A primavera chegou de vez. Eu sei porque a chegada da primavera aqui no interior da Birmânia traz sempre os mesmos sintomas, como se o mundo mudasse inteiramente: o gramado dos jardins atrás do meu prédio tá coberto de florezinhas brancas e amarelas que parecem ter sido polvilhadas ali, de tantas que são; ouvem-se crianças brincando no jardim e a vizinha gorda e fofoqueira chamando o cachorro, Jimmieeeeeeeeeeeeeeee!; à tardinha e no fim de semana a muvuca social no bar embaixo do prédio ao lado é intensa; as pessoas andam tomando sorvete pelas ruas; a galera maneira da terceira idade já tirou as bicicletas das garagens e vai passer pela cidade, os homens de boina e paletó, SEMPRE, as mulheres de escova feita, meia-calça cor da pele e sapatos com meio-salto; estender a roupa no varal na varanda não é mais um suplício que termina invariavelmente com mãos vermelhas e doloridas e o nariz escorrendo por causa do frio; o sol esquenta mas a brisa é fresca; o radicchio, verdura invernal, começa a sumir dos supermercados e o que não sumiu fica mais caro, dando gradualmente lugar às favas, às ervilhas frescas, mais tarde às abobrinhas e berinjelas, e depois ainda aos tomates; o pessoal começa a reclamar do efeito que a primavera tem sobre a personalidade (aparentemente deixa as pessoas lentas e levemente melancólicas; definitivamente não é o meu caso); posso sair de casa com o cabelo molhado sem que a minha cabeça caia necrosada depois da primeira rajada de vento gelado; os cravos da varanda, que por todo o inverno se mantiveram verdes, firmes e fortes, agora estão dando flor adoidado; água mineral e chá gelado (de limão e pêssego) não vão mais entrar em oferta até o próximo inverno; as garotas-propaganda de telefones celulares na TV ainda não estão de biquini mas deixaram de lado os casacões pra usar jaquetas de meia-estação; morremos de calor no sol mas ainda dormimos com edredom de penas de ganso e ainda temos que ligar o aquecedor elétrico pra esquentar o banheiro antes de tomar banho; ainda não dá pra perambular pela casa sem meia, mas tamos quase lá; o pessoal começa a se organizar pra colher aspargos selvagens nos domingos de sol.
Hoje e amanhã se vota aqui na Itália. Mirco vota numa escola atrás dos correios, e hoje, depois do almoço na Arianna (cappelletti com recheio de ricota e espinafre e molho de aspargos selvagens com creme de leite, depois peru e cabrito no forno a lenha), demos banho nos cachorros, encoleiramos o Leguinho, que está OBESO de tanto chocolate que comeu na semana da Páscoa (o Ettore admitiu que lhe dá essas merdas pra comer: ele pede, o que que eu posso fazer? ARGH!!!), e fomos a pé até essa escola. Sentei com o Leguinho do lado de fora, pegando um solzinho enquanto lia meu Camilleri, e todo mundo que passava achava graça nele todo sério sentado ao meu lado, olhando pra porta da escola esperando o Mirco sair.
O assunto da Bota é, há muitos dias, a situação do Papa. Ontem estávamos jantando peixe na Chiara quando aquele asqueroso do Bruno Vespa deu a notícia na RAI 1. A família da Chiara é muito religiosa e foi uma choradeira só. Eu fico chateada porque fico chateada até quando vejo os percevejos morrendo torrados quando caem no lustre da sala, mas, sendo absolutamente contra TUDO o que o Papa e qualquer outro líder religioso representa, não consigo me emocionar como acho que deveria, ou pelo menos como neguinho espera que eu me emocione.
Enfim, vou tomar banho porque estou com cheiro de cachorro molhado, e depois temos uns pepinos da oficina pra resolver antes de tocar pro cinema, se der vontade.