Não morri não. Digamos que é uma letargia pós-Paris. Porque Roma pode ser tudo na vida, mas Paris é Paris, né, vamos combinar. Qualquer coisa depois de Paris dá uma tristeza, uma desilusão, um desbunde ao contrário um des-desbunde, digamos assim. Pior ainda é sair de Paris e pular direto pra Itália, o país mais provinciano do mundo.
Falando da Bota, o país anda em polvorosa por causa de duas coisas: o Superenalotto (a MegaSena daqui) que não saía há 6 meses, e ontem deu a um sortudo de Catania, na Sicília, a beleza de 101 milhões de euros, e a reforma na educação.
O plano de reforma foi desenhado pela ministra da educação, formada em direito numa faculdade do norte mas que se descambou até a Calábria pra fazer a prova da OAB deles, sacam. É como o cara que faz vestibular pra medicina vinte vezes, não passa pra nenhuma federal e acaba estudando na Estácio, onde é mais fácil passar (principalmente se você tiver o pistolão adequado). Entenderam o drama, né. Então: os vários pontos da reforma na verdade são muito confusos, porque a oposição de esquerda exagera na instrumentalização e a gente acaba não sabendo direito como a coisa funciona. Sei que pelo que eu entendi há pontos positivos e muitos negativos. Entre os pontos positivos estão o retorno da nota de comportamento, que permitirá reprovar alunos pouco civilizados, e a eliminação de cursos universitários idiotas, supérfluos ou com poucos alunos aparentemente há 37 cursos ativados nesse momento com somente 1 aluno inscrito. Até aí tudo bem, sou supercontra o esquema de supermercados de cursos que rola por aqui, como no Brasil, e mais ainda a favor da abolição de pseudofaculdades tipo Estácio, Gama, Santa Úrsula, Wakigawas da vida. Chega de pagou-passou, né, convenhamos.
Também há pontos obscuros, como a eliminação do horário integral nas escolas, que parece que não é exatamente verdade mas que é conspiração da oposição, e o fechamento de sedes destacadas de escolas em lugarejos remotos que têm poucos alunos parece que esses alunos serão remanejados para outras estruturas, de modo que ninguém ficará sem aulas.
Os pontos negativos, porém, são muito, MUITO sérios. O primeiro é um corte de 7 bilhões de euros para a educação, em todos os níveis. A desculpa do governo é que há professores demais, e tenho certeza de que nesse caso tem razão, há mesmo. Pra não falar da parte burocrática e administrativa. Aqui também tem muito funcionário público fantasma, que ganha salário e não trabalha, em todas as áreas, inclusive na educação. Mas o problema é o seguinte: a Itália gasta menos em educação do que TO-DOS os outros países europeus, e o resultado se vê claramente no ranking que sai todo ano sobre o conhecimento e a preparação dos alunos em cada país da União Européia. A Itália é lanterninha TODOS OS ANOS, em TODAS AS MATÉRIAS história, ciências, a própria língua, língua estrangeira, informática, geografia, matemática. Então não seria melhor mandar embora todos esses professores a mais, e investir o dinheiro poupado em laboratórios nas escolas (porque não há), em sistemas de avaliação dos docentes, em cursos de atualização e especialização dos docentes, etc? A escola italiana é uma merda há muitos e muitos anos, nunca foi o centro das atenções de nenhum governo moderno, nem de direita e nem de esquerda, e precisa urgentemente de mais e melhores investimentos. E aí Berlusca vem com essa, porque precisa de dinheiro pra salvar os bancos e as indústrias nacionais da crise econômica não preciso lembrar a vocês que ele é o maior industrial do país, dono de bancos, universidades particulares, lojas de departamento, jornais e revistas (que têm subsídio do governo), time de futebol, pra não falar das três redes particulares de televisão e de uma TV a cabo.
O segundo ponto é o retorno do professor único para todos os anos da escola primária. Primeiro que pra mim parece um método pra criar obediência a uma figura autoritária, e vocês sabem que eu tenho horror horror horror a autoridade de qualquer tipo. Segundo que hoje em dia ninguém tem mais capacidade de ensinar tudo; há que se especializar. E mandando embora os professores a mais sem contratar outros a idade média dos professores, que já é a mais alta DO MUNDO, não vai baixar nunca. Você acha que um professor italiano de 60 anos que ainda usa colete xadrez e tem dentes faltando na boca sabe ligar um computador ou entende alguma coisa de replicação de DNA?
O terceiro ponto é que muitos desses cortes vão cair pro lado da pesquisa, que já é um dos muitos pontos fracos da educação italiana. No lugar de cada 5 professores afastados por idade avançada, incompetência ou simplesmente por estar sobrando, só vai entrar UM pesquisador. A indústria italiana não é competitiva no resto do mundo porque não é inovativa nem eficiente, e eles vão cortar justamente a pesquisa! Cacetes estrelados, nem no Zaire, viu.
Por isso tudo, mas sobretudo pelos motivos errados (instrumentalização da esquerda e imbecilidade universal dos estudantes), as escolas e universidades estão em greve, ou pelo menos em estado de intenso tumulto. Aqui quando os estudantes resolvem protestar eles invadem as escolas e universidades. Acampam mesmo, levam comida, sacos de dormir, etc, e se apropriam dos prédios. Chama-se occupazione e acontece há muitos anos, é uma tradição no país. Aí o Berlusconi vai à TV dizer que não aceita esse tipo de comportamento, porque (e aqui ele tem razão, embora obviamente seus motivos sejam outros) tira o direito dos estudantes que querem ter aulas e fazer provas normalmente, e que pra impedir essa farofada toda vai falar pessoalmente com o Ministro dellInterno pra que ative as forze dellordine (leia-se polícia e Carabinieri). Pronto! Revolução! Todo mundo nas ruas desafiando a polícia com cartazes, bonecos, faixas, broches, camisetas. Bola forésima do Cavaliere, coisa que achei ótima, lógico, pois o índice de aprovação desse governo anda em torno dos 70%, uma coisa absolutamente inacreditável (pra não dizer assustadora), e qualquer mijada fora do penico ajuda. Ele conseguiu piorar as coisas mais ainda dizendo, no dia seguinte, que nunca tocou no assunto polícia. Ooooooooooh o apocalipse! Ontem e hoje a TV não fez nada além de repetir, praticamente em loop, o famoso discurso sobre o uso das forze dellordine. Dupla bola fora: falar besteira e depois vir dizer, com a cara-de-pau que lhe é peculiar, que não falou nada daquilo, embora a cena tenha sido gravada e mostrada à exaustão. Continua assim, filhinho. Quem sabe finalmente a ficha cai, e, por tabela, o Cavaliere…