A semana tem sido pesada em termos de aulas. Como a Christine só volta no final de janeiro, peguei praticamente todas as suas turmas. O problema é que as turmas de noite são todos grupos grandes, o que significa que as aulas jamais são anuladas, enquanto que os meus alunos que fazem aula individualmente volta e meia ligam cancelando e posso saltitar mais cedo pra casa. Então estou chegando em casa às nove todo santo dia, e será assim até que ela volte (se é que volta; se for esperta vai pra outra freguesia porque trabalhar em manicômio não é mole).

Pelo menos em termos de tradução não tenho tido muito trabalho, o que significa que posso trabalhar com calma quando realmente aparece alguma coisa. E se depois de atualizar glossários e preparar aulas eu ainda não tiver nada pra fazer, abro um livro e leio. Depois de terminar aquele livro de contos da Christine, li em um dia (parte no trabalho e parte em casa, onde cheguei mais cedo por causa de uma enxaqueca leve-moderada) um sobre comportamento animal. Chama-se Nella Mente degli Animali, escrito por Danilo Mainardi, que tem uma “coluna” fixa exatamente sobre isso no programa SuperQuark – aquele do qual já falei várias vezes, apresentado pelo velhinho fofo, educado e que fala bem. O livro é uma espécie de registro escrito da coluna. Pensei que fosse um pouquinho mais completo, mas não: é muito simples e bobinho, e a linguagem do autor-etólogo é pomposa demais*, mas mesmo assim é bonitinho. Muito na atual linha Darwinista de Dawkins e tal; inclusive reconheci vários exemplos que li em livros do Dawkins (por falar nisso, vejam isso aqui). E ainda tem ilustrações fofas, e um filhote de Terranova em close na capa. Bom pra quem não sabe nada de biologia e não tem saco pra encarar uma coisa mais científica. Vou deixar no banheiro pra ver se o Mirco se anima a ler.

E depois desse comecei Kitchen Confidential, de Anthony Bourdain. Ele é americano demaaaaaaaaaais, e isso me irrita muito, porque detesto livros escritos completamente com phrasal verbs, usando gírias locais e private jokes, e sobretudo o excesso de adjetivos-que-na-verdade-são-frases-com-tracinhos-separando-as-palavras. A quantidade de mentiras é grotesca e desnecessária. Mas eu já disse aqui que não sou naïve o suficiente pra achar que forma e conteúdo devem necessariamente estar relacionados. Um livro escrito em maneira um pouco blé mas que me dá informações interessantes va bene, assim como va bene um jogo de palavras lindíssimo que no final das contas não quer dizer nada. O Kitchen Confidential está na primeira categoria. Seu modo de contar as histórias me faz franzir o nariz, mas os relatos das coxias dos restaurantes são iluminantes. E há trechos interessantes.

Vegetarians, and their Hezbollah-like splinter-faction, the vegans, are a persistant irritant to any chef worth a damn. To me, life without veal stock, pork fat, sausage, organ meat, demi-glace, or even stinky cheese is a life not worth living. Vegetarians are the enemy of everything good and decent in the human spirit, an affront to all I stand for, the pure enjoyment of food. The body, these waterheads imagine, is a temple that should not be polluted by animal protein. It’s healthier, they insist, though every vegetarian waiter I’ve worked with is brought down by any rumor of a cold. Oh, I’ll accomodate them, I’ll rummage around for something to feed them, for a “vegetarian plate”, if called on to do so. Fourteen dollars for a few slices of grilled eggplant and zucchini suits my food cost fine. But let me tell you a story.

(daqui ele começa a falar das amebas encontradas nas saladas. Achei um parágrafo divertidíssimo ; )

*A língua burocrática italiana é a coisa mais pomposa que existe no mundo. Quando traduzo cartas e e-mails apago tanta coisa inútil que volta e meia o cliente liga perguntando se eu pulei uma linha. Tenho que explicar que coisas equivalentes a “colgo l’occasione per porgerVi i più distinti saluti”, livremente traduzido como “colho a ocasião para oferecer-vos as mais distintas saudações”, provavelmente não se usa em inglês desde a extinção dos dinossauros. Ontem uma carta começava dizendo “no redesejar-vos um feliz Natal…”. Cortei a frase, lógico, e o cliente perguntou por quê. Ó céus, se já mandou o cartão de Natal, por que tem que desejar feliz Natal de novo, numa carta que fala do novo catálogo de compressores de ar? Pelamordedeus, vão ser barrocos assim lá na casa do chapéu…