Oi! Estou aqui no trabalho da minha mãe, aproveitando a internet. Eu deveria estar no centro resolvendo umas coisinhas básicas, mas desde ontem estou com uma enxaqueca, coisa que eu nunca tive na vida, que está me dando vontade de chorar.
[Detalhe: tem microondas aqui no escritório e acabaram de fazer pipoca. Surreal.]
Mas comecemos do começo.
A viagem foi OK. Sexta almoçamos pesce na Arianna e dali fomos correndo pra estação, que fica pertinho. Meu trem pra Roma Termini saiu às 14:07, não sem os habituais 5 minutos de atraso, claro. Não sei por qual motivo o trem não era aquele compriiiiido que normalmente é usado pra ir a Roma ou Firenze, porque o movimento de passageiros é grande. Era um trem de só três vagões, um bem velhão mesmo, igual ao que eu pegava quando malhava em Perugia e voltava pra Assis com o trem das nove da noite, cheio dos senegaleses que moram em Perugia e trabalham na fundição em S. Maria. Mas esse pra Roma estava entupido era de chineses. A cada dois minutos um chinês levantava e ia ao banheiro, pra voltar logo depois. Fiquei intrigada, mas não tive coragem de perguntar. Depois pensei no que a Cora relatou depois da sua viagem por aquelas bandas, que os chineses não acham muito legal reter fluidos no organismo, e por isso quando vem a vontade de escarrar, escarram, onde quer que estejam. Não tem outra explicação. TODA HORA um chinês levantava pra ir ao banheiro; a única outra explicação possível seria uma incontinência urinária coletiva que obriga suas vítimas a mijar em dois segundos e voltar correndo pro seu assento no trem. Não, não, eles iam era escarrar mesmo, coisa de segundos, não precisa nem de concentração nem de inspiração literária, ao contrário da necessidade fisiológica número dois.
Chegamos em Roma atrasados e lá fui eu atravessar a estação inteeeeira empurrando o carrinho com as malas, porque os trens que vêm da Umbria descem na plataforma 1 e a navetta pro aeroporto sai da plataforma 26 – diametralmente oposta, claro. Cheguei no último minuto, esbaforida como sempre, e felizmente consegui lugar pra sentar, mas minhas malas ficaram no meio do corredor mesmo, atrapalhando, porque realmente não tinha outro lugar pra botá-las. E chegando no aeroporto foi tudo muito light.
De Roma a Madrid voei de AirEuropa, uma companhia… espanhola. Ai meus sais, a viagem inteira ouvindo aquela gente falando aquela língua medonha… Desço no aeroporto de Madrid, que é imenso e muito bonito (pelo menos a parte que parece ser ou mais nova ou reformada há pouco tempo), e tenho que dar a volta toda outra vez, porque novamente eu desci no terminal, sei lá, F, e meu vôo saía do terminal B. Fiz um check-in tabajara num balcão no meio de um corredor, notei que é permitido fumar em certas zonas do aeroporto, que obviamente ninguém respeita, e continuei até o portão B8, onde fui chamada pelo microfone pra fazer um novo cartão de embarque, não-tabajara. O vôo saiu no horário, mas era um vôo da Varig… Operado pela Pluna. Companhia uruguaia. O que significa DEZ HORAS CERCADA DE GENTE FALANDO ESPANHOL. Juro, achei que fosse morrer. Ao meu lado, no corredor, uma senhora simpática de 76 anos que nasceu na Itália mas morou 55 anos na Argentina e agora mora na Espanha, onde vivem seus dois filhos, há 14 anos. A velhinha era um amor, mas eu não consigo ouvir espanhol por mais de 10 segundos sem me irritar seriamente, e ela obviamente praticamente não falava mais nada de italiano. Pior: eu com fone no ouvido, vendo Shrek 2, e ela querendo conversar! Pelo menos consegui dormir depois do filme, embora tenha acordado várias vezes, até porque rolou um pouco de turbulência.
Os uruguaios são bonitos! As comissárias altas, elegantes, de traços finos e andar elegante. Uma era linda estilo Miss, de verdade. Pena que fala aquela língua hedionda. Quando abre a boca pra perguntar se você quer pollo, com aquele som do LL que não é nem L nem J, mas algo inbetween, imagino que broxante não deve ser pra um homem de bom senso, que, como eu, acha até swahili mais bonito que espanhol. E tinha um comissário que era UM-PI-TÉU, uma coisa de louco! Alto, aloirado, um nariz ma-ga-vi-lho-so. Só precisava lavar os cabelos, mas enfim, vai ver que não deu tempo de tomar banho antes de viajar, né…
A comida: até notei uma certa boa vontade, pois o frango era ao curry com arroz branco, e havia também a opção por massa, que eu escolhi sem pestanejar. Eram cappelletti com recheio de ricota e espinafre, até gostosinhos (eu ADORO comida de avião), mas com molho de… PIMENTÃO. O arroz do frango também tinha pimentão, a minha vizinha comeu e eu vi. Eu tenho verdadeiro horror a pimentão. E honestamente nunca ouvi falar de pimentão combinando bem com massa de recheio leve como ricota e espinafre. Mas enfim, a gente encara de tudo nessa vida quando a fome bate, e comi numa boa – ou quase. Tinha até pãozinho quentinho com Polenghinho, diliça.
Cheguei ao Rio às cinco e meia da manhã e foi só botar o pé no aeroporto e ver a cara das caça-gringos que tinham descido do vôo de Frankfurt pra querer me esconder no trem de pouso do avião da Pluna e voltar correndo pro interior do Haiti. Socorro! A próxima vez que alguém vier dizer que acha brasileiro bonito eu vou mandar dar um pulo no Galeão. Ou então ver o DVD do casamento da FeRnanda, que também foi assustador em alguns momentos.
Como madrugada não é o melhor momento do dia pra passear na Linha Vermelha, minha mãe chegou com minha avó lá pras seis e meia. Cheguei em casa, tirei toda aquela comida das malas, tricotamos um pouco, tomamos café da manhã (pão francês com requeijão e peito de peru defumado, leite com Toddy e duas bananas pratas deliciosas), tomei banho e capotei na cama. Acordei pra almoçar (filé mignon assado no forno com bacon, salada de legumes, arroz e feijão manteiga) e fiquei alternando sono e Sony até umas cinco da tarde, quando fomos ao cabeleireiro em Copacabana alisar a juba e fazer as patas.
Às sete rolou o casamento da Dani, irmã da minha amigona Mari, que estudou comigo desde o Jardim 11, no Andrews. Foi na capela da UFRJ da Praia Vermelha e estava tudo lindo. Eu tava com um tailleur da minha mãe que cheirava a naftalina, porque a viagem foi tão corrida que não deu tempo de arrumar coisa melhor. Vi muitas caras conhecidas do Andrews e encontrei Briza e Patricia; a Briza estudava em outra turma mas a gente tinha amigas em comum, mas mesmo assim me surpreendi dela ter me reconhecido imediatamente, e a Patricia também estudou comigo a vida inteira e é uma figura. Fui com ela e o namorado pra festa, no Rio Vista, lá no alto da torre do Rio Sul (onde um dia foi o Maxim’s). Eu nem lembrava que existia aquilo lá, nem lembrava mais da vista deslumbrante. Me diverti horrores. A festa foi divina, dancei a noite inteira com gente que eu não via há anos, bebi caipirinha e prosecco, dancei forró com o tio Morris, pai da noiva, tirei foto com Mari e o namorado Habib, mas em um certo ponto não agüentei mais e fui, de scarpins na mão e meia-calça rasgada nos pés, pegar o taxi pra voltar pra casa. Lembro de bater altos papos com o motorista do taxi, mas não lembro sobre o quê e também não lembro a que horas cheguei em casa. Dormi feito uma pedra mas acordei ontem às oito da manhã.
Tomei meu café, li jornal, encarei uma verdadeira maratona Sony, almocei, dormimos até umas quatro da tarde, e foi nessa hora que a dor de cabeça atacou. Não venham me dizer que é ressaca porque se fosse o caso eu já teria acordado de manhã me sentindo a última das criaturas, e não foi nada disso. Sei que mesmo com a cabeça explodindo pentelhei minha mãe e fomos à Primavera dos Livros, no Jóquei. Conseguimos encontrar a Newlands, batemos um papo, comprei mil livros (nenhum da minha lista, hohoho) mas não dava mais pra mim. Voltamos pra casa, jantamos um risotto ai funghi porcini da Coop que eu trouxe, fiz um bolo de chocolate de caixinha pros amigos do meu irmão, que tavam lá em casa jogando RPG, batemos papo com eles, e antes das dez e meia eu já tava roncando outra vez.
Hoje ainda tive forças pra descer ao play e fazer meia hora de esteira e meia de ergométrica na sala de ginástica. Depois saímos pro Itaú do Rio Sul pra resolver o lance do meu cartão, que bloqueou-se todo depois que eu errei a senha da internet três vezes, e viemos pra cá. Não pretendo fazer mais nada hoje além de dormir e ver TV. Estou péssima.
***
Tudo é muito estranho ainda. As placas dos carros parecem minúsculas perto das italianas, bem maiores. As ruas fedem e são imundas. Eu tinha esquecido da feiúra das pessoas, da miséria constante, do trânsito enlouquecedor, a ponto de botar o de Napoli no chinelo, do carro velho da minha mãe, do gosto da água do filtro de barro, do toque do telefone da cozinha. Esqueci onde ficam os talheres, os lençóis, as calcinhas, embora nada disso tenha sido mudado de lugar desde que fui embora. A chave roda fácil na fechadura da porta da cozinha, ao contrário da nossa em Bastia, que é dura feito pedra. A geladeira está recheada de coisas que eu não via há dois anos e meio. As gavetas têm dimensões diferentes, as camas são mais estreitas, a paisagem deixou de ser familiar, o quadro com o poster do TinTin que o japa me deu eu nem lembrava mais que tinha, meus livros estão espalhadas pela casa porque minha mãe está reorganizando a estante, há prédios novos na rua e mais um subindo na rua sem saída atrás de casa, o computador do meu irmão tem a tela tãaaaao pequena, há cadeiras novas na sala, a revista de domingo do Globo eu não sabia que existia, o feijão com arroz não são tão gostosos quanto eu lembrava, ainda não me reacostumei ao carioquês falado ao meu redor, me faltam palavras pra descrever tanta coisa. Estou numa realidade paralela. O que não é necessariamente bom.