haja…

Nos últimos dias fiz dois estranhos muito felizes com a minha incomensurável gentileza.

Semana passada, final da tarde, eu na labuta tradutória no computador, toca o telefone da sala. Atendo, uma vozinha educada de homem com língua presa (não esse que vira effe, mas presa que vira pguesa, sabe? Não era a “r moscia” italiana, era defeito mesmo) pedindo um minuto do meu tempo pra responder a algumas perguntas da pesquisa de opinião sobre a Coop, meu supermercado preferido. O tom de voz deixava muito claro que o dia tinha sido improdutivo e cheios de patadas telefônicas, e percebi que ele estava quase implorando pra que eu respondesse. Então resolvi ser boazinha (quando não querem me vender nada eu quase sempre sou) e pedi licença pra abaixar a televisão, que sempre fica ligada enquanto estou sozinha em casa. Ficamos uns bons dez minutos no telefone, ele repetindo aquelas perguntas bobas mecanicamente, de um a dez que nota a senhora dá à arrumação dos produtos no supermercado Coop que a senhora freqüenta, de um a dez que nota a senhora dá à preocupação da Coop com a ecologia, de um a dez que nota a senhora dá à disponibilidade dos funcionários Coop, de um a dez que nota a senhora dá às ofertas semanais dos supermercados Coop, e por aí vai. Respondi tudo rapidinho, com seriedade e sinceridade, ainda fiz umas piadinhas com algumas perguntas particularmente idiotas (quanto à sua atual situação econômica, a senhora acha que nos próximos doze meses vai piorar, se manter estável ou melhorar? Que raio de Vox Populi resolve botar uma pergunta dessas?), e como recompensa ouvi um suspiro de alívio do outro lado e um agradecimento longo e sincero – Lei è stata veramente gentilissima, signora, la ringrazio tantissimo!!! Buona serata e buon fine settimana!

E hoje à tarde, quando estava me preparando pra sair pra dar aula no restaurante, o telefone toca outra vez. Era um motorista de courier, que não conseguia saber onde ficava a minha rua, e precisava fazer uma entrega aqui. Eles fazem assim: se não conseguem descobrir como se chega a um determinado lugar, coisa que às vezes não é fácil porque as numerações são malucas e muitas vezes nem existem, eles catam na lista telefônica o número de alguém que more ali na área e possa dar explicações de como chegar. Calhou que o cara precisava fazer uma entrega exatamente no meu prédio. Tava perdido no centro de Bastia, e não sabia como vir parar aqui – compreensível, visto que Cipresso é uma fração de Bastia, mas sempre Bastia é, e, partindo-se do pressuposto que quem está em Bastia conhece a cidade, senão não teria nada o que fazer aqui, estima-se que sabe também onde fica Cipresso. Ou seja, nada de placas. O coitado do homem tava plantado em frente à Coop, e disse que já tinha dado várias voltas sem entender pra onde tinha que ir. Fui dando as direções enquanto ele ia seguindo adiante e descrevendo o que via: tô passando em frente ao cinema… Ah, tá, tô vendo a placa pros correios… Viro à esquerda, a senhora disse? Sim, tô vendo o edifício romano em restauração à minha esquerda… Padaria Mela, tô vendo, viro à direita… Tá, tô atravessando a ponte… Praticamente guiei o homem até a porta do meu prédio, coitado. Fiquei me achando A escoteira com a minha boa ação. Semana que vem é capaz de rolar uma velhinha pedindo ajuda pra atravessar a rua.

Eu sou paciente com quem merece. Com gente chata ou burra, e principalmente com gente chata E burra ao mesmo tempo, não consigo. Fora isso, eu sou a gentileza em pessoa. Às vezes.