salames

De tanto eu falar que meus alunos são ótimos, simpáticos, engraçados, espertos, estudiosos, pronto, me deram de presente uma turma de salames.

São dois, macho e fêmea, cujo nível de relação interpessoal ainda não identificamos e está corroendo todo mundo de curiosidade na escola. Ele trabalha na TV, mas é todo misterioso e nunca diz exatamente o que faz. Ela é comerciante, self-made woman, tem uma espécie de estrabismo à esquerda que possivelmente é conseqüência de um acidente, e usa óculos de grau com lentes esverdeadas. Quarentona enxutona, lourona, mas nada perua, graças aos céus.

Ela é mais espertinha, interessante, gosta de viajar. Ele é um salame daqueles assim, sabe, embalados a vácuo. Do tipo que vive pro trabalho, e conseqüentemente passa o dia inteiro assistindo à TV, mas quando falo de um artista qualquer ele nunca ouviu falar. Não se interessa por mais nada além do trabalho. Fica difícil dar exemplos práticos pra uma pessoa que olha pra uma foto da Julia Roberts e depois olha pra mim, como se fosse uma 3 x 4 de uma maricota qualquer que ninguém conhece. Salame, salame.

Olha, eu sei que inglês é uma língua esquisita, cheia de mumunhas, de phrasal verbs, de pronúncias malucas que não fazem sentido, de regras que botam exceções pelo ladrão, de modos de dizer, de expressões idiomáticas. Sei que o italiano é cabeça-dura pacas quando se trata de língua estrangeira. Mas caraca, se o cara leva 8 horas pra ENTENDER o verbo to be – convenhamos, não tem o que entender, se conjuga assim e pronto, joga o verbo pra lá pra fazer a pergunta e vamos nessa, junta um not, come uma vogal, tasca um apóstrofo e vambora, não tem explicação, é assim porque é e pronto – tem alguma coisa errada. A Salama sopra todas as respostas pra ele, porque ele não é capaz de fazer um exercício que é todo igual – TODO igual, só substituindo they por mike and susan, you and I, the girls, my brothers, etc. Veja bem, um exercício com oito questões, TODAS elas com uma lacuna pra preencher com o MESMO verbo are, e o cara não acertou NENHUMA. Tudo bem que ele também é todo pessimistão, saca o tipo?, aquele que fica balançando a cabeça o tempo todo e fazendo tsc tsc e resmungando nunca vou aprender isso, caraca, como é difícil, que língua maluca, nunca vou conseguir entender, não compreendi o mecanismo. QUAL MECANISMOOOOOOOO, pergunto, arrancando os cabelos. Não tem mecanismo, não chegamos ainda na fase do mecanismo, você só tem que decorar a porra da conjugação de um verbo ridiculamente fácil, e decorar que é pra jogar o verbo antes do sujeito na pergunta, e decorar que is + not = isn’t, e are + not = aren’t! Caralho, exclamou a princesinha!

Além disso é lento. Ele não sabe uma resposta, eu e a Salama dizemos qual é, ele leva uns dez segundos pra começar a escrever. Quando achamos que ele já terminou de escrever e tocamos pra frente, de repente vejo o Salame olhando ainda pro exercício de antes, uma palavra escrita pela metade, a caneta da RAI na mão, parada no ar. Morte aos lentos. Odeio-os todos.

Volto da aula rouca, frustrada e com dor de cabeça. Pra não dizer completamente exausta.