reclamona

Tanta coisa acontecendo essa semana…

Lá pra sexta-feira deve sair o resultado das bolsas de estudos. Se acreditarem na minha pobreza, que é muito verdadeira, sim senhor, e me derem a bolsa, em outubro volto a estudar. Mas estou tentando não pensar muito no assunto, porque se não rolar eu vou ficar MUITO decepcionada.

Sexta-feira também é o dia da minha consulta no Centro de Cefaléia de Perugia.

Amanhã começamos a testar a talvez nova secretária. Quem passou a bola foi o Fabião, que trabalha com jovens excepcionais (ou simplesmente complicados) e nos mandou a Elena, uma menina de 23 anos, baixinha e magrinha, com uma doença degenerativa que eu não lembro qual é. Semana passada ela esteve na oficina com a Federica, simpática e grávida mulher do primo do Moreno (o Paoletto, o que trabalha na Questura e me deu uma mão com o permesso di soggiorno em maio), que trabalha com o Fabião. A Elena tem alguma dificuldade pra falar, e os movimentos são um pouco lentos e menos precisos do que a média, mas é muito esperta, nos deu a impressão de ser muito cheia de boa vontade, e ainda por cima é engraçada e nos fez dar muita risada. As vantagens fiscais são inúmeras por causa do grau de invalidez dela. Mas o motivo principal é o seguinte: de todos os salames que já passaram ali no escritório até agora, a mais normal, mais simpática e mais séria foi ela. Vamo todo mundo acender velinha pra coisa funcionar, porque todos nós gostamos muito dela e queremos muito que dê certo.

E amanhã também vai estourar uma bomba na escola, porque hoje, antes de vir embora pra casa, deixei na escrivaninha do Chefe Siciliano uma cartinha muito, mas muito irritada mesmo, que ele só vai ler amanhã de manhã. Acontece que todo mês é a mesma lenga-lenga: em vez de deixar meu cheque com a secretária no dia 15, que é o dia de pagamento, ele fica empurrando com a barriga. Quer entregar o cheque pessoalmente, mas esquece que nem todo professor vai todo dia à escola, e que muito freqüentemente ele mesmo não está lá, ou então está ocupado. Já vi VÁRIOS outros professores se irritarem porque vieram lá dos cafundós pegar a grana e ele tinha ido sei lá onde sem deixar nada, nem dinheiro, nem recado com a secretária. Ou seja, acabamos recebendo sempre em torno do dia 20. Uma professora muito timidinha ficou TRÊS MESES sem receber, porque tinha vergonha de ir lá pedir o dinheiro pra ele, e ele obviamente não lembrava que tinha que pagar.

Além disso tudo, quando vou trocar o cheque a garota do banco, que a essa altura do campeonato já me conhece, tem que ligar pra agência da escola pra pedir pra liberar os fundos. Papelão. Mas o fiasco maior foi no mês passado. A escola fechou pra férias dia 5 e só reabriu dia 29. Eu ainda consegui falar com ele antes disso, e recebi um cheque pré-datado (aqui se diz pós-datado) pro dia 16 (dia 15 foi feriado). Ora bolas, eu viajei dia 12 (e ele sabia); poderia ter feito a gentileza de antecipar, só esse mês, o salário pro dia 12, né? Até porque, pelo meu tipo de contrato, não tenho direito a férias. Não, jacaré, fez pro dia 16. Resultado: dei pro Ettore trocar e depositar, só que o cheque era non trasferibile, o que significa que ninguém pode trocar em meu nome. Então ele depositou diretamente o cheque na minha conta. Só que tem um pequeno detalhe bancário neanderthalense botense: um cheque de banco diferente do meu leva SETE DIAS ÚTEIS pra cair na conta. Resultado: viajei sem um tostão sequer. Ainda bem que em Paris as lojas estavam todas fechadas, senão teria cortado os pulsos. Mas não é só isso!!! O cheque não tinha fundos!!! Bateu, voltou, bateu, voltou, e finalmente foi dado como estornado (existe isso em português?). Ou seja, fiquei no negativo. Como meu chefe é muito avançadinho, como todo italiano (cof cof), não tem online banking, e não tinha como saber que não tinha dinheiro na conta e que o cheque tinha batido e voltado. No lugar dele, um chefe decente teria feito um DOC e cancelado o cheque, ou, se não fosse possível o cancelamento, depois eu devolveria o valor do cheque, quando finalmente caísse muito depois do DOC. Não, jacaré, simples e correto demais. EU é que perdi manhãs inteiras no telefone com ele, com a secretária, com a gerente dos correios (minha conta é no banco dos correios), pra tentar descobrir se o dinheiro ia cair na conta ou não – EU, porque da escola ninguém me ligou pra dizer nada, ninguém correu atrás, e acabou que quem resolveu o problema fui eu. Resultado: o dinheiro só foi entrar dia TRÊS. Ora, faça-me o favor! Como se diz aqui, signori si nasce. Quê que adianta usar terno, colete e gravata se você não paga os seus funcionários em dia? Vá tomar banho!

Sei é que essa história me irritou tanto – não tanto pela falta da grana, que nem era tanta, mas por princípio mesmo – que fiquei até com dor de estômago. Coisa rara, porque eu normalmente não somatizo nada. Que ódio! Passei uma semana batendo porta e rosnando. E ele ainda se despede no telefone dizendo ciao, bella. Mas vá catar coquinho!

Então foi isso. Deixei uma carta desaforada na escrivaninha dele e quero só ver qual vai ser a reação. Não gostaria de sair de lá, porque gosto do meu trabalho, faço bem, gosto dos meus companheiros da escola e estou cheia de turmas, além do que é muito cômodo pra mim trabalhar em Ponte San Giovanni e Perugia – ainda mais se eu começar a estudar de novo, praqueles lados. Mas também não seria o fim do mundo se eu saísse: tem a escola de Foligno e uma nova de Santa Maria com quem já falei e estou esperando só a confirmação de uma turma de português, e já mandei meu currículo pra uma de Assis também. Fora que eu sou esperta e versátil e morrer de fome eu sei que não morro. Estou de saco cheio de ser passada pra trás por causa dessa gente que não paga. Na oficina é a mesma coisa: todo mundo tem sempre uma desculpa pra atrasar o pagamento. Não tem tempo de vir trazer o cheque pessoalmente? Manda pelo correio, pombas! Faz um doc, nem precisa de internet, manda um fax pro banco, fala com o gerente, sei lá! Eu acho tão nojento deixar fornecedor e funcionário sem pagamento que não consigo conceber como alguém pode sequer ter essa idéia. Mas o mundo é cheio de gente estranha. E eu já estou por aqui com esse culto à desonestidade dos italianos.