carolinices e a era da pracinha

Carol anda uma ferinha. Aprendeu a subir na poltrona e nas cadeirinhas de plástico tamanho criança que ficam na varanda. Há semanas tenta pegar o paninho de pia Perfex-like, se esticando toda nas pontas dos pés. Começou a fase dos tantrums quando não consegue o que quer, e quase sempre tenho ataque de riso porque o beiço estica todo pra frente e com aquela cabelação toda a cara dela fica muito engraçada. Anda tentando se vestir sozinha, o que na verdade significa que ela pega qualquer coisa de tecido que vê pela frente, inclusive toalhas e tapetes, e bota na cabeça, puxando pra um lado e pro outro como se eventualmente a eventual gola do objeto fosse passar pela cabeça dela e ela acabasse vestida. Eventualmente. Tem dias que só come se for sozinha, logicamente fazendo uma lambança danada. Eu nem olho pra não ter um treco. Tem loucura por cachorro, porque quando vai pra Arianna aquele pamonha do Demo se joga no chão na frente dela pra ela ficar lá dando tapinhas nele, puxando as orelhas, coçando a barriga, puxando o pelo, beliscando as costas, então tenho que segurá-la toda vez que passa um cachorro na frente, pra ela não sair correndo atrás. Aprendeu a piscar o olho (leia-se fechar os dois olhos) quando a gente diz “pisca”, a esfregar a barriga quando eu digo “lava a barriga”, a botar a língua pra fora quando a gente diz “como a Virgola bebe água?”, a fazer sim com a cabeça. Conhece todos os seus livros preferidos pelo nome e vai lá pegar quando a gente pede. E por aí vai.

E com o tempo melhorando começou a era da pracinha. Aqui atrás de casa tem um parquinho, mas não rola. Porque fica nos fundos dos prédios desvalorizadores de bairro aqui do meu, uma espécie de conjunto habitacional quadradão estilo mussolínico, infelizmente habitado pela pior gente que há: os napolitanos. Desconfiei logo na primeira vez em que fomos lá: muitas, muitas crianças gordas, usando roupas cafonas, meninos pequenos de cabelo comprido, mães gritando nomes equivalentes aos Jennifers e Wellingtons brasileiros (uma desgraçada botou o nome de Illia no filho, pena de morte nela), crianças comendo bolinho Ana Maria tabajara do Lidl e jogando a embalagem no chão. E foi aí que comecei a ouvir o sotaque. Socorro. Logo depois houve um encontro de primeiro grau muito, muito estranho. Um menino lourinho de óculos fundo de garrafa, de uns oito, nove anos, se aproximou da Carolina, sorriu e PREPAROU UM CHUTE na direção dela. “Ma sei scemo?”, exclamei, “Tá maluco, meu filho?”. Olha a resposta do psicopatinha: “Quero que ela chore pra eu descrever suas lágrimas”. WTF??? “Faz isso de novo e você vai ver quem vai sair chorando, seu louco!”, gritei, e saí literalmente correndo.

Então passei a frequentar o parquinho atrás da escola primária, no centro da cidade. Outro nível, embora viva cheio de romenas perpetuamente grávidas e rodeadas de crianças ranhentas. De muçulmanas não vemos nem a cor, porque a coitadas não podem se dar ao luxo de ficar passeando por aí sozinhas, mostrando a figura na medina (vamos repetir o mantra “a religião é uma merdammmmmmmmm a religião é uma merdammmmmm”). Mas a maior parte é de italianas mesmo, coisa que pode ser vista pela qualidade das roupas das crianças, os carrinhos de marcas conhecidas e não genéricos de supermercado que parecem frágeis como se fossem feitos de canudos de plástico, pelos nomes normais dos pimpolhos, pela ausência de gritos histéricos e inúteis à distância típicos de mães que estão cagando pro que os filhos estão fazendo, porque quando você realmente está tentando educar seu filho vai lá e diz o que tem que dizer em vez de ficar berrando “Giovanniiiiiiiiiiiiiiiii” a três quilômetros de distância sabendo que o Giovanni vai cagar e andar e continuar batendo no coleguinha.

O parquinho é grande e vive entupido de crianças de todos os tamanhos, de modo que a Carol fica entretidíssima, andando feito uma barata tonta de lá pra cá, pegando folhas e pedrinhas que ela leva de um lugar pro outro, de olho na bola dos meninos, querendo pegar os parafusos (don’t ask) das bicicletas dos outros e molhar a mão na torneira de água potável perto dos bancos. Volta pra casa exausta e começa a beliscar o próprio pescoço (sinal de que está com sono) já às sete da noite. Ainda não conversei com nenhuma mãe porque ela ainda não interage com as outras crianças e fica perambulando sozinha, mas sei que daqui a pouco vai rolar. Por enquanto tá bom assim: queimo muitas calorias power walking até o parquinho, paro na Coop pra fazer compras se precisar, ela vai falando “boyoboyoboyoboyo”, “manhamanhmanhamanha”, “atcheatcheatcheatche” sem parar na volta, e chegamos em casa devidamente exercitadas.