diploma pra quê?

Tava pensando no que a Bia falou outro dia, de como essa paranóia do diploma universitário no Brasil é chata, de como é ridículo valorizar só quem foi à faculdade, como se quem não tivesse estudado fosse um retardado, de como deve ser chato, pra quem não gosta de estudar, ser forçado a fazê-lo por pressão da sociedade. Eu sou a primeira a dizer que sou vítima dessa paranóia. Mas porque sei que no Brasil isso é realmente um fator diferenciador – afinal de contas, a classe média faz questão de ir à faculdade, ainda que seja uma merda de faculdade particular qualquer, um “supermercado” de cursos, como diz meu pai. Quando conheci a FeRnanda, a primeira coisa que perguntei foi o que ela tinha estudado. Acho que a coisa não teria ido adiante se ela tivesse dito “tenho o 2o grau incompleto” ou coisa e tal, simplesmente porque isso significaria que não teríamos LA-DA em comum, zero assunto pra conversar.

Aqui na Bota a coisa muda de figura. O Mirco não fez faculdade, o que eu acho um desperdício porque ele poderia estar fazendo algo muito melhor agora se tivesse estudado, mas em família de gente ignorante o estudo não tem importância, e lá foi ele direto trabalhar depois da escola técnica. A maioria dos nossos amigos aqui não fez faculdade, e todos têm casa comprada, carros novos, viajam todo ano e freqüentam os mesmos lugares que nós (digo eu, formada) freqüentamos. Ou seja, na prática o diploma universitário aqui não faz diferença. Ninguém deixa de ser respeitado porque não é formado, e ninguém tem vergonha de dizer que é pedreiro, eletricista, motorista de ônibus. São empregos normais, trabalhos dignos, e, aliás, muito rentáveis – muito mais do que o meu, por exemplo ; )

Só queeeeeeeee… Dando aula a tantas pessoas diferentes, eu percebo logo de cara quem é formado e quem não é. Bastam 5 minutos e eu sou capaz de dizer se o aluno estudou ou não. Vejam bem, não é questão de burrice, porque faculdade nunca fez ninguém ficar mais inteligente – o que conheço de antas formadas não tá no gibi – mas de hábito de estudo e de raciocínio lógico, de capacidade de abstração. Meus alunos formados – engenheiros, médicos, arquitetos, psicólogos – fazem perguntas cabíveis, tomam notas, percebem coisas em inglês na rua e anotam pra me perguntar depois, lêem mais rápido, sabem exatamente o que a questão pede, fazem dever de casa, LEMBRAM das coisas. Meus alunos não formados, e isso vale pra TODOS, muitas vezes não perguntam nada (sinal de que não estão entendendo nada, vocês sabem), não anotam nada, escrevem devagar, precisam que eu repita vinte vezes a mesma coisa (não porque são burros, mas porque não estão acostumados a ter que entender o que diz o professor, e levam mais tempo), demoram muito pra ler, não fazem associações cruzadas (inclusive porque a maioria só trabalha e não lê, não vai ao cinema, não vê televisão, não usa internet, ou seja, não tem pontos de referência), depois de uma semana vêem um verbo que já vimos antes e se comportam como se nunca o tivessem visto antes, e, principalmente, demoram MUITO pra entender o que uma questão está pedindo. De conseqüência, respondem errado – não porque não sabem a resposta, mas porque não sabem o que devem responder. É dificílimo pra eles reproduzir uma história que acabaram de ler, por exemplo. Não conseguem botar os acontecimentos na ordem certa nem filtrar o que é importante e o que não merece ser contado. A capacidade de síntese é zero, a imaginação é menos vinte e perguntas hipotéticas são quase impossíveis de compreender. Têm grande dificuldade em seguir instruções, e não preciso dizer o quanto isso é crucial, pra qualquer área profissional. É impressionante a diferença que o hábito de estudar tem.

Então eu continuo achando que é importante, sim, ir à faculdade – ou, pelo menos, estudar um pouquinho. Por motivos diferentes, mas continuo achando. Porque mesmo que você tiver escolhido ser pedreiro porque não é chegado a estudar, vai ser um pedreiro melhor se tiver estudado um pouquinho a mais. Vai se comunicar melhor com o cliente, vai entender por que faz as coisas que faz e vai descobrir meios pra melhorar, vai trabalhar mais rápido porque a memória vai ajudar e o cérebro vai ficar mais veloz, vai reparar em outros modos de trabalhar quando viajar e observar as coisas com olhos de quem entende do riscado. Se eu só assento tijolos sem nunca me perguntar por que se faz desse jeito aqui onde eu moro, quando for a outro lugar não vou reparar no tijolo assentado de outro jeito, que pode ser mais eficiente do que o MEU jeito. Certo?