Pra compensar o terror de ontem, dedicamos o dia às compras. Difícil escapar da compulsão consumista por aqui, quando o seu salário vem em uma moeda que vale 4 vezes mais que os pesos argentinos. A Tierra del Fuego é uma província com situação especial, e é uma zona tax-free. É CA-LA-RO que no final das contas os preços são mais ou menos os mesmos do resto do país, porque os vendedores aumentam levemente os valores, pra compensar a ausência de taxa, mas dá no mesmo. Então saímos comprando tudo. Horas perdidas naquele tal mall-like thing na San Martin. Compramos tênis Adidas baratos, meias, calças jeans, pullovers, cachecóis charmosos, um casaco pesado de lã pro Mirco, que normalmente só usa jaquetas esportivas, eu comprei uma bolsa de design clássico mas couro diferentão, compramos uma bolsona daquelas de levar tralha pra academia, da Nike, baratérrima, enfim, um pouco de tudo. Entulhados de sacolas, fomos almoçar no Opíparo, outra vez. Enquanto esperávamos a pizza e a massa, transferimos a bagulhada das sacolas pra bolsa da Nike, que virou bagagem de mão do Mirco. Ainda demos mais uma passeada em lojas de cafonices pra turista, onde Gianni comprou umas cuias de chimarrão pra dar de presente pra família.
Voltamos ao hotel, fechamos nossa conta, chamamos um remis, e quando estávamos abanando as mãozinhas dando tchau pra senhora o Gianni lembrou de confirmar que o transporte do hotel pro aeroporto estava incluído na diária, assim como o do aeroporto pro hotel. A senhora faladeira, porteña e paracula, fez um gesto com a mão, assim, como quem não quer nada, e disse, na sua voz de taquara rachada:
– No no, pagan los chicos!
Deixa pra lá, pensamos, sai menos de um euro pra cada um, não vamos nos lamentar. E fomos, todos espremidos entre malas e bolsas, rumo ao aeroporto. Felizmente não rolou stress turbulêntico na decolagem. O vôo foi chato e interminável, mas no fim das contas chegamos, às onze da noite passadas. Dois táxis pro hotel, porque as malas não cabiam em um só, e lá fomos nós pra rua Esmeralda e pra uma enorme decepção hoteleira.
O hotel é quatro estrelas, mas é de uma cafonice ímpar. Não sei se demos o azar de pegar os dois quartos mais horripilantes do hotel inteiro, mas o fato é que o quarto do Gianni e da Chiara era minúsculo e todo velho, mas pelo menos o banheiro era mais ou menos decente. O nosso, maior, dava de frente pra Esmeralda. Não sei se já comentei, mas neguinho dirige em Buenos Aires muito, mas muito pior que em qualquer outro lugar do mundo que eu já conheci, inclusive Nápolis. Os ônibus passam a cem por hora, a qualquer hora do dia ou da noite. O barulho é insuportável. O ar condicionado não desliga e contribui com o barulho. O carpete (ewwww) é VERDE DIARRÉIA. O banheiro é do mesmo verde, a cortina é de plástico, a banheira de hidromassagem, que obviamente não funciona, é tão velha que o fundo é todo manchado, além da cortina de plástico há uma cortina de tecido, de babadinhooooooooos, “protegendo” o box, a porta, em arco, não abre toda nem fecha toda, o teto do banheiro, novamente em madeira e em arco, dá um aspecto de adega que é a última coisa que alguém espera de um banheiro, a luz do espelho não ilumina coisa nenhuma, e vem de dois lustres ridículos, em ferro batido com folhas pontudas assassinas, montados exatamente na altura dos olhos de uma criatura de altura normal. Mirco deu inúmeras cabeçadas nessas flores-lâmpadas, e ainda machucou a mão dando um soco de ódio bem em cima de uma dessas folhas pontudas de ferro.
Pelo menos tem TV a cabo. Juntamos as duas camas (o quarto era no esquema twin beds), dispensei os cobertores brancos de acrílico, encardidos (provavelmente não de sujeira, mas porque acrílico claro escurece mesmo) e feios, e dormi o sono pesado de quem sobreviveu à Pinguinera.