Tínhamos um almoço combinado em Gubbio já há quase um mês. Com o pessoal do curso de narração, que se mantém sempre em contato através da mailing list. Então eu acordei cedo, fui caminhar de camiseta de manga curta! ouvindo música, tomei meu banhinho, fiz vitamina de banana e laranja pro café da manhã e tocamos pra casa da Arianna. Tivemos que pegar o carro do Ettore, porque o do Mirco tá esperando o pneu novo e a Uno que eu dirijo não chega viva a Gubbio nem rezando. Direto pra estação de Perugia, onde a Laura (a.k.a. Ola porque, vocês sabem, apelido aqui é quase sempre a repetição do nome até a sílaba tonica, então o pessoal chama a Laura assim: O La’, vieni qua!) já estava esperando. Trinta segundos depois apareceu a outra Laura, a Bortoloni, com o namorado. Os dois têm um estúdio gráfico e ela é a maior fã da Newlands. Muda como um peixe, mas é um amor de menina. Ola’ montou no carro com eles e lá fomos nós pra Gubbio.
A estrada é horrível, cheia de curvas e subidas, e fica impraticável quando neva pesado, mas a paisagem é um deslumbre. Aquelas casonas antigas de pedra sentadas sobre as colinas, campos cultivados, bosques de oliveiras, carneirinhos pastando. A Umbria é um desbunde mesmo. E a chegada a Gubbio é sempre triunfal, porque ela fica amontoadinha aos pés do monte cujo nome esqueci, e as torres e construções superantigas são visíveis já de longe; a cidade parece desenhada. Com o céu azul de hoje, então, nem vos digo.
Estacionamos na praça principal e o Matteo veio ao nosso encontro. O resto do pessoal tava esperando à sombra de uma banca de jornais. Matteo é de Veneza, estuda Letras; a namorada, pequeniniiiiiiinha, se chama Virginia e estuda Relações Internacionais em Trento, mas a família é de Terni, aqui na Umbria. Livia é de Riccione, se não me engano, e não me lembro que coisa faz; o namorado tem cara de salame, desses com jaqueta acinturada e colarinho alto, mas não parece ser má pessoa. Arturo é ginecologista, de origem napolitana mas mora em Gubbio há anos e ajudou a parir metade da cidade, então andar com ele pelas ruas é como andar em Ipanema com o Hiro: paradas a cada trinta segundos pra cumprimentar alguém. Sabe O cara legal? É o Arturo. Demos uma volta no centro pra esperar o Maurizio, e fomos batendo papo, falando de livros e filmes (o que mais?) e discutindo menus. O Maurizio trabalha na Coop, o supermercado, e dirige um minicentro cultural de cinema na cidade. Depois de um aperitivo rápido num barzinho quase na praça, fomos pro “restaurante” que o Arturo tinha reservado.
De restaurante não tinha era nada, como muitos bons lugares pra se comer por aqui. Cardápio limitadíssimo, mesas na cantina subterrânea com teto em arcos, salames pendurados no teto no andar térreo. Um lugar típico, em suma. Todos acabamos pedindo a mesma coisa: Piattone del Re (Pratão do Rei), um pratão realmente enorme com as seguintes coisas, a serem comidas nessa ordem, conforme explicou o proprietário quando nos serviu: crostini (pão tostado) de dois tipos, com molho à bolonhesa e com lardo (a parte gorda do porco fatiada. Banha, digamos.), depois feijão manteiga ligeiramente apimentado, comido com um pedaço de torta al testo, que em Gubbio se chama crescia (pronuncia-se crêsha), depois ovos mexidos com lingüiça despedaçada em cima de uma meia fatia de torta, depois lombinho fatiado em uma caminha de rúcola e vinagre balsâmico, depois batata assada e berinjela à milanesa, depois fatias de torta com prosciutto crudo, depois fatias de queijo com trufa negra. Parece um mundo de comida, e é, quando vista toda junta num pratão gigante, mas na verdade cada porção é pequena (MEIA batata assada, UMA fatia de berinjela, UMA fatia de queijo por cabeça) e a gente comeu muito bem, sem se entupir. Mirco até continuou com fome depois (classic…) e ainda comeu uma fatia de torta com lingüiça e verdura. O vinho não era local, e de uma variedade que eu nunca tinha experimentado, mas uma delícia. Estávamos numa ponta da mesa com Maurizio e a mulher, que é enfermeira e chegou depois, direto do turno da noite. Altos papos.
Dali fomos direto a Fossati di Vico, a estação de trem mais próxima a Gubbio, pra deixar a Livia e o namorado. Bortoloti e o namorado também tiveram que ir embora mais cedo. Maurizio e Sonia foram pegar as filhas na sogra e levá-las pra passear no parque. Nós restantes resolvemos ir a Perugia pra Virginia, namorada do Matteo, visitar a avó, e depois fomos ao cinema. Como todo mundo já tinha visto tudo o que tava passando, fomos ver Notte Prima degli Esami, que é MUITO engraçado e nada idiota. Demos muita risada, até eu, que vivi os anos 80 brasileiros e não italianos. Muita coisa em comum, lógico, e muita risada com a moda cafona da época. O elenco é terríiiiiiiiiiiiivel e a atuação da maioria dos jovens e desconhecidos atores é péssima, mas o texto é muito engraçado. Saímos do cinema desopilados e com fome, e fomos ao centro de Perugia comer pizza na Mediterranea, a melhor pizza da cidade. De novo, altos papos. Infelizmente tivemos que nos despedir do Matteo, da Virginia e do Arturo, e fomos levar a Ola’ em casa, em Tordandrea, onde mora o tio do Mirco.
Eu tenho muita sorte com esses colegas de turma dos poucos cursos que faço. Esse pessoal é muito legal, muito simpático, aberto, CULTO, divertido. Tipo assim o pessoal do curso de italiano, que são das melhores pessoas que já entraram na minha vida. Lulu, Syrléa, Valéria, Fabiano, Serginho, Leo… Todas pessoas maravilhosas de quem tenho muito orgulho de ser amiga e de quem sinto uma falta imensa. Esse pessoal do curso de narração foi um achado pra mim. São meus primeiros amigos só meus por aqui (a FeRnanda não conta porque já virou irmãzinha), a nossa amizade começou por termos alguma coisa grande em comum e que ainda é o ponto central das nossas conversas, ao vivo ou por mailing list, e a sensação de finalmente ter com quem conversar é absolutamente maravilhosa. Mirco adorou todos e deu muita risada a noite inteira. Ficamos de nos ver de novo em maio, porque no início do mês tem a feira do livro em Torino, e no meio do mês tem a festa dos Ceri em Gubbio, aquela coisa louca que presenciamos no ano passado. Não posso deixar escapar essa gente da minha vida.