Düsseldorfstrass

Mirco acordou às cinco e foi direto pra oficina, pra deixar umas coisas organizadas pros meninos pintarem mais tarde. Eu não conseguia mais dormir e fiquei lendo Dickens, depois tomei meu banho, um bom café da manhã, peguei o carro do Mirco e fui pegar o Gianni e a Chiara em Santa Maria. Dali fomos pra Torgiano pegar o Mirco, e pegamos a estrada. O Mauro e o não-Mauro, que moram em Bastardo (juro), já meio que no caminho pra Roma, nos encontraram num Autogrill na estrada mesmo. Passamos um ligeiro excesso de bagagem pro carro deles e fomos direto até o aeroporto de Ciampino.

O vôo saiu na hora, como sempre, porque Tio Ryan não nos decepciona jamais, e todo mundo dormiu direitinho. Chegamos no aeroporto de Eindhoven, que é minúsculo e todo bonitinho limpinho moderninho, e logo de cara vimos um ruivo com uma menininha que segurava um cartaz com o nome do Mirco. É que nós estávamos levando três caixotes de aventais com o nome da escola de cozinha da irmã do Mirco, que o namorado dela deveria ter vindo de Rotterdam pegar. Como estava de cama com a gripe que pegou a Europa de jeito, mandou o amigo ruivo, que nós já tínhamos conhecido no aniversário do tal namorado, em abril do ano passado, na Toscana. Descarregamos os caixotes de aventais, pegamos o carro alugado da Hertz (um Wolks Sharan de 9 lugares) e, até que com poucos problemas, porque quem estava co-pilotando não era o Mirco e quem dirigia era o Gianni, caímos na auto-estrada.

A paisagem é bonitinha mas muito triste no inverno. As casas holandesas são tão arrumadinhas, sempre com uma florzinha, um bicho, uma coisinha fofa na janela, cortininhas brancas, telhadinhos impecáveis, cerquinhas simétricas. Mas as árvores secas e nuas, o céu cinza, o termômetro do carro que marcava 3 graus lá fora, os campos marrons, tudo isso dá uma tristeza!

Paramos num hotel/restaurante na estrada pra almoçar. Eu adoro os holandeses; são quase sempre muito simpáticos e sempre falam Inglês direito. Comemos bem; os meninos atacaram uns hamburgers abertos com salada e eu e Chiara fomos de bruschetta de cogumelos com presunto e salsinha. Voltamos pra estrada e logo depois ultrapassamos a pseudo-fronteira com a Alemanha – e imediatamente neguinho começou a ultrapassar nosso carro a um milhao de quilômetros por hora. Chegamos a Düsseldorf quando já estava escuro. Custamos um pouco pra achar o hotel, entre Platz de cá e Strass de lá, mas finalmente chegamos.

O hotel era… estranho. Não me levem a mal, tudo muito arrumado e limpo, funcionários cordiais (eu disse cordiais, não simpáticos), mas os quartos eram… estranhos. Estávamos no último andar, e todos os quartos eram duplex. No andar de baixo, a TV com duas poltronas, o banheiro e a porta que dava pra uma varanda comum a todos os quartos daquele andar. No segundo andar do quarto, acessível somente através de uma escada íngreme assassina, da qual por pouco não caí e quebrei o pescoço mais de uma vez por ter cometido o crime de querer fazer xixi no meio da noite, a cama e um armário. É melhor não acordar e levantar de repente da cama, por causa do alto risco de dar uma cabeçada no teto baixo e inclinado. Atrás do hotel, a estação de trem, que felizmente não era muito barulhenta. O aquecimento do quarto não funcionava nem com reza forte; o da parte de baixo funcionava, e muito bem, e o calor que subia era suficiente pra dormir direito.

Então; tomamos banho, trocamos de roupa e fomos jantar com o pessoal da malharia onde o Gianni trabalha. Eles mantêm um show-room permanente em Düsseldorf, que é, e eu não sabia, um importante pólo de moda na Europa. Havia uma feira internacional de moda entre 31 de janeiro e 2 de fevereiro, e todo ano, nesse evento, uma equipe da malharia vai a Düsseldorf, cuidar pessoalmente dos clientes. Eu e Mirco também fomos convidados e fomos jantar na cidade velha com o pessoal da empresa. Ao todo, éramos 15. O restaurante, cujo nome não consegui decifrar entre as letras excessivamente góticas do cartão de visitas, era tipicamente alemão, freqüentado por alemães, o que não é necessariamente um elogio. A cerveja é de produção própria e, disseram todos, gostosa e bem leve – eu não sei, tenho pavor de cerveja, fiquei na Pepsi horrivelmente sem gás mesmo. Só um garçom foi simpático com a gente, talvez porque alemães e italianos estejam, moralmente e comportamentalmente falando, em pólos opostos. Falava um Inglês muuuuuuuuuuuuuito xexelento, mas dava pro gasto. Quase todo mundo comeu salsichão branco (…) com repolho (…); eu e Gianni pedimos peito de frango grelhado com arroz de ervilhas e um outro acompanhamento gostoso, de cogumelos e umas coisas que jamais identificamos nadando num molhinho pálido. Mauro não-Mauro foi de joelho de porco com repolho. Coitado do Mauro, que dividiu o quarto com ele.

Demos muita risada; a equipe da malharia (que pega até mal chamar de malharia; eles só trabalham com cashmere e lã Merinos e apliques de vison verdadeiro e coisas do gênero, e as roupas custam uma fortuna já aos lojistas, imagina pra nós, pobres mortais) é simpática, ainda mais quando a cerveja corre solta. Mas lá pra uma certa hora ninguém se agüentava mais em pé, e fomos nanar.