um dia Fernanda

(Essa Fernanda aqui, ó.)

Estou eu sentadinha no ponto de ônibus em Ponte San Giovanni, esperando o 4 pra Piazza Partigiani, quando passa um homem com uma roupa fresquinha de lavanderia pendurada num cabide, com um papel escrito Marcacci (um sobrenome comum aqui na zona) alfinetado, e um escovão daqueles de limpar privada, azul-marinho, na outra mão. O cara pára na minha frente e trava-se o seguinte diálogo:

– Qual é o seu nome, qual é o seu nome?

– Hein?

– Qual é o seu nome, qual é o seu nome?

– Pra que você quer saber?

– Qual é o seu nome?

– Maria.

– De onde, de onde?

– Egito. (não me perguntem no que eu estava pensando, porque eu não sei)

– Você é do Egito?

– Sou.

– Mora em Perugia, mora em Perugia?

– Não.

– Onde você mora, onde você mora?

– Em Foligno.

– Mora em Foligno?

– Moro.

– O que você faz em Perugia, o que você faz em Perugia?

– Estudo.

– Estuda o quê, estuda o quê?

– Medicina. (imaginação zero)

– Estuda medicina, estuda medicina?

– É.

– E vive de quê, vive de quê?

– Trabalho, ué.

– Trabalha em quê, trabalha em quê?

– Em uma loja.

– Em Perugia?

– Em Foligno.

O homem vai embora. Dá meia-volta e recomeça:

– Trabalha em Foligno?

– É.

– Em uma loja?

– É.

– Loja de quê?

– Uma loja, ué.

– De roupa, de roupa?

– Não.

– Loja de quê?

– É uma loja, que diferença faz?

– Loja de roupa?

– Nã-ooooooooo!

– Você é do Egito?

– Sou.

Deu as costas e foi-se. Fiquei lá parada com cara de o que foi isso, jesus?.

Subi no ônibus, sentei e dois pontos depois, na estação de trem, sobe o Fedorentão. O Fedorentão é um velho sujo com bafo de cana que volta e meia pega os ônibus em Ponte San Giovanni, normalmente descendo uns dois pontos depois de onde subiu. Hoje tava com vontade de falar: quando eu ofereci meu lugar pra sentar ele começou a contar, pro motorista mas naquele tom de voz altíssimo dos italianos, que não podia sentar porque depois não levantava, desde que foi atropelado e machucou a coluna. Perguntou ao motorista se achava que ele conseguiria ganhar uma grana de indenização, e começou a dizer que se ganhasse beberia até cair e ficaria “fora do ar” por quinze dias. E completou, como se fosse necessário: eu sou um grande bebedor de cerveja, sabe. Dois pontos depois desceu, carregando uma montanha de sacolas de plástico (pobre adora sacola, né), uma das quais meio transparante, revelando meia forma de queijo de ovelha dentro.

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E como bizarrice nunca vem sozinha: quem acredita em deus diz que o cara é pai mas não é padastro. Eu digo que a vida dá voltas. Lembram que aquela cretina, piranha, vulgar, escrota, filha da puta, metida, horrorosa, cafona, cara-de-pobre da Suely Maria, ex-vizinha, roubou um documento meu? Foi aos correios com o papelzinho que o carteiro deixa quando não encontra ninguém em casa, assinou o recibo e pegou meu documento. Adivinhem o que eu achei no meu escaninho hoje? Um recibo endereçado a ela, entregue aqui por acaso. Explico: quando nos mudamos ativamos o serviço Seguimi (Siga-me) dos correios, que por um ano inteiro desvia cartas entregues no seu endereço velho pro seu endereço novo. Enquanto banco, sistema de saúde etc não atualizam o endereço, continuam mandando cartas pra Cipresso, mas os correios entregam aqui. O que deve ter acontecido é que a cretina da carteira, acostumada a desviar cartas de uma estrangeira (eu) do endereço de Cipresso pra cá, nem olhou direito o nome no envelope: é estrangeira, então é aquela de XXV Aprile (eu), mando pra lá.

Aceito sugestões sobre o que fazer com o recibo, que espero com muito, muito ardor que seja uma coisa muito, muito, MUITO importante, cuja cor ela jamais irá ver, logicamente. Estou pensando em voodoo, quê que vocês acham?