primo maggio

Primeiro de maio aqui não é só um dia no qual não se trabalha, é festa mesmo. Normalmente os empregadores pagam um belo almoço pros funcionários. No caso das pequenas empresas, os proprietários, que trabalham junto com seus operários, não são tãaao mais ricos do que eles, e muitas vezes estudaram menos do que eles, normalmente participam do almoço. No ano passado comemos peixe em um restaurante especializado em outras coisas; o almoço saiu caríssimo e não foi nenhuma Brastemp. Esse ano, com as imensas despesas extras de tabelião e advogado pra transferir a oficina pro nome do Mirco, e com os dois primeiros meses do ano muito lentos em termos de trabalho, resolvemos economizar e investir no seguro: a comida da Arianna. Então ontem todo mundo foi almoçar em Santa Maria.

Chegamos às dez e meia pra dar uma mãozinha, a tempo de montar uma mesa imensa na garagem, onde é sempre fresco. Do lado de fora tava um calor desgraçado, e no campo ao lado da casa demos de cara com um cercadinho improvisadíssimo onde os gansos foram colocados pra pastar – juro. Faz bem pra eles (e economiza-se em ração) comer capim, então os bichos ficaram o dia inteiro ali no cercadinho, pastando e se refrescando numa bacia de água, e depois descansando à sombra de um guarda-chuva que a fofa da avó do Mirco teve a idéia de deixar aberto, apoiado no chão.

Depois foi o sólito catar pratos e copos de plástico, guardanapos, encher as garrafas com a água do filtro, passar o vinho dos garrafões de 5 litros pra garrafas menores, preparar os antipasti, descascar batatas. Os bichos já estavam no forno – ganso, frango, carne de carneiro e, tchan tchan tchan tchan, cabeça de carneiro. Com dentinho e tudo. Nada de porco porque há dois marroquinos no rol dos funcionários. Arianna já tinha feito dois pirex de Tiramisù e uma torta de geléia, a massa do macarrão tava pronta e era só passar na maquininha pra cortar em tagliatelle, a salada já tava cortadinha e só faltava temperar. O pessoal comeu feito louco. Só faltou o Hugue, um rapaz do Congo que é o novo aprendiz da oficina. O menino é uma gracinha, incrivelmente educado e calado, mas quando fala a voz que sai é forte como um trovão, com forte sotaque francês – ele ainda fala pouquíssimo de italiano, chegou na Itália só há alguns meses. Tem olhos bons e um sorriso que lhe ilumina o rosto inteiro. E tem o maior orgulho da carapinha: faz vir do Congo um produto pra deixar os minimicrocachos ainda mais definidos. Mirco brinca com ele dizendo que também quer usar, e ele responde, não, não, capelli non uguali, non uguali, naquela voz grossa. Na hora do almoço ele sempre toma banho no chuveiro da oficina, porque sente muito calor. E quando volta pra casa, de carona com o Ettore, vai todo bem vestidinho, de jaqueta de couro e tênis prateados. Outro dia Mirco veio dizer que ele sabia cozinhar, e perguntei o que é que ele sabia fazer. Ele disse que não adiantava explicar, porque eu provavelmente não conhecia nada. Ah, é? Vamos ver… Aposto que no Congo você comia muita banana, manga e mamão, mandioca e abacate e feijão. Ele arregalou os olhos e perguntou como eu é que eu conhecia essas coisas; não sabia que eu era brasileira. Depois começou a rir quando os marroquinos, lá do outro lado da oficina, falaram que quem come feijão fica perigoso por causa dos “fogos de artifício”. O menino tem 18 anos mas é de longe o mais educado de todos na oficina, e o mais esperto também, pelo que o Mirco fala. Vai ser provavelmente o substuto do Dejan, o eslavo que vai embora mês que vem, pra prestar serviço militar obrigatório na Sérvia. Pois então, o Hughe não foi ao almoço porque tinha um batizado não sei onde, mas veio o Yavo, ex-funcionário, nativo da Costa do Marfim, uma figuraça que fala numa língua que só ele entende, mistura de francês, italiano, dialeto perugino e seu dialeto africano. Fala de religião o tempo todo mas é na boa, sem pregar, sem torrar a paciência. Ficamos lá batendo papo e brincando com os cachorros, que roíam os crânios de carneiro por baixo da mesa, até o final da tarde. Acabou sendo um almoço muito mais divertido do que o normal almoço de domingo na casa dos sogros, que ultimamente anda sendo um martírio pra mim.

Voltamos pra casa e vimos Man on Fire no DVD. Gostei muito, de verdade, ainda que eu ache que o Denzel Washington é igual ao Lima Duarte, representa sempre o mesmo papel em tudo que é filme. Ainda consegui sair pra correr enquanto o Mirco dormia no sofá, quando voltei tavam o Mario Belli (o dono da floricultura de S. Maria) com a noiva em casa batendo papo, esqueci de perguntar a ele se conhecia a minha planta misteriosa (já tirei foto, Lu, mas tô com preguiça de botar no ar, amanhã, amanhã), me empanturrei de iogurte em vez de jantar, e ainda tive saco pra terminar um livro muito ruinzinho antes de dormir. Mais tarde explico melhor.