Rotterdam

O dia amanheceu lindo, mas frio pra cacete. Mirco dormiu até tarde; eu acordei cedo e aproveitei pra estudar um pouco de Studi Culturali (aquele do livro maneiro de Rifkin, Il Sogno Europeo). Resolvemos ir ao centro pra um brunch, e pro Mirco cortar o cabelo. Ele agora pegou essa mania de colecionar cortes de cabelo internacionais: já cortou as madeixas na Sérvia, no Rio, em Rouen, e agora queria em Rotterdam. Ontem tínhamos passado no centro rapidinho pra pegar um terno do Rob numa loja e dar uma olhada nos shoppings, e aproveitamos pra passar no barbeiro tradicional do Hotel New York pra marcar horário pra hoje. Então lá fomos nós.

Estávamos marcados pras onze, mas o Rob acordou tarde e chegamos às onze e oito. Foi só entrarmos que uma das duas funcionárias olhou pra nós, olhou pro relógio na parede e antipaticamente nos informou que elas estavam com o horário muito apertado, que ela não podia se ocupar do Mirco porque outro cliente estava pra chegar, mas a sua colega o faria. Cara, a garota demorou 50 minutos pra cortar a bosta do cabelo! Fio por fio, e no final das contas nem parece que cortou! Enquanto isso, a idiota da antipática (primeira holandesa antipática que eu conheço) ficou só perambulando pra lá e pra cá, mudando coisas de lugar, fazendo barulho, telefonando. E o tal outro cliente nada, lógico. Eu e Stefania ficamos observando o lugar, que é muito interessante, à moda antiga, com aquelas cadeiras de barbeiro maravilhosas (depois boto fotos, o Mirco não descarregou a máquina fotográfica ainda) e fotos antigas nas paredes. Rob tinha nos explicado que além do prédio da Prefeitura e de uma grande igreja no centro, nenhum outro prédio sobreviveu aos bombardeios da II Guerra. O Hotel tem esse nome porque ali ficavam os escritórios da empresa de navegação que levava os imigrantes pros EUA, e é um ponto histórico importante da cidade porque era a última coisa que os imigrantes viam quando iam embora, e a primeira coisa que alguém via quando entrava no porto de Rotterdam.

A garota levou tanto tempo cortando o cabelo do Mirco que quando acabou já era meio-dia. Pagamos o absurdo de 29 euros (corte de cabelo agora só em país subdesenvolvido, tá, lanterneirinho querido?) e fomos ver se ainda rolava o brunch no restaurante do hotel. Lógico que não, né. Então acabamos almoçando, até porque a fome era intergaláctica – ninguém tinha tomado café na esperança de se entupir de pão fresquinho e chocolate quente. Eu fui de salmão com molho de cogumelos, Mirco de filé com fritas. A comida estava ótima e o ambiente é bem interessante. A vista também é bonita.

Dali fomos à feira, no mercado. Compramos muito peixe baratíssimo e fresquérrimo pro jantar, pães sementudos e escuros como eu gosto e não acho na Itália, queijos bola bons pra fazer misto-quente, abobrinhas pra fazer com o camarão. Gastamos uma titica: com 14 euros compramos meio quilo de vongole, meio de mexilhões, meio de camarões pequenos, meio de camarões graúdos, dois filés de atum liiiiiiiindos, e quatro “molhos” de canolicchi, não sei como se chamam em português e muito menos se existem por aí; são um tipo de mexilhão comprido, que normalmente se faz gratinado no forno, com farinha de rosca, alho e salsinha. Adoro, e na Itália custam uma fortuna porque não são fáceis de “caçar”: como ficam enterrados na areia, a rede não os pesca, e alguém tem que ir lá mergulhar e desenterrar um por um. Largamos as compras no carro do Rob e voltamos pro centro pra mais compras. As lojas de coisas pra casa são lindas, cheias de coisas bubus (comprei várias pra Newlands e mamãe). Acabamos comprando na Dille & Kamille (Korte Hoogstraat 22) toalhas de mesa lindas que estavam na oferta e que ninguém na Itália vai ter igual, ho ho ho, entre outras coisas fofas. Eu adoro o jeito que os holandeses têm pra decorar as casas. Sobretudo acho FENOMENAIS as janelonas imensas que deixam ver tudo, mas ninguém vê porque ninguém olha porque tem mais o que fazer. Acabo vendo sempre alguma coisa interessante no beiral das janelonas: um belo vaso de formato diferente, uma orquídea deslumbrante, castiçais maneiros, composições harmoniosas e invariavelmente simples de flores bobinhas. Adoro, adoro, fico louca admirando as janelas.

Depois de muito comprar, deixamos a Stefania em casa pra preparar um jantar pra cinco hóspedes, e fomos dar uma volta em Delft. Achei uma gracinha, mas tava um frio do caceteeeeeeeeee e o Mirco começou a se sentir mal. Voltamos pro estacionamento, pegamos o carro e fomos a Dan Haag (Haia), mas nem descemos do carro porque o vento tava foda. A cidade é praticamente um grande escritório e não tem muita coisa pra ver, mas há algumas casas divinas e sei que tem um museu muito interessante. A praia também pareceu bonita, e Rob disse que no verão fica absolutamente lotada. Voltamos correndo pra casa, morrendo de fome, e enquanto o Mirco tomava uma aspirina e deitava cinco minutos na cama eu fui limpar os camarões pequenos, os mexilhões e as vongole. Saltamos os camarões com abobrinha na panela com alho e azeite, só até o camarão mudar de cor e cozinhar o tempo justo; depois jogamos os fusilli cozidos al dente e pronto. Enquanto devorávamos o macarrão, a Stefania abriu os mexilhões e as vongole no alho e azeite com um copo de vinho branco. Comemos tanto que nem consegui terminar o filé de atum no forno sem nada, só um fio de azeite e pimenta-do-reino. Os camarões graúdos e os canolicchi que sobraram resolvemos levar pra Itália. E que os deuses da Aduana nos protejam.