Roma é tudo na vida, parte dez elevado a vinte e seis

Não dormi muito bem. Acordei às quatro da manhã e comecei A Short History of Nearly Everything, do Bill Bryson, aquele que a Cora comentou há algum tempo e que já estava na minha estante há séculos me esperando. Estou AMANDO e quase fiquei triste quando chegou a hora de levantar e ter que parar de ler pra me arrumar, tomar um bom café da manhã e sair correndo pra pegar o trem das seis e vinte pra Roma.

Porque hoje foi dia de Roma, queridos, aquela que é tudo na vida.

Li um pedação do livro no trem, mas trem bom é trem que te adormece, e não ofereci resistência: chapei mesmo e só acordei em Orte, com o Mirco telefonando perguntando se tava tudo OK. Sim, sim; abandonei o pobre Bill e fiquei admirando a vista da janela. A viagem de trem pra Roma é uma das minhas preferidas. Vê-se de tudo: cavalos no “quintal” de galpões, carneirinhos pastando, cachorros pastores, casas lindas e imensas, casas horrorosas amontoadas praticamente de cara pra linha do trem, roupas nos varais, bosques, outros trens, carrões de luxo estacionados em frente a casas que caem aos pedaços, pinheiros alinhadinhos no topo de colinas. Gradualmente fomos abandonando a neblina invernal da Umbria, e quando cheguei a Roma o céu estava aberto.

Eu tinha combinado com a Julie que se chegasse em Roma e o tempo estivesse uma titica eu esperaria por ela lá mesmo, lendo meu livrinho, mas com o céu azulzinho não tive outra alternativa: saí perambulando pelas ruas, e marquei de encontrar a Julie na Piazza Barberini. Eu nunca faço o mesmo percurso quando vou a pé da estação ao centro (eu SEMPRE vou a pé da estação ao centro), e hoje não foi diferente: poderia ter chegado à Barberini rapidinho, mas, depois de uma perambulada na estação pra ver as vitrines, embiquei na Via Cavour e dei uma volta desgraçada, virando aqui e ali, seguindo o meu péssimo instinto de orientação e fuçando ruelas e escadarias. Virei na Via degli Annibali e dei de cara com o Coliseu. Peguei a Via dei Fori Imperiali, passei em frente ao Foro Romano assim como quem não quer nada (cês tão entendendo direito o que eu tô falando? PASSEI EM FRENTE AO FORO ROMANO, DEI DE CARA COM O COLISEU, ETC ETC. Roma é realmente tudo na vida.), caí naquele furdúncio da Piazza Venezia, peguei a inevitável Via del Corso, entrei na nova Galleria Esqueci o Nome bem na hora em que tavam abrindo a Zara e a galera que tava esperando na porta entrou estourando boiada, saí da Galleria e depois do Palazzo Chigi virei na Via del Tritone, que subi até chegar à Barberini. Não sei como a Julie me viu e reconheceu lá da casa do chapéu, deu tchauzinho e lá fui eu encontrar mãe e filha. Eu trouxe pra Camila um exemplar do Gênio do Crime que comprei no Rio em novembro passado e tava só esperando uma oportunidade de dar o presente. Espero que ela goste. As duas são muito simpáticas e é muito engraçado ouvir a Camila falando português com sotaque baiano e italiano com sotaque napolitano :) Dali descemos toda a Tritone de novo, passamos por trás da Piazza Colonna e de Montecitorio, ali pela zona do Pantheon, e fomos pegar sol sentadinhas na Piazza Navona. Batemos papo até a Ane ligar: estava estacionando o carro lá na casa do chapéu, e dali a meia hora deveríamos nos encontrar com ela em frente à Zara da tal Galleria. Voltamos tudo de novo até a Via del Corso e entramos na galeria, que é linda, pra esperar Ane e companhia.

Quando finalmente chegou, quase tive dois trecos: primeiro porque eu gosto MUITO da Ane e do Alfredo e tenho uma imensa admiração por ambos; segundo porque a Isabella é a coisa mais fofa simpática e sorridente desse planeta. Você olha pra cara dela e ela ri. Você faz careta e ela ri. Você mexe qualquer parte do seu corpo sem um propósito específico e ela ri. E ri franzindo o nariiiiiiiiiiiiiiiiiiz! Sabe criança que você quer morder de tão gostosa? Ecco.
Dali caminhamos mais um pedaço de volta à zona Pantheon, pra catar o restaurante que o Alfredo tinha reservado pro almoço, seguindo uma dica de um amigo. Chama-se, se não me engano, La Tavernetta, fica na Via degli Spagnoli (uma ruazinha insignificantemente linda perto da Piazza delle Coppelle) e é administrada por brasileiras. Pagamos dez euros por cabeça e comemos um primo e um secondo (o menu é bem limitado, lógico, mas tudo dá vontade de comer), bebemos água e vinho. Nada de extraordinário, mas honesto. Dali voltamos ao Pantheon pra encontrar outras duas primas da Julie, voltamos ao restaurante pra elas almoçarem, voltamos ao Pantheon pra catar a Gelateria della Palma (na Via della Maddalena), que faz uns sorvetes divinos e onde eu SEMPRE vou pra tomar sorvete de maracujá, de novo ao Pantheon pra reencontrar a família da Julie, e de lá a pé pro Coliseu, que elas ainda não tinham visto. Quando eu cheguei, bem cedo, não tinha nada de especial nas ruas, mas àquela hora da tarde já havia vários tapumes montados pra Maratona di Roma do dia seguinte. Fui batendo papo com o Alfredo e desviando dos tapumes e dos turistas. No Coliseu nos despedimos, e voltei a pé pra estação, sempre pela Via Cavour porque meu trem saía dali a meia hora e eu não podia me dar ao luxo de me perder, embora a vontade fosse grande. Àquela altura do campeonato meus pés também já tavam digamos pedindo arrego, e, agradecida a mim mesma por ter saído de casa com a mochila praticamente vazia, foi com grande prazer que sentei na minha poltrona do Eurostar (não tinha trem de pobre naquele horário) e continuei com o Bryson. Eurostar não é Eurostar se não atrasa; cheguei em Foligno com três minutos de atraso, e o trem da conexão pra Perugia estava só nos esperando. Em vinte minutos estava em Bastia. Mais cinco minutos de carro e cheguei em casa.

Felizmente Marco e Michela tinham desistido de jantar fora, porque eu não teria agüentado não. Eu AMO passear a pé em Roma e o dia foi maravilhoso, mas muito cansativo. E vou fazer uma pequena confissão aqui: eu prefiro perambular em Roma sozinha. Não sei por qual motivo, mas não gosto de dividi-la com ninguém. Tudo bem que eu caminho rápido demais e detesto esperar gente lenta, mas não é só isso. Gosto de passar horas quietinha, sem trocar uma palavra com ninguém, só observando e cheirando e ouvindo e pensando. Amo.