você é o que você fala?

Eu estou longe do Rio desde 2002, como vocês estão carecas de saber. A julgar pela quantidade de posts banzo-related, vocês também estão carecas de saber que ser carioca faz parte da minha identidade, embora eu não me identifique diretamente com uma porção de características tipicamente cariocas. Mas meu humor é carioca; minha abertura e cara de pau pra falar com todo mundo, em qualquer lugar, também. Meu sotaque é carioca e quando eu falo “boa tarde” ao telefone e imediatamente me perguntam se eu sou do Rio, uma bolha de orgulho cresce ao meu redor como um campo de força e joga um sprayzinho de felicidade na minha cara, me deixando meio abobada por toda a duração da conversa.

O problema, se é que de problema se trata, é que desde que vim morar em Curitiba, meu contato com o sotaque carioca é quase zero, resumindo-se ao meu irmão e à minha mãe. Então o que acontece é que eu, não estando obviamente em situação de objetividade pra avaliar, não sei mais que português eu falo. Ainda me identificam como carioca, todos (pelo menos todos que algum dia assistiram a alguma novela da Globo que se passa no Leblon, com várias Helenas), mas eu uso a Carol como sotacômetro, já que ela fala carioquês comigo (ai dela se não) e curitibano na escola e com os amigos. E o carioquês dela é beeeem suave.

Quando amigos do Rio mandam áudio pelo WhatsApp, eu fico me perguntando se eu falo assim também. Quando eu ouço o podcast Lado B do Rio, que por sinal recomendo fortemente, fico em altas autoanálises pra saber se meu jeito de falar se afastou muito do que eles falam. Agora estou aqui, sorrindo bestamente desde o início do desfile na Sapucaí, mais ainda quando o comentador fala de um arco de sei lá o quê que está no Jardim Botânico do Rio, quase chorando, vendo as entrevistas com o pessoal da escola e achando o sotaque TÃO puxado que parece caricato, e me pego perguntando pros meus botões o que acontece quando a gente perde o próprio sotaque.

Porque se o sotaque é parte fundamental da sua identidade, o que acontece quando ele vai se dissolvendo? Uma parte da gente some junto? Tá, todo mundo sabe que quando a gente migra, ganha uma espécie de persona diferente pra cada país onde mora – e há quem diga que o mesmo acontece pra cada língua em que somos fluentes (a minha voz certamente muda quando mudo de língua, mas não tenho objetividade suficiente pra notar diferenças no jeito de raciocinar). O sumiço do sotaque é uma lenta dissolução do meu eu original? Com mais dez anos fora do Rio, vou começar a falar como? O que vai sobrar do Rio em mim? Quanto da minha carioquice manca vou conseguir passar pra Carol, if at all? E que consequências isso tem na minha vida, na dela?

E por que diabos estou pensando nisso tudo agora, em vez de curtir o desfile como se estivesse vendo um Fla x Flu no Maraca, comentando em voz alta, reclamando, elogiando, me indignando, como costumo fazer? Fica aí o questionamento.

(TEM QUE ACABAR O QUESTIONAMENTO!)

10 ideias sobre “você é o que você fala?

  1. como especialista em educação que sou, me pergunto : como é que uma criança que esta sendo alfabetizada, escreve a palavra MESMO ????
    ela ouve MERMO !!!!
    como vc se saiu com esta questão quando foi alfabetizada no RJ
    beijão Leticia, te acompanha desde a época da Italia, antes do seu casamento e do nascimento da sua filha
    vc é uma pessoa muito especial
    carioca, mas especial kkkkkk
    Da paulista que fala PORTA e não PORRRRTA
    kkkkk

    • Maria Cecilia , tambem suo carioca . Vou dizer algo com tanto afeto: acho que paulista diz porlta ou seja, depois da erre sai um espécie de som que parece um L . Pelo resto estamos na mesma raia:somos fans da Pacamanca já daquele tempo do salames de javali. Saudações.

      • Pela primeira vez, com 67 anos, após seu comentário, falei PORTA, e verifiquei que vc tem razão : saí PORLTA kkkkkkk

  2. Que show quando você escreve aqui!!!!Olá Leticia,
    Pará fazer tradução para o tribunal, precisa ir na Camera de Commercio da cidade e pagando 200€ fazer uma inscrição e depois ir no tribunal para inserir o nome no albo. E aguardar as chamadas. Achei bem caro, pois pode acontecer que em uma cidade do interior do Zaire italiano não tenha nenhuma chamada por anos.
    Saudações,
    Bom final de verão curitibano.

    • Me intrometendo na conversa, quando morei em 2003 em Treviso, a pessoa ,dona da casa onde morei, era Tradutora inscrita , porém, o que saia das traduções dela eu não imagino (!?). E, como Tbem fiz direito, a esperta começou a pegar contratos jurídicos pra tradução, e me passava o serviço. Só que $$$, não vi nada. O problema de determinadas traduções, é a especialidade dos mesmos.
      Abraços

  3. Oi, Letícia!

    Olha aí de novo a anônima mala que escreve comentários quilométricos e sugeriu o post da dança! Está bombando até hoje, né? Quero minha participação nos lucros. Que maravilha ter escrito de novo! Espero que 2018 tenha começado bem pra você.

    Você, definitivamente, tem sotaque – sutáqui, aliás. :-) Ouvi nos podcasts. É assim que falo também (não sou carioca, mas venho dos surroundings). Entonces: para mim, o sotaque carioca é só a parte mais visível do way of life carioca, que é uma parada muito mais profunda. Você até tira o carioca do Rio, mas não tira o Rio do carioca.

    Também vale para outras regiões, né? Depois de décadas do local onde viveu até a adolescência, o sotaque da minha mãe está mais diluído que homeopatia. Mas ela é daquele local, é inegável. Ela tem um humor muito característico. Além desse humor, eu acabei herdando um vocabulário muito específico (sobretudo para comida e objetos), alguns ditados etc. Suspeito que o mesmo vá acontecer com a Carol, cidadã do mundo.

    Eu também me mudei ao longo dos anos e, com essas mudanças, meu sutáqui ficou mais relax. Mesmo assim, geral continua sendo uma parada, continuo ficando bolada quando o bagulho é sinistro (ou tenso), continuo achando que é muito mané todo aquele que é gente boa, mas vacila. Tudo o que é muito maneiro continua sendo irado. Eu (não) vou pra night, dou o pé, pago mico, como no podrão. Falo mais “caraca” do que gostaria.

    Mas o mais importante, que me define para além do sotaque: para onde eu vou, levo comigo o Mário. Que Mário? Ah, Mário! Amor eterno, amor verdadeiro.

    Abraço,
    L.

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