cabeça-de-porco

A escola de línguas onde eu dou aula fica em Ponte San Giovanni, que seria basicamente um subúrbio afastado da parte baixa de Perugia. É uma merda de cidade, feia, nova, sem centro histórico, e principalmente cheia de imigrantes feios, pobres e mal vestidos que não têm grana pra morar em Perugia, que é uma cidade cara, ou em outras cidadezinhas históricas ali em torno (como Bastia, Ospedalicchio, Santo Egidio, que são bonitinhas, tranqüilas e caras – pouco atraentes pro imigrante) e se amontoam em apartamentos pequenos em cidades periféricas como Ponte San Giovanni. O prédio onde fica a escola é um pardieiro. Sabe aquele minhocão sobre o túnel Lagoa-Barra? É mais ou menos aquilo. No térreo há bares, lojas cafonas de roupas pra crianças, lojas de informática, papelarias, barbeiros. O complexo de prédios é imenso, espalhando-se por uma área considerável ao longo da centralíssima via della Scuola, e o número de apartamentos e salas por edifício é imenso. A escola de línguas fica no segundo andar do prédio mais badalado, porque embaixo fica o Roxy bar, ponto de referência básico em Ponte San Giovanni. No mesmo andar há escritórios de engenharia, de sindicatos, de administração de condomínios e de outras coisas estranhas, e muitos apartamentos residenciais. Não havendo espaço dentro pra colocar o varal, no verão a mulherada (marroquina, tunisiana, russa, colombiana, equatoriana, albanesa, romena) bota os varais no corredor externo mesmo, já que o prédio é um quadrado aberto no meio, onde deveria haver um jardim mas só tem mesmo um pedaço de gramado mal tratado e queimado pelo frio, e uns arbustos de plantas vira-latas. A gente sobe as escadas pra, sei lá, entregar um projeto pro engenheiro que aluga a sala onde damos aula e vê aqueles varais cheios de calcinhas coloridas penduradas. Lindo.

Há algumas semanas, quando cheguei pra dar aula de Português pra bichinha simpática (que cada vez fica menos simpática, a meu ver), vi uma motocicleta queimada, ainda fumegante, no corredor que leva a esse pseudojardim interno, por onde eu tenho que passar pra subir as escadas dos fundos. No chão, lajotas explodidas por causa do calor. O teto preto de fuligem até lá atrás, nas escadas. As janelas do bar, ao lado, e de um consultório médico, do outro lado do corredor, todas manchadas de preto. Elena, a secretária do curso, conta que iiiiih, vandalismo ali é coisa do dia-a-dia, volta e meia os Carabinieri tão lá na porta prendendo gente que fez coisa que não devia. Imagino que, à noite, quando os escritórios e lojas sérios fecham, o giro de prostituição e drogas por ali deve ser impressionante.

Não sei por quê, mas de repente me deu vontade de reler O Cortiço.