Eu adoro andar de trem. Acho um meio de transporte fenomenal. Além das vantagens óbvias – não polui, é mais barato – ele tem duas outras que eu considero fundamentais: é MUITO mais seguro do que andar de carro entre os motoristas selvagens aqui da Bota, e, putz, DÁ PRA LER! Dá-pra-ler. Dá pra ler no trem, cês tão entendendo? (Alguém vai dizer “ler ou trabalhar”, mas eu sou daquelas que acredita que o trabalho aborrece o homem, dá trabalho demais e atrapalha a vida, por isso tento pensar no assunto o menos possível. Além do mais acho que o lento passar da paisagem é perfeito pra descansar os olhos do livro, pra repetir mentalmente uma bela frase, pra tentar lembrar o nome de um personagem, pra absorver uma descrição e fazê-la funcionar no céLebro.)
Aqui na Itália, e em particular no interior da Libéria, onde eu moro, os trens são uma merda. São sujos (vocês devem lembrar da história dos carrapatos) e atrasam sempre, sempre, sempre. Não lembro se eu cheguei a comentar aqui, mas uma vez perguntei ao hominho da estação em Perugia por que raios o trem das 19:15 estava sem-pre atrasado, e a explicação dele me deixou de boca aberta. Vou tentar explicar brevemente antes de continuar com a minha reflexão ferroviária.
Os tipos de trem em circulação por aqui são os seguintes: diretto, regionale, inter-regionale, InterCity e Eurostar. Nunca entendi a diferença entre os três primeiros, que são os famosos catejecas. O InterCity é melhorzinho mas na única vez que peguei achei o trem velho demais pra diferença de preço. O Eurostar é o bam-bam-bam dos trens: custa beeem mais caro, tem beeeem menos paradas, em teoria é beeeem mais rápido e, ao contrário dos catajecas, seu bilhete tem dia e data pra usar e lugar marcado.
Pois então. O tal trem das 19:15 de Perugia pra Foligno, que era o que eu pegava pra descer em Assis, fazia conexão com um Eurostar que vinha de Milão. Como passageiro de Eurostar que perde conexão é reembolsado, a empresa prefere atrasar TODAS as conexões se o Eurostar partir com atraso pra não ter que reembolsar os passageiros desse trem. Os passageiros de todos os outros trens que se fodam. Então tá né.
Mas então. Como eu já cansei de dizer aqui, a Itália é lanterninha europeia em praticamente tudo, e no caso dos trens também não faz por menos. Além do transporte de passageiros ser ridiculamente eficiente, o transporte de mercadorias por via ferroviária é um dos menores da Europa: só 10% de tudo o que circula no país viaja de trem. É muito, muito pouco. Isso eu fiquei sabendo ontem, vendo Report (que eles pronunciam “réport”…), o único programa de jornalismo investigativo da televisão italiana, aproveitando que a Carolina chapou às nove da noite depois de um megaprograma de índio (more on that later). Em um certo ponto do programa começou-se a falar do acidente em Viareggio que matou mais de trinta pessoas em abril desse ano. O trem de carga simplesmente saiu voando dos trilhos e foi parar entre as casas ao redor da ferrovia. Não se sabe exatamente o que houve ainda, mas basicamente o lance é o seguinte: uma peça de um dos vagões estava fodidaça, com uma rachadura gigante. Tinha sido construída em 1974, na Alemanha. Aí a parada começou a ficar interessante: o vagão tinha sido matriculado na Alemanha e mais tarde foi vendido a uma empresa americana, apesar de fazer a linha Novara-Nápolis e portanto jamais sair do país. Segundo os acordos entre a Ferrovia dello Stato e as empresas de transporte, o dono de cada vagão é responsável pela manutenção, de modo que a Ferrovia dello Stato diz que a culpa foi dos alemães que não fizeram a revisão com ultrassom, o que teria evidenciado a rachadura; a empresa alemã diz que fez a revisão em novembro de 2008 mas que não encontrou defeitos e que portanto o problema era outro. Disso tudo ficou certa uma coisa: o que circula de trem caindo aos pedaços por aí não tá no gibi, porque não é possível inspecionar todos os trens que entram na Itália vindo de outros países (inclusive porque eles não são capazes de inspecionar nem os trens deles mesmos…) e porque, com essa confusão de não saber de quem é o quê, fica difícil apurar quem é responsável por qual coisa. Tudo muito confuso. E muito perigoso.
Não pego trem há muito tempo, mas estávamos considerando ir de trem a Firenze pegar meu visto americano no final do mês e mudamos de ideia. Vai que o nosso vagão também foi construído em 1974 na Alemanha e não fizeram ultrassom nele…