Sabe quando você fratura alguma coisa e de repente começa a ver gente engessada em tudo que é lugar? Ou mulher grávida, que tem a impressão que todo mundo tá grávida também? Eu estou assim com duas coisas hoje em dia: carros e móveis.
A gente vai ao cinema ver um filme cheio de ação, o mocinho com uma pistola apontada na cabeça, um corte sangüinante na testa, o bandido falando cuspindo bem pertinho dele, uma mulher berrando no background, e eu cutucando o Mirco: adorei a cozinha. O pior é que ele responde: eu tava pensando exatamente a mesma coisa…
O carro que eu dirijo hoje é do Ettore. Na verdade é do Ettore mas era usado inicialmente como carro de cortesia pra clientes que eventualmente devessem deixar seus veículos na oficina. Como na oficina eles fazem caminhões e pouquíssimos carros, a Uno acabava sendo usada pelos marroquinos quando ficavam sem gasolina (eles vivem sem gasolina e sem crédito no celular, uma coisa impressionante). O carro custou 100 euros, então imaginem o número de quilômetros e o estado em que o coitado se encontra. Detesto dirigi-lo, detesto. Detesto porque é duro, porque treme todo quando chega aos 100 por hora, porque não tem rádio, porque o cinto de segurança corta o meu pescoço, porque já me deixou a pé no meio da rua duas vezes, porque fede a marroquino. Mas detesto sobretudo porque não é meu.
Se eu tivesse dinheiro hoje pra comprar o carro que quisesse, seria muito frugal: escolheria um city car, porque carros esportivos me dão um certo nojinho e SUVs são incompatíveis com a vida na Europa, embora estejam muito na moda aqui na Bota ultimamente. Quero um carro econômico, nesses tempos de carência de petróleo; quero um carro relativamente pequeno e fácil de estacionar, mas não tão pequeno ao ponto de balançar todo quando passa uma rajada de vento; quero um carro que tenha rádio, please; quero um carro que não cheire a marroquino mas, sobretudo, quero um carro que seja MEU, porque usar as coisas dos outros anda me irritando sobremaneira.
Escolheria algum desses: o Peugeot 1007, com a porta deslizante, que é uma fofura; ou um Renault Scénic, que diriji na França e é uma delícia; um Renault Modus, que é muito simpático e tem cores lindas; um Citroën Xsara Picasso porque sempre gostei, embora o modelo já esteja meio ultrapassado; um Nissan Note, que não é tão grande quanto parece e é bem bonitinho; uma Lancia Ypsilon ou uma Musa.
Como não posso comprar o que quero, estou à procura de uma Punto velha mas bem tratada. É um carro que dura e de mecânica fácil, e gostosinha de dirigir. Tínhamos achado uma no ponto, mas por motivos de falta de sorte generalizada não rolou. O lance é procurar, e torcer pra um negócio da China aparecer pela primeira vez na minha vida.