outro programa de índio

Como se não bastasse o programa de índio gastronômico de ontem, hoje acordamos às cinco da manhã pra passar em Ponte San Giovanni, onde mora a nova namorada do Moreno, encontrar com os pombinhos e nos dirigir a Castiglione della Pescaia, na Toscana, na costa do mar Tirreno. Não é longe do lugar onde estive com os Salames há dois anos, lembram? O Moreno faz mergulho e queria mergulhar no fim de semana. Nós, em vez de aproveitar o domingo pra dormir, acompanhamos os dois, que têm empregos SUUUUUUUUUPERlight e nunca estão cansados nem preocupados com dinheiro, acordamos de madrugada e enfrentamos três horas de carro numa estrada bonita mas cheia de curvas.

Castiglione é bonitinha, mas nada de especial. Moreno tinha achado na internet uma companhia que faz passeios de barco de um dia, com almoço a bordo e tudo. Escolhemos um que ia até a Isola del Giglio e depois até a Isola di Giannutri, ambas parte do Arcipelago Toscano, um parque marinho protegido por lei. Moreno todo babando com o mar, aaaah, uuuuuh, e eu pensando, vê-se que você nunca foi a Angra, né, filho. O Tirreno é muito mais bonito e limpo do que o badalado Adriático, dizem (nunca vi a costa Adriática e não posso dizer), mas definitivamente não é o Caribe. Caribe mesmo é a Sardenha, parece. Não sei, vocês sabem que o assunto mar não me interessa, absolutamente.

Enfim. A viagem até o Giglio dura duas horas e aproveitamos pra dormir, todos tortos, apoiados nos braços sobre a mesa como crianças de castigo na escola. Chegamos ao Giglio às onze e pouco, e foi o tempo de subir com o ônibus até a parte antiga da ilha, onde há um castelo fortificado, dar uma olhada rápida e voltar. O que eu sei sobre a ilha é só o que o capitão do barco, muito simpático, explicou: que antigamente havia alguma atividade de agricultura, mas como a ilha é toda rochosa, não era muito prático, e quando começou essa coisa do turismo de massa toda a atividade da ilha se voltou pra isso. Hoje não se planta bissolutamente nada na ilha. O nome não significa lírio (que é o que significa giglio), até porque ali não há flores mas só cactus e arbustos de aspecto africano, ressequidos e retorcidos, mas parece que tem origens gregas: os navegadores antigos largavam cabras nas ilhas por onde passavam, de modo que, se precisassem aportar, tinham uma reserva de comida. Parece que a palavra que deu origem a “giglio” significava cabra. Muito romântico.

A ilha mesmo não tem nada de particular: só tem três praias, duas das quais não utilizáveis porque absolutamente rochosas. A única praia de areia, chamada Campese, é realmente bonita vista do alto, com o mar turquesa e tal, mas é relativamente pequena, entupida de gente, e, como tudo na Europa, caríssima. Mas o castelo é interessante e foi uma pena não termos tido mais tempo pra passear pelos becos.

À uma da tarde embarcamos de novo e almoçamos a bordo: risoto de frutos do mar, fritto di mare (anéis de lula, polvinhos e camarões fritos) e torta de damasco. O tempo, que pela manhã cedo estava estranho e oferecia o risco de não permitir a ida até Giannutri, finalmente melhorou, e lá fomos nós.

Se o Giglio já é ridiculamente pequeno, Giannutri é um ovinho de codorna. Só tem uma família que vive ali em modo regular – são 11 pessoas. Há algumas dezenas de casas de praia, de gente milionária que conseguiu construir ali antes que tudo virasse parque de proteção ambiental e fosse proibido fazer casa. A minúscula ilha só tem dois lugares onde é possível atracar, mas tem também uma vila romana, em estado lastimável, que nem nos demos ao trabalho de ir ver de longe porque está fechada pra restauração. Ficamos na praia mesmo, de cascalho. Eu, que odeio mar, fiquei na sombra de um barco lendo Dawkins, enquanto o Mirco e Moreno dormiam ao sol e Marta, que é professora de natação, dava seus mergulhos. A água é bonita, mas tem muito ouriço, o chão não é de areia mas de cascalho, ou seja, escuro, e a praia é realmente minúscula. Passado o nosso tempo de recreação, começou a trovoar e chuviscar. Todo mundo correndo pro barco, voltamos pra Castiglione della Pescaia. Dormimos os quatro durante as duas horas de viagem. Tomamos banho no quarto de hotel onde o Moreno dormiu e fomos jantar na casa de um amigo dele.

Queridos… Acho que vou entrar no negócio de venda de peixe. O cara vende peixe, mas vocês têm que ver a casa dele. Piscinona, dois andares, toda equipada, gramadão, tudo novinho, tinindo. E um cachorro lindo, Coby, um labrador banana que não saiu de perto da gente o tempo todo, rezando pra que caísse algum mexilhão pros lados dele. Comemos pra cacete, tudo fresquíssimo, lógico – entrada fria de batata e lulinhas, mexilhões, depois spaghetti com mexilhões e vongoli, depois fritto di mare, e, finalmente, sorvete que tínhamos comprado na cidade. Diliça!

Saímos de lá tardão e, como as placas de trânsito na Itália têm a desagradável mania de desaparecer depois de um certo ponto, fomos parar em Grosseto em vez de pegar a direção geral de Siena. Perdemos uma meia hora. E ainda encontramos um monte de lerdos na estrada, voltando do fim de semana como nós. A estrada é estreita e não dá pra ultrapassar, e levamos um tempão pra chegar em casa.

Foi legal? Foi. Mas eu teria preferido ficar em casa. Pelo menos o Mirco deu uma dormidinha…