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Por motivos puramente ilustrativos, vamos fingir que os três volumes do Gibbon, que eu queria ler há aaaaaaaaanos, desde que li How the Irish Saved Civilization pela primeira vez, se materializaram do nada aqui na minha estante. Vamos fingir que The Bookseller of Kabul veio parar aqui por vontade própria. Assim como The Godfather. Vamos fingir que segunda-feira eu não gastei nenhum euro na minha livraria preferida – fui lá só pra dar uma bizoiada rotineira na seção de livros em língua original.

A seção de livros em língua original é uma espécie de ilhota, uma pequena estante não mais alta que meus olhos, alojada em um tipo de beco sem saída que abriga nas prateleiras de suas três paredes dicionários e livros didáticos para aprender outras línguas. Essa ilhota também tem três lados – o quarto virou uma espécie de balcão, onde ficam expostas as últimas novidades no setor de aprendizado lingüístico. Dois lados da ilhota são ocupados por livros em inglês; o outro é um mix de francês, espanhol e alemão. Há algumas poucas obras em russo, e é triste notar que Paulo Coelho faz parte de todas essas seções.

Eu estava ali olhando os Stephen Kings e os Douglas Adams, alguns Penguin Classics que pretendo comprar no Rio a 5 reau (ainda custa isso? Non credo), uma prateleira inteira muito chata sobre o Da Vinci Code, e outras coisinhas. Minha bolsa estava no chão, minha agendinha Moleskine estava aberta na página onde anoto os nomes dos livros que me atraem mas que não tenho dinheiro pra comprar agora mas um dia quem sabe. Ouço vozes, e noto que não estou sozinha. Freqüento a livraria há muito tempo, mas nunca tinha encontrado ninguém na ilha da língua original. Sei que alguém mais além de mim compra livros em língua original, porque noto que à distância de semanas muitos (tá bom, alguns) desaparecem, mas nunca tinha visto com meus próprios olhos nenhum outro companheiro leitor de língua original. Era um casalzinho jovem, os dois muito bonitinhos, roupas despojadas – nada de lápis de contorno labial sem batom, cabelo entupido de cera, saltos destruidores de vértebras, óculos de sol gigantes. SENTARAM NO CHÃO – sentaram no chão, olha que intimidade com o bookselling environment, sentaram no chão e ficaram discutindo livros em voz baixa. A menina queria levar o Silmarillion (quase enfartei), o menino um Chuck Palahniuk (quase morri). Puxavam outros livros da estante, um Harry Potter, um Hobbit, um Lovecraft, e acabei não me contendo.

– Palahniuk é muito bom, caramba. Mas o Silmarillion é um livro que não acaba nunca.

Os olhos do menino se acendem.
– Você leu Fight Club?

– Tenho em casa, mas queria esperar passar mais tempo desde que vi o filme pela última vez, pra não ler o livro imaginando o Brad Pitt.

– O filme é bem diferentinho do livro, pode ler sem medo.

– Beleza, vou ler mesmo! [estou lendo, mas não tenho tempo de entrar no ritmo]

A menina pergunta se o Silmarillion é mesmo chato.
– Não é que é chato, é difícil, pesado, mesmo traduzido.

– O LoTR eu li, mas o Silmarillion eu nunca terminei nem em italiano, que dirá em inglês – responde o garoto.

– O LoTR eu já li umas treze vezes e não me canso nunca.

– Eu não passei das cinco vezes – ele ri.

Puxo dois livros da minha prateleira.
– Olha, esse aqui é muito gostosinho [é The Curious Incident of the Dog in the Night-Time]. E esse aqui é interessante, não tanto pelo hermafroditismo [aqui a emoção de estar conversando com gente que actually reads enrolou a minha língua e saiu algo tipo hermafodritismo] do personagem principal, mas a história da família grega é bem interessante [estava falando de Middlesex]. É o mesmo autor de Virgin Suicides, que infelizmente nunca vi aqui.

A garota descartou The Silmarillion. Leram as contracapas juntos, o garoto distribuiu os livros na mão como se estivesse jogando pôquer, e eu fui embora sorrindo antes de ver o que ela escolheu.

Eles agradeceram, mas em vez de se despedir com ciao disseram arrivederLa. Caraca, tô ficando velha mesmo.

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Vamos combinar que Bruce Chatwin foi uma das maiores decepções literárias da minha vida. In Patagonia é UM PORRE. Nunca vi livro sobre viagem que descreve praticamente só pessoas, e só conta história idiota. Pode até ser que tudo aquilo tenha um sentido, mas se tem, é só pro autor mesmo. Parei no meio, vejam só de que nível de chatice estamos falando. Me agarrei no Fight Club, que não tenho tempo de ler enquanto não terminar a tradução que tenho que entregar até amanhã.

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Quarta-feira dei a primeira aula de português pro Valerio. Ontem ele deveria ter me dado a primeira de francês, mas houve um contratempo e não rolou. Fiquei irritadinha. Vamos compensar na segunda, ele disse. Hmpf.