Toda vez que venho ao Rio fico logorreica. Me dá uma coisa, um negócio, um treco, um troço, e quando vejo estou vomitando palavras vertiginosamente, embora mais lentamente do que o meu raciocínio, que está a mil, e falando besteira, fazendo mímica, imitando, fazendo vozes, caretas, revirando os olhos, mas sobretudo falando, falando o tempo todo, até a garganta reclamar e o fôlego faltar. Falo com o motorista de táxi, com a Dona Maria que vende coco na Epitácio Pessoa e com as babás que tomam conta das crianças, com o porteiro do prédio onde houve um incêndio, com a minha avó que está ficando surda, com os vendedores das lojas onde compro sapatos compulsivamente (OK, eu detono sapatos direto porque tenho as pernas tortas, piso errado e desgasto as solas de maneira desigual, ando dez pras duas e bato os calcanhares um no outro, vivo tropeçando e dando topadas), com a outra pessoa que está experimentando sapatos na mesma loja (esse ano cismei com a Outer, cacetes estrelados, que sapatos confortáveis e maneiros!) e com a qual troco pitacos, com o cara da Eldorado que dá pão de queijo de cortesia pra Carolina, com a manicure que eu nunca vi na vida e que me ajuda a decidir se boto Arranha-Céu, Tubinho ou Tapete Vermelho nas unhas.
A coisa só tem piorado desde que a Carol nasceu, pois só falo português com ela o tempo todo mas ela não responde nem ri quando eu repito uma fala de The Big Bang Theory. De modo que sinto realmente falta de dialogar em português, o que não acontecia, ou que acontecia de maneira menos intensa, antes dela nascer, quando a minha vida era 100% italiana.
O italiano gosta de falar, isso todo mundo sabe. Os umbros são um pouco mais fechados, mas se você puxar conversa dificilmente o interlocutor vai te ignorar. Mas no Rio a coisa assume outras proporções; acho que não existe carioca, nascido ou criado, que não goste de bater papo, não importa muito com quem, nem sobre o quê. O importante é falar, e o ato de intimidade imediata que isso cria.
Quando estivemos no Rio Sul com o Ettore e a Arianna, estávamos sentados num banco ali perto da New Order, no quarto piso, quando passou uma loura empurrando um Quinny com um bebê foférrimo e acompanhada de uma senhora que obviamente era sua mãe e de uma outra que falava inglês. A moça, lógico, se aproximou da Carolina, porque aquela cabelada toda que ela tem chama a atenção pra caramba e TODO MUNDO pára pra falar com ela, e logo começamos a papear. Ela se acocorou no chão, apoiou a mão no meu joelho e entramos naquela coisa de “pois é, menina, blah blah blah”, ela começou a falar de quando morava em Miami, conversamos sobre crianças que comem e que não comem, discutimos modelos de carrinhos, aqueles diálogos emocionantes sobre crianças e tal, até que as duas senhoras a chamaram e ela se levantou, deu um tchau e um sorrisão, e foi embora. Ettore e Arianna perguntaram se éramos amigas, de tão animada que tinha sido a conversa.
Tenho pra mim que essa falação toda, essa intimidade/cumplicidade imediata, tem algo a ver com o fato de que é normal passar o dia de biquini e Havaianas ou roupa de ginástica. Não dá pra ficar cheio de mumunhas e formalidades com Havaianas nos pés. O clima de praia eterna all-year-round simplesmente não é compatível com nove-horas. O Rio é a praia, até pra quem não gosta de praia, não põe biquini desde os 15 anos e não sai na rua de chinelos, como eu. A praia está entranhada na cidade, logo fala-se, muito, informalmente, alegremente, o tempo todo. Como eu amo falar, essa é uma das coisas das quais mais gosto no Rio. As outras são assunto pra outro dia.