Hoje me estressei com um marroquino nos correios.
Não tinha fila; era aquele horário morto de logo-antes-do-almoço em que, em um país de mangioni como a Itália, ninguém ousa sair de casa pra não perder o rango. Como sou uma menina prática e saio de casa com toda a papelada preenchida e devidamente ordenada, fui direto ao balcão com a minha tralha (uma sacola de compras que não coube no porta-treco do motorino) e meus três conjuntos de coisas a resolver: o papel pra depositar dinheiro na conta, o papel pra depositar dinheiro na poupança, e a conta de água pra pagar. Junto comigo tinham entrado na agência dois marroquinos, que voaram na minha frente pra pedir um carnê em branco pra pagar sei lá o quê. Vejam bem, já começaram mal; eu tenho vários carnês em branco em casa e na oficina, porque se precisar pagar alguma coisa nos correios eu preencho e já chego lá com tudo pronto. But that’s just me.
Continuaram mal, porque em vez de ir a uma das mesinhas que estão ali pra isso mesmo, ou seja, pra neguinho preencher coisas, ficaram no balcão ao lado do meu. Enquanto um preenchia, o outro ficava me olhando. Eu lá com a carteira aberta, documentos à vista, dinheiro espalhado nos três montinhos diferentes (o da conta, o da poupança e o da conta de água), e o diabo do marroquino me olhando. Até que não resisti e pedi muito educadamente se ele não podia fazer o favor de ir um pouco mais pro lado.
Pronto! Caiu o céu sobre as nossas cabeças.
– Qual é o problema?
– O problema é que eu não gosto de ver que tem gente pendurada no meu ombro enquanto eu faço as minhas coisas.
– Eu não estou fazendo nada.
– Não importa, não quero ninguém olhando quanto dinheiro eu tenho na carteira.
– Tá me chamando de ladrão?
– [bufando] Olha só, fofo, esse negócio de preconceito comigo não cola, porque eu sou tão imigrante quanto você. A diferença é que eu não incomodo os outros. [E que tenho os dentes, digamos, melhorzinhos. E falo italiano direito. E sou cheirosa. Entre outras coisas.] Você poderia ser qualquer outra pessoa, o papa, o Bono, o Tolkien em pessoa, e eu iria ficar irritada do mesmo jeito. Não quero ninguém respirando na minha nuca enquanto eu cuido da minha vida.
– Tá me chamando de ladrão! Eu não fiz nada! Eu fico onde eu quiser!
– Fica onde quiser coisa nenhuma. Não tá vendo a placa ali no começo da fila? “Por uma questão de privacidade, por favor aguarde sua vez atrás da linha amarela”. Tá vendo?
– Eu não sou ladrão! Não me interessa quanto dinheiro você tem!
– Ainda bem, até porque eu não tenho nenhum mesmo. Mas não quero ninguém bafejando no meu cangote. [ainda mais com esses dentes cor de ferrugem].
Antes que ou eu ou ele resolvesse cair na porrada, uma funcionária que estava arrumando elásticos num canto resolveu abrir outra caixa, bem longe de mim, e chamar os marroquinos.
Ora, tenha santa paciência. Depois não sabem por que ninguém os suporta.