porrada! porrada!

Quarta-feira eu estava no bem-bom do meu lar, traduzindo minhas coisinhas depois do almoço, quando o Mirco liga da oficina pedindo pra eu ir buscá-lo porque um marroquino ex-funcionário dele tinha entrado no escritório e lhe dado vários socos e pontapés.

A história é a seguinte: ano passado meu sogro, que é buono come il pane mas péssimo pai, administrador e dono de cachorro, emprestou uma bela grana a esse marroquino. Até aí nada de mais, se não fossem os seguintes poréns: ele sempre se recusou terminantemente a emprestar dinheiro à filha, que queria abrir um bed & breakfast; o marroquino em questão já tinha sido mandado embora e readmitido por ele mesmo mais de uma vez; o marroquino em questão vivia arrumando confusão com todo mundo na oficina, até mesmo com os outros marroquinos, que não o suportam; alguns meses depois de ter pego o dinheiro, e tendo pago só duas prestações, o marroquino em questão pediu demissão e picou a mula. E então o Mirco entrou com o advogado na história.

Essa semana, provavelmente, deve ter saído a decisão oficial de que uma parte do salário dele, na nova empresa onde trabalha, vai ser descontada pra saldar a dívida com o Ettore. Como ele sabe muito bem que quem articulou a coisa toda foi o Mirco, porque o Ettore não sabe nem o nome do país onde mora a filha, quanto mais pra que serve um advogado, volta e meia o marroquino em questão aparece lá na oficina pra ameaçar. Inclusive os Carabinieri já tinham sido notificados, porque uma vez o marroquino em questão apareceu por lá ameaçando o Mirco de morte, entre outras coisas desagradáveis. Dessa vez ele entrou na oficina, porque o Ettore, que além de tudo aquilo lá em cima é teimoso feito uma mula, insiste em deixar o portão aberto, invadiu o escritório, onde o Mirco tava de costas pra porta, falando no telefone, e começou a porrada. Levou um soco só, o primeiro que o Mirco deu em toda a sua vida, e deu vários – porque infelizmente o imigrante, em certos aspectos, é mais bem protegido pela lei do que o italiano, e se o Mirco revidasse seriamente iria perder a razão. Conseguiram segurar o cara, que ainda falou alguma coisa em árabe com os outros marroquinos – eles o detestam tanto que contaram pra gente que os ameaçou caso testemunhassem contra ele.

Quando cheguei na oficina, os Carabinieri tavam lá anotando tudo, fomos ao hospital em Assis e ontem de manhã o Mirco foi entregar a denúncia formal e o relatório médico. Não houve nada de particular: contusões, hematomas, dor na nuca e leve tonteira, e dor no esterno, porque foi onde ele levou o soco mais forte, mas nada de ooooooooh. Só que agora fica aquela coisa: eu já cansei de surpreender o Mirco tarde da noite na oficina, concentrado no trabalho, às vezes no escritório, às vezes dentro do forno, pintando. Pular o portão é sopa no mel; eu mesma já pulei mais de uma vez, inclusive cheia de casacos e cachecóis. Um cara desses, que não tem nada a perder, entra armado na oficina, ou então entra desarmado mas pega uma chave de roda qualquer dos carrinhos de ferramenta, e bye bye lanterneiro. Legal, né?