B+

Ontem acordei cedo, em jejum, peguei a Une (se escreve Eun Hae) e fomos pra Ponte San Giovanni. Deixei o carro estacionado numa transversal da avenida e pegamos o ônibus até o hospital. Acabei doando sangue sozinha porque era a primeira vez que a Eun Hae doava e precisou fazer uma consulta cardiológica. A minha entrevista com a médica com quem se bate papo depois dos exames iniciais (pra ver se tem anemia, infecção em curso, etc) foi uma coisa meio bizarra. Ela olhava os resultados no computador e me dizia:
– As transaminases hepáticas estão ótimas, nem exagerou no Natal!
– É que eu não gosto de comida de Natal, só como cappelletti.
Ela ajeita os óculos de leitura, volta à tela do computador, se vira pra mim com olhos de vampiro:
– Quantas plaquetas… Tantas… Lindas plaquetas! (juro. Literalmente: “Ma quante piastrine… Tante! Bellissime piastrine!”)
– Ahan.
– Tão bonitas, e tantas…
– Hoje não tenho tempo, doutora. (você pode doar só as plaquetas, mas demora pra caramba porque a máquina tem que fracionar o sangue)
– Não se esqueça que você só precisa esperar um mês depois de doar sangue inteiro pra doar plaquetas.
– Ahan.
– Só um mês.
– Entendi.
– Tem certeza que não dá tempo hoje?
– Doutora, eu não tenho tempo nem de me coçar, pra vir resolver outras coisas em Perugia tive que vir doar sangue pra não perder um dia de trabalho. Sinceramente, hoje não rola.
– Que pena, tantas plaquetas… Fica pro mês que vem.

Faltavam só os caninos alongados no seu sorriso.

**

O resto do dia foi inútil. Na faculdade, o libretto não tinha ficado pronto ainda, só em janeiro. O cabeleireiro foi OK, e dessa vez Giuliana teve tempo de cortar direito, sem se afobar, porque o salão tava vazio. Almocei polpetta e legumes com a Eun Hae. A consulta médica durou 2 minutos e meio e custou 36 euros. A loja de produtos bizarros não tinha nada brasileiro. Resisti a um dos melhores sorvetes do mundo (a melhor sorveteria da Umbria fica em S. Maria, mas essa numa ladeira que sai da Piazza della Repubblica em Perugia também é o ó). Comprei bilhete de ônibus sem precisar porque tinha esquecido que já tinha um na carteira. Voltei pra casa correndo e terminei de ler 44 Scotland Street, de Alexander McCall Smith.