DusseldorfstrEss

Quando acordamos, às sete e meia, a vista da nossa janela era essa, não muito convidativa:

Descemos pra tomar café e os Mauros já estavam na mini-restaurantezinho do hotel. Eu AMO café da manhã de hotel. Como muito, me farto, e não preciso nem almoçar. E se tem uma coisa que a Alemanha tem de bom é o pão. Mil tipos diferentes, com grãos malucos, cereais estranhos, texturas diferentes, cores apetitosas. ADORO! Comi vários tipos diferentes de pãezinhos com gergelim, com semente de abóbora, com semente de girassol, com semente de papoula, com queijo na massa, com queijo por cima. Recheei com queijo, com presunto, com peito de peru defumado. Comi maçã, uva e pera. Comi cereal com leite. Comi mini-Brie e mini-queijinho-redondinho. Comi torrada integral com Philadelphia. Tomei iogurte de frutas e iogurte branco com mel. Tomei suco de laranja e leite achocolatado. Aaaaaah, que maravilha!

Fomos direto pra parte da cidade que hospeda esses grandes show-rooms permanentes de moda. Visitamos a sala da malharia do Gianni, cumprimentamos o pessoal, vimos como funciona a coisa. Vocês sabem que eu sou curiosa, e como nunca conheci ninguém que trabalhasse com moda, tudo isso é um mundo estranho pra mim. A sala deles, que é como se fosse uma loja meio intimista, é assim: em um canto há umas poltronas de couro branco muito estilosas. Ao lado, uma mesa onde as meninas selecionavam combinações de roupas pras modelos vestirem. Bem no meio, uma ilha com máquina de fazer café, uma bandeja de Baci Perugina, bloquinhos timbrados, essas coisas. Num lado, o banheiro e o trocador; no outro, os armários pros casacos dos hóspedes. Na outra parte da loja, outras duas mesas. Em torno à loja inteira, araras com as roupas, da coleção que sai em outubro nas lojas. Então o negócio funciona assim: o cliente (dono de loja) chega, dá uma olhada, hm, gostei desse casaquinho aqui; uma das meninas diz assim como quem não quer nada que o casaquinho fica muito bem com uma calça assim ou assada; o cliente faz hmmmmm pode ser, a tal das meninas chama a modelo, que pega as peças de roupa, vai pro trocador e veste o casaquinho e a tal calça e uns acessórios pra dar um tchan. O cliente olha, vê que a roupa fica legal no corpo, pergunta que outras combinações de cores são possíveis (porque o casaquinho tem, digamos, a borda interna das mangas de uma cor diferente da cor da malha), a menina da equipe pega uma pastinha de papel reciclado onde estão colados pedacinhos de tecidos coloridos e mostra as combinações possíveis. O cliente acha legal, pega um anel de madeira colorida de um negócio comprido porta-anéis em cima de uma das mesas, enfia o anel no gancho do cabide e recoloca a peça na arara. E assim vai. No final, anotam-se as peças que o cliente escolheu, marcadas com o anel da sua cor, o cliente escolhe as quantidades, e pronto, foi feito o negócio. Não é legal? Achei um sistema interessantíssimo. O que não é interessantíssimo é que eu adorei várias peças, mas não dá pra comprar agora, porque, como eu disse, só vão aparecer nas lojas em outubro. Bosta!

Dali fomos dar uma volta pelas ruas desse mesmo bairro. Eu gosto da arquitetura germânica, precisa e lógica; adoro as janelas quadradas e os telhadinhos que parecem de brinquedo. O Mirco já odeia tudo, acha os tijolinhos escuros deprimentes e as janelas quadradas com jeito de hospital psiquiátrico. Claro que o clima não ajudava em nada: neblina, frio, chuvinha chata às vezes. Claro que os bêbados nas ruas às nove da manhã também não ajudavam. Apesar do frio desgraçado, nos distraímos batendo papo e dando risada, e nem percebemos que nossos pés estavam morrendo lentamente, e prestes a cair.

Ao lado dessa casa bonitinha havia um show-room multi-marcas e, pro meu espanto, vi Havaianas no letreiro também! Pena que não tinham vitrine.

Depois de umas voltas nos mandamos pra cidade velha, Altstadt. Que é bem bonitinha e tem uma pracinha linda, mas eu acho que estava esperando algo de muito mais velho. Entramos na igreja de S. Andreas, com um interior tardo-renascimental germânico/barroco muito claro e bonito, e um homem que roncava terrivelmente num dos bancos do fundo. Achamos interessante o mijador logo na entrada da Altstadt. Achamos terríveis os cartazes anti-mijo colados em tudo que é lugar, que provavelmente querem dizer “vai mijar na tua casa, seu nojento”.

Descobrimos com surpresa que chegamos no meio do carnaval Dusseldorfense. Carnaval em Düsseldorf significa, pelo que entendemos, desfiles em trajes militares típicos de não sei qual época. O estranho é que os uniformes e as perucas brancas com rolinhos laterais tinham toda a pinta de uniforme do exército Inglês da época do Último dos Moicanos, sabe? Chegamos na praça principal, que não fotografei porque a luz tava péssima, e vimos um palco com umas meninas vestidas assim de militar, fazendo umas coreografias muito simples, estilo chacretes do programa do Bolinha, sabe, perninha pra cá, um passinho pra lá, e coisa e tal, ao som de algo que deveria ser uma marchinha militar, latida em alemão. Um bêbado berrava coisas estranhas no microfone, mas além de umas risadinhas discretas não vimos nenhuma outra manifestaçao de alegria do público. No meio da praça, uma barraca distribuía cerveja, obviamente. Ficamos esperando pra ver se o pessoal se animava, mas nada. Ficou naquilo mesmo.

Então continuamos a dar voltas pelo centro antigo e fomos parar nas margens do rio – juro que esqueci o nome em Português; em italiano é Reno. No verão a vista deve ser deslumbrante, porque as casas do outro lado do rio são LIIIINDAS e as pontes são muito bonitas, mas a neblina que pegamos dava vontade de chorar. Olha que horror:

Bateu uma fominha básica e fomos almoçar. Queríamos comer no Schumacher, que estava no guia de Düsseldorf que o Gianni baixou da internet, mas foi só a gente chegar perto que vimos um dos grupos carnavalescos (cada grupo, que eu suponho que corresponda a um bairro, tem cores diferentes) entrando e entupindo o lugar, e tivemos que desistir. O centro antigo é cheio de restaurantes de cozinha de tudo que é lugar: tailandesa, libanesa, chinesa, argentina, italiana, espanhola, irlandesa, americana. Aliás, o que eu vi de restaurantes e lojas com nome italiano e letreiros exibindo “made in Italy”, “italianisch”, “Roma”, “Luigi”, etc, não tá no gibi. Acabamos indo comer no Maredo, uma rede de comida pseudo-espanhola/pseudo-mexicana que as meninas da malharia nos tinham recomendado na noite anterior. Eu não almocei, claro, depois daquele café da manhã nababesco. Um garçom simpático, Boris, mandado por uma gerente ASQUEROSA, veio tentar nos ajudar a decidir o que fazer depois do almoço, comunicando-se através de mímica, expressões faciais e canetadas no nosso mapa. Lá fora víamos passar outros grupos carnavalescos, e quando saímos um outro desfile fresquinho estava começando, envolvendo cavalos, meninas de tranças que pulavam pra esquentar as pernas protegidas só por meia-calça fina, e um adorno de chapéu muito estranho: COLHERES DE PAU. Alguém, pelamordedeus, sabe me explicar o que colheres de pau fazem nos chapéus de um uniforme militar antigo alemão? Fiquei me coçando de curiosidade, mas como ninguém fala Inglês em lugar nenhum dessa terra, não tinha ninguém pra quem perguntar. Alguém sabe alguma coisa a respeito disso?

Passeamos ao longo da Königsallee, uma avenidona bonita com um canal no meio e mil lojas chiques de moda francesa e italiana. Como as lojas estavam TODAS fechadas, inclusive nos shoppings, não tinha mais muita coisa pra fazer. Então resolvemos ver a única coisa que nos restava: a torre Rheinturm. Sabíamos que daria pra ver muito pouco lá de cima, porque lá de baixo a situação era essa:

Mesmo assim subimos, feito seis otários, e obviamente não vimos xongas porque das vidraças só se via o branco da névoa. A vista deve ser lindíssima quando o tempo tá legal, e a torre é também um relógio de alta precisão cujo funcionamento ignoro. Descemos os cento e tantos andares no elevador rapidíssimo e voltamos pro hotel.

Os meninos foram fazer sauna e bater papo; eu fiquei lendo Dickens. Mirco voltou, tomou banho, reclamou da falta de civilização que é não ter bidê (todos os italianos que eu conheci até hoje aqui na Itália central medem o nível de civilização de um país predominantemente através do fato de ter ou não ter bidê), vimos uma meia horinha da cobertura CNN das eleições no Iraque, e encontramos o resto do povo na recepção. Onde vamos jantar? Voltamos pra Altstadt, tentamos um restaurante libanês, comi um quibe ótimo e uma esfiha hedionda, desistimos, rodamos, chovia, pelamordedeus vamos entrar em qualquer lugar antes que os pés e os narizes caiam, e acabamos parando no mesmo restaurante da noite anterior. Que felizmente estava bem menos cheio, e conseqüentemente com o ar mais respirável – parece que a precisão dos alemães ainda não chegou ao departamento de saúde pública, porque todo mundo fuma em tudo que é lugar, mais ainda do que na Itália, e quando eu perguntei ao garçom velho e antipático se eles não tinham uma seção não-fumantes recebi como resposta um grunhido e uma risada de desprezo. Conseguimos achar o tal garçom simpático da outra vez, e com a ajuda de um menu em Inglês finalmente conseguimos fazer o pedido. Dessa vez todo mundo atacou o joelho de porco, menos eu e Chiara, que fomos de filé com pirê de batatas mesmo. Estava uma delícia, com um acompanhamento de brócolis num molhinho de ervas que não conseguimos evitar. Tínhamos pedido o prato sem molho nenhum, zero molho, nein sauce, porque na noite anterior os filés vieram soterrados por uma coisa amarela muito estranha que tinha toda a pinta de salsão num molho de maionese, mas não conseguimos descobrir exatamente o que era. Italiano não é chegado em molhos bizarros e normalmente não come coisas que vêm escondidas ou nadando em molhos bizarros, por isso quase todos que pediram filé na outra noite acabaram comendo só os croquetinhos de batata que por um acaso do destino foram salvos do molho bizarro. Mas o molhinho no brócolis eles não resistiram. Pelo menos não era à base de maionese, que eu abomino. Comemos muito bem, batemos altos papos filosóficos, religiosos e históricos, e voltamos pro hotel pra dormir.