Morar em cidade pequena tem suas vantagens, com certeza.
Eu compro verdura e fruta na Rita, quando posso. Arianna compra nela há anos, e sempre que tenho que fazer alguma coisa em S. Maria, dou um pulo lá pra me reabastecer. Como eu consumo fruta e verdura só por obrigação moral, não vejo a diferença entre uma alface de supermercado e uma alface da horta, mas o Mirco é daqueles que em duas dentadas extermina, feliz da vida, um pepino, uma cenoura, um pedaço de aipo e um funcho inteiro, então evito comprar essas coisas no supermercado.
A barraca da Rita sempre ficou na praça da Banca dell’Umbria, ao lado do jornaleiro e de frente praquele monstro que é a Basílica. Com as obras na praça, que alteraram todo o trânsito e embolaram o meio de campo de um modo assustador, ela foi transferida pra pracinha dos correios, a duzentos metros. Mais cômodo pra quem compra, porque tem mais lugar pra parar. Outra vantagem é que ela agora está num quiosque moderno, com portas que podem ser fechadas, facilitando a vida dos pobres clientes que antes esperavam ao aberto, chovesse ou fizesse sol (ou pior, vento gelado). Ela mora aqui perto de casa mas nossos horários não batem e nunca nos encontramos.
A coisa legal da Rita é que ela não vende coisas que não estejam na estação justa ou que não estejam boas. A não ser os tomates, que hoje crescem praticamente em qualquer condição meteorológica. As coisas são todas fresquíssimas e ela dá várias dicas de culinária. Sempre pergunta o quê que a gente vai fazer com o que está comprando, porque, por exemplo, há berinjelas e berinjelas. Se eu peço uma berinjela, ela pergunta se é pra grelhar, pra fazer conserva ou pra fazer molho pro macarrão. Porque há berinjelas redondas, pretas, grandes, cor de berinjela, macias, duras, com semente, sem semente. O tomate é pra fazer molho, pizza ou salada? O cogumelo é pro macarrão ou pra grelhar? A cenoura é pra comer crua ou cozida? A maçã é pra morder ou pra fazer torta? A batata é pra fazer pirê ou pra fritar? A abobrinha é pra macarrão ou pra rechear? Hoje ela se recusou a me dar cebolas douradas, porque eram mais velhas. Acabei trazendo três das brancas e achatadas, mais incômodas pra segurar e cortar, mas mais frescas. Outro dia ela também se recusou a me vender mais de duas cabeças de alho (pra bruschetta ou pra refogado?), porque senão estraga, vai por mim. Alho, aliás, delicioso, nada indigesto, sem aquela coisinha amarga no meio, sem cheiro fortíssimo nas mãos.
Ela também dá sempre de brinde, pra quem faz compras razoáveis, os odori literalmente, os odores. Por odori se entende salsinha (prezzemolo), obrigatória pra quem compra cogumelo; hortelã (menta), pra quem leva alcachofras; cenoura e aipo (carota e sedano) pra todo mundo, pra fazer refogado. Excepcionalmente, quando há limão verde, ela guarda pra mim, ou então vende uma caixa inteira pra Arianna, porque sabe que uma parte vem aqui pra casa. Quando tem novidade, ela fica toda assanhada: semana passada tinha uns tomatinhos pequenos como os cereja, mas alongados, chamados datterini (ou tamarazinhas, porque realmente parecem tâmaras vermelhas), que ela torrou minha paciência pra eu comprar, no lugar dos tomates-cereja que compro levo. Mirco adorou, comeu quase chorando de emoção. Há alguns dias comprei também uns aspargos selvagens, que fiz com macarrão, mas estávamos cefaléicos ambos e mal curtimos o sabor. Tenho certeza de que em condições normais de temperatura e pressão teríamos adorado.
Agora é época de fava. Ainda não estão no ponto, e as da Rita são poucas e ainda pequenas. Em maio começa a colheita metade da horta da Arianna é fava nesse período, junto com as alcachofras; abobrinhas, tomates, berinjelas, vagem e ervilha, só mais perto do verão. O grande lance da fava, que é consumida em quantidades industriais (e crua, por favor; eu prefiro como forma de molho pro macarrão, ou cozida com um pouco de tomate e pimenta, como antipasto) só na Itália central, é o queijo pecorino. È la morte sua, como se diz aqui adoro essa expressão, que se usa pra dizer o que combina melhor com uma determinada coisa. Hoje a Rita me deu de presente uma cebolinha fresca, porque comprei um tipo de salada, plantado só e exclusivamente aqui na Umbria, e segundo ela essa tal cebolinha, la cipollina quella piccoletta, è la morte sua. Também ganhei um pouco de rúcola esquisita de folhas largas, que só o Mirco come.
Então tá, hoje o jantar vai ser salada. Foi a Rita que decidiu por mim.