Essa semana aconteceu uma coisa extraordinária.
A Corte Europeia dos Direitos Humanos decidiu que crucifixo em sala de aula viola a liberdade de religião, e condenou o estado italiano a pagar uma quantia praticamente simbólica como indenização por danos morais à mulher que recorreu à Corte, uma finlandesa de cidadania italiana (a história completa está aqui, com a entrevista feita com a família, em italiano). Fiquei emocionada quando ouvi a notícia e mais ainda depois que soube que todo o suporte legal foi dado pelos advogados da UAAR, da qual sou sócia. Ficamos todos emocionados, embora tudo o que está acontecendo agora fosse altamente previsível.
De maneira geral, todos os políticos criticaram a decisão, lógico, porque ninguém tem coragem de ficar contra a Igreja. Berlusconi já disse que vai recorrer, claro. Vários prefeitos disseram coisas tão simpáticas quanto “podem morrer todos eles, mas o crucifixo fica”. Outros escreveram cartas aos diretores das escolas “convidando-os” a expor o crucifixo nas salas. Os argumentos de quem é contra a decisão são dois, e vamos combinar que são os clássicos argumentos de quem não pensa: 1) o cristianismo é uma tradição italiana (imediatamente neguinho comentou, no fórum da UAAR, “vamos pendurar uma pizza em cada sala de aula então!”), e 2) o crucifixo é o símbolo do laicismo italiano. Tipo assim, hellooooooooo crucifixo laico? Oquei, oquei, não dá pra discutir, lógica não é o forte dessa gente.
O problema, logicamente, não é o crucifixo propriamente dito. É um símbolo, de péssimo gosto, por sinal, e mais nada. O problema, como sempre, é o que está por trás dele. E o que está por trás é exatamente esse comportamento arrogante desses prefeitos que, em vez de obedecer a uma lei europeia que tem poder legal na Itália, e que está certa, visto que segundo a constituição italiana este país é laico, fazem comentários absurdos como esses acima. Vou contar outra historinha pra ilustrar melhor.
Há alguns dias morreu uma senhora idosa em Padova (Pádua). Declaradamente ateia e mãe de um membro ativo da UAAR, ela tinha declarado expressamente que não queria nenhum ritual religioso quando morresse. Mas o padre da paróquia local, que fica rondando o hospital onde a velha morreu, cismou que quer dar a extrema-unção. Não só cismou: disse que assim que a família relaxar a vigilância ele vai lá dar os paramentos escondido, que o hospital “é casa dele e ele faz o que quiser”.
Minha mãe diz que nesses casos é melhor deixar pra lá porque jogar aquela aguinha idiota e vomitar meia dúzia de palavras sem sentido sobre uma virgem que pariu um deus “não faz mal”. É claro que não faz mal, já que rezar tem o mesmo efeito de ler uma receita de sopa de cebola, ou um trecho do Código Civil, ou o manual da sua máquina de lavar roupa. O problema não está na reza propriamente dita, assim como não está no crucifixo propriamente dito. Está no poder intocável que esses parasitas católicos tem, no dinheiro que eles sugam, na lavagem cerebral que fazem, no atraso no qual insistem em deixar esse país (e metade do planeta) impedindo as pessoas de pensar por si mesmas e de criticar o que quer que seja. Isso tem que acabar. TEM QUE ACABAR. Essa gente horrível tem que entender que nem todo mundo pensa como eles, que nem todo mundo está cagando pro que eles dizem, que tem gente que quer que vão todos pra puta que o pariu e que parem de indoutrinar as crianças, que a religião é, de verdade, the root of all evil. Se ninguém fizer oposição nunca eles vão continuar intocáveis sempre. Toda revolta tem que começar de algum modo, e espero que esse tenha sido um sinal de que uma lenta mas decidida onda anticatólica está se formando.
O resultado do recurso vai sair em breve, e se a decisão da Corte não mudar essa vai ser a solução final pra história; não há mais possibilidade de recurso ou apelo. Se assim for, vai abrir precedentes. E o dia em que a Carolina entrar na escola, se tiver crucifixo na sala de aula o bicho vai pegar, amiguinhos.