos ao sol, pra do nosso quarto, onde o sol bate do final da manhã até a hora de se pôr. O sol entrando no quarto, com o nosso ridículo edredom vermelho em cima da cama, deixava o quarto transbordando de luz avermelhada. Deitei na cama enrolada num cobertor da KLM, as pernas estendidas no calorzinho gostoso do sol invernal, lendo David Eddings. Felicidade é isso. Lá fora, o manjericão, o cactus, os vasos com os bulbos de tulipas plantados de manhã cedo, os cravos, o peperoncino, o manjericão genovês, a pianta grassa que a Arianna me deu, se divertiam pegando sol, mais ou menos protegidos do vento, debaixo da marquise.

Passamos o dia em casa ajeitando umas coisas pra oficina, botando documentos em ordem, montando tabelas e dando risada. Nem fomos almoçar na Arianna; fizemos pappardelle com molho de lebre mesmo. No final da tarde fomos encontrar o Moreno em Assis, já que ele estava trabalhando. Estacionamos o carro de qualquer jeito numa vaga pra taxi na Piazza Matteotti, a praça mais alta da cidade, e pegamos o microônibus que o Moreno estava dirigindo. Eu nunca tinha pego o pulmino (microônibus) antes; há duas linhas, A e B, que se fundiram numa só, de modo que agora o pulmino faz as rotas alternadas, primeiro a A e depois a B. Eu sempre pegava a linha C, com o ônibus grande que vai de Santa Maria a Assis, quando trabalhava com o Fabrizio o Louco. As linhas A e B passam por zonas de Assis que eu não conheço, mas já tava escuro e pouco deu pra ver.

No ônibus, dois velhinhos e uma velhinha. Um dos velhinhos saltou logo, despedindo-se do Moreno com muita intimidade. A senhora desceu logo depois, encasacada. O outro ficou sentado lá atrás, a gola do pesado casaco de lã levantada, boina cinza na cabeça, bengala na mão. Moreno nos apresenta o senhor: se chama Bruno, é viúvo e sempre pega o ônibus pra dar umas voltas e passar o tempo. Damos voltas e mais voltas, Moreno voando com o ônibus como se estivesse dirigindo o seu Audi A3 superesportivo, passando direto pelos pontos vazios, naquele frio e àquela hora. Acabaram os turistas; o feriado de 1 de Novembro (aqui comemora-se o dia primeiro e não o dia 2 como no Brasil) é o último grande boom turístico de Assis. Depois é calmaria direto até 26 de dezembro, que aqui é feriado, dia de Santo Stefano. Depois calmaria de novo até março do outro ano, quando recomeça a estação turística.

Paramos na Piazza del Comune, bem em frente à loja do Fabrizio, pra comprar castanhas no Massimo. Ele monta a sua barraquinha de castanhas em frente à Pinacoteca Comunale, mas agora que o frio chegou de verdade vai passar a trabalhar só aos domingos, quando ainda há alguns visitantes, a maioria aqui da Itália central mesmo, que vêm fazer one-day-trips por aqui. Massimo é uma figura. Imundo, barba sempre por fazer, sorriso bonito e sempre aberto, dá castanhas de presente a todo mundo que conhece. Quando eu trabalhava na loja ele achava, sabe-se lá por quê, que eu era louca por castanhas e sempre me deixava um saquinho antes de ir embora. Uma vez me deu uma carona até em casa. Seu carro é inacreditávellllllllllllllll, eu não sei nem de que marca é de tão velho, de um azul-turquesa absurdo, e incrivelmente lotado de lixo e coisas inúteis. De copos de vidro a caixinhas de McLanche Feliz, passando por lápis sem ponta, embalagens de bala, velas, cestos. Treme e sacoleja a cada mudança de marcha, mas cumpre sua função de transportar o dono, então tá bom. Na verdade eu não sou louca por castanhas, ao contrário da Syrléa. Quando são boas e estão quentinhas eu até como, mas não acho lá essas coisas. São tão calóricas que eu honestamente prefiro engordar com coisa melhor (leia-se cacau, em qualquer forma). Mas pegamos o saquinho de castanhas de presente do Massimo, subimos no ônibus de novo e partimos outra vez, pra terceira volta. Bruno, quer descer? Não, mais uma voltinha.

Passamos por trás de hotéis, pela zona Viole di Assisi, que é muito bonita e tranquila mas completamente fora de mão. Subimos e descemos ladeiras, passamos pelo cemitério, por trás da Rocca Minore, por baixo da torre de uma inglesa maluca que mora ali sozinha com mil cães e gatos e investe seu dinheiro em vinhos caros que ficam armazenados na garagem do Fabrizio e que ele se encarrega de vender em leilão quando ela precisa de dinheiro líquido. O vento uiva lá fora e Moreno faz a clássica pergunta a Bruno, que lhe dá a clássica resposta:

– Freddo, Bru?
– E’, More’, non è caldo.

Moreno liga o aquecimento, até então desligado porque ele é agitado demais pra precisar dessas coisas. O radio grita uma chatíssima música pop italiana que o Moreno canta junto, com castanhas na boca. Mirco está sentado perto dele, dentro do cercadinho do motorista, encostado na janela do lado direito. Os dois se conhecem desde pequenos e são quase que igualmente agitados. Quando estão juntos riem tanto que às vezes têm que sentar no chão pra gargalhar, como duas crianças. Eu acabo me divertindo também, por tabela.

No ponto de Porta Nuova, onde passa também a linha C e onde eu descia sempre pra ir ao centro trabalhar, três garotas bonitas, obviamente turistas, fazem sinal. Nós três falamos ao mesmo tempo: va alla stazione?, a pergunta clássica de turista clueless que não é capaz de entender que quando NÃO há “Stazione” escrito na frente do ônibus, ele NÃO está indo até a estação. Moreno aperta o botão pra abrir a porta, mas mesmo na leve ladeira a porta não abre e o Mirco estende o braço pra abri-la na mão. Uma das meninas enfia a cabeça pela porta aberta: “Stazione?”. Começamos a rir, Moreno responde, no inglês mais macarrônico do planeta: Fra ten minutes più o meno. Depois se arrepende, deveria ter mentido, a garota era bonita, hahaha.

Vão chegando as oito da noite, fim do turno do Moreno. FeRnanda mandou um SMS cancelando o Fratellão que foi transmitido excepcionalmente ontem em vez de quinta, e resolvemos pegar uma pizza e ver filme aqui em casa. Moreno deixa Bruno perto de casa e vai até o nosso carro. Ele ainda teria uma volta pra fazer, mas encurta sempre essa última, porque sabe que não há passageiros. Nós pegamos o carro e nos dirigimos a Santa Maria pra passar na pizzaria dos Feios; Moreno ia só descer com o ônibus até a sede da empresa, pegar a bici pra voltar pra casa e trocar de roupa, e nos encontrar aqui em casa. Saiu cantando pneu. Com o microônibus. Numa subida.

A pizza estava ótima, o filme (Out of Time, com Denzel Washington) idem, a companhia também. All in all, foi um domingo muito gostoso.