Feriado nacional hoje; é la festa della Madonna pelo que eu entendi, já que não me interesso nem remotamente por esses assuntos religiosos, é o equivalente ao nosso 12 de outubro. Na praça em frente à basílica de Santa Maria degli Angeli, já há um certo tempo foi colocado um negócio imenso de ferro que eu não me interessei em saber o que é, mas parece um cálice; é bonito, o ferro é todo trabalhado e há sempre flores frescas como decoração (não vou nem comentar que nada disso sai dos bolsos da igreja, porque seria redundante). Não sei quando foi colocado lá; não presto atenção a essas coisas, mas sei que o período entre a colocação desse troço na praça e o dia 8 de dezembro é chamado de “mese Mariano”, ou mês de Maria. Ou pelo menos acho que é assim que funciona.
Enfim, esse foi o único feriado desse ano que não caiu no fim de semana, e quem pôde aproveitou pra enforcar (ou fazer o chamado “ponte”) e foi esquiar nas montanhas. Nós obviamente ficamos por aqui mesmo, levantamos tarde e fomos pra oficina porque o Mirco tinha que pintar umas peças que eram urgentes, pra hoje de manhã cedo. Eu varri o chão da oficina, manobrei a empilhadeira, e com o ancinho dei uma ajeitada no cascalho do pátio dos fundos, que com as chuvas intermináveis acabou ficando todo irregular. Almoçamos na Arianna, e depois passamos a tarde inteira cortando a maldita forma de parmesão e embalando os pedaços a vácuo. Voltamos pra casa pra tomar banho e tirar o cheiro de queijo e dali fomos pra casa do R., amigo do Mirco que tem, entre outras coisas, uma colina em Mora, uma fração de Assis. Era aniversário da namorada dele, a fadinha C., magra como um grissino, dona das sobrancelhas mais artificiais que eu já vi na minha vida e que tem os olhos quase um de cada lado da cabeça, como uma coruja. É psicóloga e muito, mas muito cri-cri, mas o R. é um grande amigo e fomos lá marcar presença. Quem cozinhou foi a estranhíssima irmã do R., que é cozinheira e fotógrafa e já trabalhou em hotéis e restaurantes em lugares bizarros como Teneriffe e fotografa freqüentemente na África. Essa casa em Mora é uma villa maravilhosa, com piscina coberta e aquecida com teto que se abre no verão, um bosque delicioso e várias casinhas espalhadas pela colina. A mais usada é a casa del maiale (casa do porco), que tem esse nome porque uma metade da casa é reservada aos porcos que o pai, industrial milionário mas filho de açougueiro, compra ainda leitões, engorda, abate e faz lingüiça, salame, presunto e todas as outras mil coisas que se fazem com todas as partes do porco. Na outra metade há uma lareira elooooooooorme, pia, armários, mesas e um sofá; há porcos de cerâmica, plástico, vidro, pintados em pratos, nos panos de prato, no pegador de panela. No andar de cima há um terraço com uma vista linda do vale lá embaixo, e é onde o R. faz as suas famosas festas de aniversário, todo ano.
Quando chegamos R. estava acendendo as velinhas da IKEA na mesona que ficou depois que quatro mesas quadradas foram juntadas. A irmã tava botando pedaços de pão pra bronzear na brasa, pra fazer bruschetta; a outra irmã, caladona mas com olhos e ouvidos que não perdem na-da, brincava com os dois cachorros, Ercole e Scotti. Uma gatinha bebê miava lá fora, na janela, e dava patadas no vidro, mas quando abri ela não quis entrar, com medo do banana do Ercole, que abanava o rabo feito um louco, doido pra brincar com a bichinha. Mais tarde foram chegando os outros convidados, que nós não conhecíamos; eu sentei perto do fogo porque sou friorenta, e acabei batendo papo a noite toda com um casal muito simpático e esperto. Francesca é de Foligno e tem aquele sotaque engraçado deles, que tem um quê de romano; é formada em Filosofia e estudou um ano em Londres. O namorado, Stefano, é advogado, como o pai, famoso aqui na área, e morou em NY e em Madrid. Nunca conheci gente tão cosmopolita aqui no vale, fiquei pasma! Batemos um papo ótimo, troquei receitas com a irmã do R., expliquei que o que ela comeu num restaurante brasileiro em Rimini não foi farofa mas farinha de mandioca crua com feijão, e que essa farinha ela acha em Perugia, numa loja de queijos e produtos gastronômicos esquisitos na escadaria de S. Ercolano. Todo mundo deu livro de presente pra chatinha; eu dei Alta Fedeltà (ui), do Nick Hornby, já que não tenho a menor intimidade com ela e não conheço seus gostos. Digamos que vai ser um termômetro: se ela não vier depois comentar que achou graça, já vai cair mais ainda no meu conceito.
Enfim, detonamos juntos (éramos 12) cinco garrafas de um excelente Brunello de 1998 (pena, a melhor safra do último século foi a de 97), brincamos com os cachorros, e a festa terminou com a gatinha passeando sobre a mesa e comendo restos de bolo dos pratos. All in all, foi ótimo; agora infelizmente vai ser necessário aturar a chatinha outra vez se quisermos convidar Francesca e Stefano pra jantar, já que são amigos do R. e por isso temos que convidar todos juntos. Mas vai valer a pena; a chatinha é chatinha porque é boring, e não porque incomoda. Afinal de contas, no pain, no gain, né não?