passeio na roça

Eu sou uma criatura da luz.

Não estou dizendo luz no sentido esotérico-babaca da palavra, mas me refiro à luz do sol mesmo. O inverno acaba comigo não só porque o frio é um porre, mas também, e sobretudo, pela curta duração do dia.

Agora que o sol nasce cedo, eu levanto junto com ele, antes das seis. Sempre dormi e acordei com as galinhas, mas no inverno esse levantar é sofrido e gloomy. Com o sol brilhando lá fora e um céu lindo me esperando, ao contrário, acordo no maior pique. Meu dia dura uma eternidade, consigo fazer um monte de coisas, tenho muito mais disposição.

E então deixo o Mirco dormindo, faço café pra ele, tomo um iogurte de morango ou banana e vou correr, ouvindo Elvis e outras coisinhas. Cumprimento todos os velhinhos que encontro, que àquela hora vão limpar suas artérias andando de bicicleta devagariiiiiiiiiinho, sempre de chapéu e paletó. Ainda tá fresquinho e minha corrida rende muito mais, faço quase todo o meu percurso direto, sem parar toda hora como acontece se saio mais tarde, quando já tá quente pra cacete, porque aí o baço dá aquelas cutucadas falando pega leve, minha filha, que nesse calor eu não güento a onda não. Vou correndo meio devagar, porque afinal de contas não sou atleta e sou grande e pesada, ouvindo minha musiquinha, e observando a roça ao meu redor.

Engraçado como a gente nem repara nas plantas que nos rodeiam, até que elas mudem. Meus conhecimentos botânicos são vergonhosamente limitados, mas sei reconhecer um flamboyant, um ipê, uma mangueira, uma bananeira – coisas que não existem aqui. Mas nunca tinha reparado com muitos detalhes na paisagem por essas bandas, e só fui notar, chocada, o abismo entre os tipos de vegetação quando descemos em Foz do Iguaçu no começo do ano. Enquanto os verdes tropicais são exagerados, berrantes, e sempre definitivamente verdes, aqui há verdes acinzentados, verdes azulados, verdes muito escuros, verdes pálidos. Os tipos de pinheiro são tantos que já nem sei mais. As cercas-vivas vêm em milhões de variedades. As plantas nos jardins e nas varandas não têm nada a ver com as que vemos no Brasil. Nada de samambaia, árvore da felicidade, açucena, copos-de-leite, dólar. Aqui o grande must são os gerânios, as cafonérrimas rosas, prímulas, tulipas, oleandros, petúnias.

Mas o mais legal desses passeios é acompanhar o ritmo de crescimento das plantas que já reconheço. O trigo já está começando a amarelar; campos vizinhos às vezes já estão com cores muito diferentes, dependendo de quando foram semeados. O milho cresce literalmente a olhos vistos, e se não fosse essa porcaria de festa barulhenta tenho certeza de que à noite, no silêncio da roça, seria possível ouvir as plantas crescendo. O milho é uma planta feinha, mas as espigas barbudas são muito simpáticas. As videiras, que há dois meses eram carecas e totalmente podadas, agora já estão repolhudas, verdes e lindas, como irmãs de mãos dadas em loooongas fileiras. As oliveiras, que não mudam nunca e só se enchem de azeitonas lá pra novembro, aparecem em muitos jardins, e freqüentemente são plantadas no início de cada fileira de videiras, não sei por qual motivo. Em frente a uma casa aqui perto tem uma oliveira que é claramente centenária e deve valer alguns milhares de euros. Eu adoro oliveiras; junto com as mangueiras e os ficus são as minhas grandes paixões arbóricas. Há muitos, muitos pessegueiros. No meu percurso de corrida vejo também macieiras e muitos arbustos de folhas pequenas que não conheço, encontro caminhões que carregam porcos, vacas e galinhas, cachorros latem pra mim, vejo velhinhos colhendo alface na horta e velhinhas catando erba campagnola na beira da estrada, uma espécie de capim que aqui se come refogado e eu acho horrendo, vejo tratores que levam bandejas imensas de isopor contendo mudinhas de tabaco. Nas hortas e nos jardins das belas casas reconheço as plantas azuladas de alcachofra, os pés de batata que já estão enormes e dão lindas florezinhas brancas, muitas variedades de alface, plantinhas de tomate, ainda jovens, favas e ervilhas, cenouras, e alho. Agora é a época do alho, que se come ainda fresco. Você tira da terra e ele parece uma cebolinha, não tem ainda uma cabeça dividida em dentes mas é um bulbo branquiiiiinho, de sabor muito suave. É só cortar em rodelas fininhas, usando até a parte verde, e refogar rapidamente ou misturar na salada pra dar um tchan. Vejo imensas moitas de alecrim que, ao contrário do meu, dá mini-flores lilás. Lilás também são as flores de sálvia – a minha floresce sempre, o tomilho também.

Só falta o Leguinho, que sempre me acompanhou nas corridas. Sinto falta dele.