Eu vivo falando que a TV italiana é uma merda, e é mesmo. Mas de vez em quando nos brinda com coisas muito bonitas e interessantes.
Nesse momento estou de olhos semicerrados, destruída pela enxaqueca que parece que virou mesmo coisa crônica, mas mesmo assim estou me esforçando pra assistir ao segundo e último capitulo da microssérie sobre Paolo Borsellino, juiz da comissão anti-máfia que foi assassinado, obviamente pela máfia siciliana, em 92.
A primeira grande cena que eu vi, ontem, foi num tribunal. Um capanga de um mafioso foi solto, mesmo com claras provas de que ele tinha assassinado um policial. Em pé, Borsellino e seu irmão, Falcone e um outro figurão da equipe trocam olhares. Um deles, não lembro qual, diz:
– Ora siamo veramente soli.
Borsellino não foi o primeiro da sua equipe a morrer. Houve vários atentados anteriores, matando policiais, assistentes, o tal irmão, que trabalhava com ele. Depois foi a vez de Falcone, juiz seu amigo, que logo depois de sua secreta nomeação como superprocurador anti-máfia, foi brutalmente explodido numa ponte em Palermo. Junto com ele morreram a esposa e toda a sua escolta 3 carros, no total, contando com o dele. Misturados às cenas da série foram colocados trechos reais da chegada da polícia ao local do atentado e do enterro. A mulher de um dos policiais mortos falando ao público na igreja durante o funeral é uma das coisas mais tristes que eu já vi na minha vida. Não é a primeira vez que vejo essas cenas; volta e meia, quando a máfia começa a se empolgar e a aparecer muito lá no sul, o assunto Falcone-Borsellino volta à tona e o discurso emocionado, desesperado, angustiado, exausto da viúva do policial sempre aparece. E sempre dá aquele aperto no peito, todas as vezes. Quando o assunto é Falcone ou Borsellino, o pessoal aqui fala com muita reverência. São personagens muito amados na recente história do país. A coragem desses homens, que enfrentaram peixes muito, mas muito grandes na tentativa de pôr fim ao dominio da máfia sicialiana, é de impressionar. O sofrimento de suas famílias, idem. A filha de Borsellino, de tão estressada por ter que andar sempre escoltada e com medo de morrer e/ou perder alguém querido, simplesmente parou de comer.
O ator que faz o papel de Borsellino, cujo nome esqueci, é muito talentoso. A cena dele andando pelas ruas sujas de Palermo, debaixo de chuva forte, depois do enterro de Falcone, é tocante. A cara daquele filho da puta do Andreotti, mais rabo preso impossível e mesmo assim senador vitalício e infelizmente vivo até hoje, sentado na primeira fila no funeral, também.
Borsellino foi assassinado tipo menos de dois meses depois de Falconi. Em um certo sentido, a ousadia dos mafiosos não está muito longe daquela dos traficantes cariocas, que mandam fechar as lojas da Visconde de Pirajá e todo mundo obedece. E são tão inatingíveis que o único que permaneceu vivo de toda a equipe de Falcone e Borsellino declarou publicamente, depois dos dois atentados, que simplesmente desistia desse trabalho porque estava só arriscando a sua vida e a da família, e sabia que nada iria acontecer aos chefões, nunca. E é verdade.
Hoje mais três cadáveres foram encontrados em Nápolis. Claramente há uma guerra séria entre clãs mafiosos na cidade. O triste é que não há mais Borsellinos ou Falcones sequer pra começar a investigar a coisa.
update: A Luciana gentilmente me informou que não é FalconI mas FalconE, que a mulher que fala no funeral é a esposa de um dos policiais mortos e não a viuva do juiz, e que existe uma fundação Falcone, a quem interessar. Brigada, Lu!