A notícia da semana é a crise no país. Depois de meses e meses de Berlusconi e seus cabelos implantados afirmando categoricamente que essa história de crise é complô do centro-esquerda, que tudo vai muito bem, obrigado, embora todo mundo soubesse que tudo ia muito bem só pras nêgas dele porque as abobrinhas estão pelos olhos da cara, o macarrão aumenta a olhos vistos e daqui a pouco o pão vai virar artigo de luxo, especialistas da União Européia vieram aqui na Bota dar uma zoiada e constataram o óbvio: que a Itália está, literalmente, in mezzo alla merda.
Já discuti n vezes com o Ettore esse ano, porque ele acha que a queda no movimento da oficina é culpa do Mirco, que se recusa a atender clientes que não pagam e nos obrigam a botar advogado pra correr atrás do prejuízo. O gerente de um dos nossos bancos já tinha me cantado a pedra, há meses, de que, em mais de 30 anos trabalhando em banco, jamais ele vira tanto cheque voltando, tanta gente no vermelho, tanta queda no movimento em geral. Nossos amigos confirmam isso; todos que conhecemos relatam quedas brutais, brutais, no movimento das empresas onde trabalham. O lado bom é que a crise realmente não é só aqui em casa, o que não deixa de ser ligeiramente reconfortante. O lado ruim é que sabemos que nada vai mudar e o destino é, provavelmente, o porão do fundo do poço a Itália foi comparada no rádio, outro dia, com Portugal e Grécia, os dois patinhos feios da Comunidade Européia. Há coisas alucinantes correndo soltas por aqui pagamos mais de 400 euros de gás pelos três primeiros meses do ano aqui em casa, coisa que jamais acontecera antes, e quando fui à CEG local pra reclamar vi que não era a única, porque perdi a manhã inteira na fila em meio a gente com contas mais altas ainda do que a minha, apesar de morarem sozinhas, ou em apartamentos minúsculos, ou de viajar freqüentemente a trabalho e conseqüentemente quase nunca ligar o aquecimento. Um dos nossos bancos foi comprado por um conglomerado de bancos e o preço do talão de cheques pulou de 0,10 centavos pra 1 euro; a gasolina aumenta em ritmo meteórico; as contas de luz vêm sempre com valores sem pé nem cabeça, e nem adianta reclamar porque a resposta que recebemos é sempre “é assim mesmo, senhora”. Enquanto isso, clientes que sempre pagaram direitinho agora estão dando calote, implorando pra esticar prazos, chorando migalhas. Trabalho até que tem tido, porque caminhão na estrada é igual a caminhão que de algum jeito acaba se danificando e portanto precisa de conserto, e as máquinas industriais que o Mirco pinta são pra exportação, não muito dependentes da situação econômica local, mas é muito chato e desgastante ficar implorando pro cliente te dar o TEU dinheiro, que você ganhou com o suor do rosto.
O Mirco entra na categoria artigiano artesão, uma palavra antiga que poderia ser traduzida como microempresário, nos dias de hoje. Os artigiani são os trabalhadores mais castigados do país. Normalmente têm atividades pouco salubres Mirco freqüentemente volta pra casa com mechas coloridas nos cabelos e bolinhas de tinta nas pontas dos cílios mas pagam impostos altíssimos, se aposentam mais tarde e ganham pensões menores. As leis trabalhistas são malucas, manter um funcionário custa caríssimo ao empregador mas não traz lindas vantagens ao funcionário, e assim a bola de neve vai se criando em uma velocidade assustadora. É claro que em uma situação assim os produtos italianos não podem ser competitivos. E não é só culpa da ameaça chinesa, que apesar de ter sua fatia de culpa não pode ser o único bode expiatório dessa história. A Itália é um país de gente pouco preparada, ignorante, de tecnologia atrasada em muitos setores, onde pesquisa é só uma palavra bonita no dicionário, de pouco contato com o resto do mundo, de superproteção ao presunto de Parma e nenhum interesse pelo que vem de fora, de gente que vive em um lugar incrivelmente rico de história e de arte mas não tem a menor idéia do que isso signifique, porque está preocupado demais em fazer os tortellini pro almoço de domingo. E agora Berlusca e seus capangas levaram um esporro da tal comissão da União Européia, porque estão fazendo tudo errado há anos, e contribuindo pra puxar ainda mais pro fundo a já nada simples situação do Velho Mundo.
O negócio é comprar uma fazenda na Austrália e passar a vida tosando ovelhas, já tô até vendo.
Excrusive Gianni outro dia achou umas passagens em oferta da Singapore Airlines pra Perth, se não me engano; se a notícia for confirmada, fica imediatamente decidida a próxima (e provavelmente última, por falta de grana) Grande Viagem de 2005.
Mais detalhes com a Ig, aqui.