Que os italianos são resistentes às novidades vocês estão carecas de saber. A fila pra pagar pedágio em dinheiro com o hominho dando troco é muito mais longa do que a fila pra pagar com cartão de crédito, porque até hoje neguinho tem medo de cartão. Os internautas italianos são pouquíssimos e não compram quase nada online. Quando preenchi o formulário do censo online pra minha vizinha ela ficou me olhando com dois zoião como se eu fosse um E.T.. Então as novidades introduzidas pelo novo governo na tentativa de dar uma esquentada nas vendas foram uma paulada na cabeça da galera.
O negócio é o seguinte: liberou geral, não há mais horários fixos pra abrir lojas e supermercados, cada um abre quando quer, cagando solenemente pra domingos e feriados, comme il faut. Uhu. Pro consumidor é uma maravilha, porque quem antes precisava sair correndo pra fazer compras na hora do almoço (isso recentemente, hein, porque quando eu cheguei aqui os supermercados ainda fechavam pro almoço) porque é o único horário em que dá, agora vai ter sempre um lugar que abre até, sei lá, meia-noite. Aqui há uns poucos anos um supermercado, caro e feio, pertinho da casa da minha sogra, passou a abrir aos domingos: vive absolutamente lotado, e não só de turistas (fica perto da estação). Obviamente depois desse outros passaram a abrir também, senão faliam. Hoje praticamente todos os supermercados da zona abrem aos domingos – e tem SEMPRE gente.
O engraçado é o tom das reclamações dos pequenos comerciantes. Porque é lógico que os grandes supermercados e shoppings e lojas famosas vão ter muito mais facilidade em abrir em horários, digamos, não convencionais, então pode ser que um dia uma determinada mercearia perca o meu dinheiro porque eu acabe indo a um grande supermercado aberto num domingo, por exemplo, quando não tiver tempo de ir à mercearia no horário bizarro em que eles abrem. Essa reação eu entendo, mais ou menos. Mas, como disse um espectador no rádio outro dia, em resposta a um comerciante que se queixava exatamente disso: CONTRATA ALGUÉM, CACETE!
Porque como eu já expliquei antes, a IMENSA maioria das empresas italianas é de “conduzione familiare”, ou seja, só os membros da família trabalham nelas. E o maior protesto desses microempresários, pasmem, é que se, por exemplo, passarem a abrir na hora do almoço, a família não vai mais poder almoçar toda junta.
HELLO?
Eu acho isso absolutamente hilário. Lembro que uma vez, comentando com alguém a estupidez do BANCO fechar na hora do almoço, esse alguém me respondeu que os bancários também têm direito a almoçar.
HELLO? Rotação, anyone? Você vai almoçar e eu fico na caixa, depois vou eu e você fica? Lembro que esse alguém ficou pasmo com essa tática revolucionária de recursos humanos que eu descrevi. Simplesmente nunca passa pela cabeça das pessoas que é possível se alternar no trabalho. Porque, sabe, o horário de almoço é 13:30, quem é que vai querer almoçar antes ou depois disso, né, destrói a sua vida almoçar meia hora antes ou depois. Ó céus.
A mesma coisa acontece com o almoço em família. Porque requentar comida é heresia na Itália, logo a mamãe escrava tem que ficar de plantão na cozinha pros feitores machos comerem o macarrão escorrido há 2,8 segundos, senão passa do ponto. Então nem pensar botar o filhinho feitor pra almoçar macarrão requentado uma hora depois, enquanto o papai feitor volta pra loja. A sociedade italiana vai se desintegrar se todos os membros não almoçarem mais juntos, sem trocar uma palavra enquanto assistem ao TG1 dizendo o que a porra do papa comeu no café da manhã, ou então falando animadamente de temas relevantes como o novo carro do vizinho ou quem casou com quem e quantos primeiros pratos serviram na festa do casamento. Por isso a liberalização foi uma péssima ideia, porque vai acabar com o núcleo básico da sociedade italiana, que é a família. Afe!
CONTRATA UM FULANO, cruzes! Eu sei que manter um funcionário custa muito dinheiro – as despesas de impostos que o Mirco tem com INPS são absurdas, por exemplo – mas, cara, não tem tu, vai tu mermo, né não? Aliás, acredito que um dos objetivos dessa liberalização tenha sido justamente esse, ver se neguinho começa a empregar pessoas pra poder ficar aberto em horários adicionais, gerando empregos. Um outro ouvinte que mora em Londres comentou isso, que nas grandes cidades europeias normais, ou seja, não italianas, ainda existem muitíssimas pequenas lojas e mercados nos quais ou tem gente contratada trabalhando ou tem os membros da família se alternando nos turnos, o que é absolutamente normal, vamos combinar. Ninguém fechou nada e todo mundo trabalha e ganha o seu pãozinho. E o consumidor não fica desesperado procurando uma dúzia de ovos às dez da noite sem encontrar. Civilização é isso aí.
Hauhauahaua surreal.A Itália é mesmo um acidente na Europa…
Fiquei sabendo, não sei se fato ou folclore, que à época do Papa João Paulo II, que a federação das indústrias italiana queria mudar o regime de trabalho para semana corrida, para não ter que pagar hora extra para seus operários nos finais de semana. Com isso, reduziria o custo de produção e poderiam concorrer em melhores condições no mercado. O próprio Papa evitou que essa discussão chegasse ao parlamento, preocupado de ver as missas mais esvaziadas ainda. Então, do ponto vista da Igreja, faz sentido que todos da família almocem juntos. O liberalismo econômico é o Copérnico de hoje.
Sinceramente, não sei, Wilson, mas em se tratando da igreja tudo é possível.
… Respondendo à pergunta:
Não. Né não. A frase é “só tem tu, vai tu mermo”. Mas muita gente usa como “não tem tu, vai tu mermo” — que não faz muito sentido.
Agora, tem uma coisa que eu adorei na Europa e Euá que não tem aqui. Na Espanha, na Alemanha, no UK, em NY, todos os estabelecimentos têm o horário na porta de vidro de entrada. Lógico! Você vê de longe se está aberto; você dá com a cara mas tem a certeza de quando vai encontrar aberto, amanhã ou depois; você já entra sabendo a que horas fecha. Prático! Mas aqui não: tem que perguntar sempre “cês tão abertos até que horas?”
Mas horário de banco, arrêgo, heim. No Brasil eu já achava que abria tarde e fechava cedo (hoje em dia, 10 às 16), mas pelo menos são todos iguais. Já não-lembro-onde na Europa, que horror, só abre à tarde e por pouquíssimo tempo, tipo, 13 às 15. E você que se vire.
Hohoho eu sei, mas o legal da versão “não tem tu, vai tu mermo” é a aliteração ;)
Aqui na cidadezinha onde moro, que fica a 5km de Paris, é engraçado em agosto. Metade do comércio fecha, para o dono ir para o sul da França…Mas eles revezam, por exemplo, enquanto uma padaria fica fechada, a outra fica aberta e assim vai. Pq francês ficar sem a baguete é uma heresia hehhehe
Aqui as padarias não fazem pão aos domingos 8-O
Nossa que bom que vc continua escrevendo Leticia, eu sigo o blog desde antes da sua filha nascer, curto muito, adoro seus posts.
Brigada :)
Cara, a Itália é surreal…aqui (Berlim), se preciso ir a um banco, eles ficam abertos até às 17:30, e acho que tem um dia da semana que abrem até às 19, 20 horas, sei lá, tarde. Mas quase não preciso ir, porque faço minhas transações pela internet – quando será que essa “novidade” vai pegar aí? rs.
E essa de querer almoçar todo mundo junto, no domingo vá lá, mas todo dia?
O site do meu banco “fecha” das 23:00 às 6:00, que tal?
Ahhhh, já tens comentários: maravilhoso!!!
“Lembro que uma vez, comentando com alguém a estupidez do BANCO fechar na hora do almoço, esse alguém me respondeu que os bancários também têm direito a almoçar.” – sim, isto fazia-me imensa impressão lá em Itália também. Principalmente porque encerrava a uma história estúpida, tipo 13h15 ou 13h45 e depois reabria às 15h00 para fechar às 15h30. Lembro-me que nunca acertei com os horários dos bancos…achava a coisa mais ridícula de sempre. Mas eles ainda acham que têm razão. :)
Rafinha querida! :) Os horários de abertura e fechamento dos bancos são tão doidos que eu tenho anotados na agenda todos certinhos, um horário pra cada banco. Coisa mais prática, néam! Beijos!