Ontem, estranhamente, acordei com disposição e vontade de ir correr. Talvez porque o dia tenha amanhecido lindo, de céu azul, ar frio mas suportável (dez graus), seco. Eram nove e pouco quando desci, de calça de moletom, camisa de manga comprida e um moletom verde-escuro do Mickey. Virei à direita, passando em frente ao bar onde o Fabrizio o Louco vai passar o tempo depois do jantar, pra não ter que aturar a mulher insuportável e tão graciosa quanto um tanque de guerra. A minha rua, depois do bar, acaba na via Sofia (em Bastia, como em muitas outras cidades da Itália, muitas ruas têm nome de cidades ou países). Virando à esquerda caio na via Cipresso, que depois vira via Torgianese, porque vai a Torgiano. Virando à direita, vamos parar numa das muitas estradas di campagna que há por aqui estradinhas de roça mesmo, que passam por entre os campos, não são iluminadas nem têm acostamento e só exibem umas poucas casas, aqui e ali. Virando à direita vou na direção da fábrica de biscoitos Colussi, em Petrignano; à esquerda eventualmente vou parar numa paralela à superstrada que leva a Perugia. Faço sempre esse caminho pra ir trabalhar, porque essa paralela nunca tem engarrafamento, ao contrário da superstrada. Quando vou correr, em vez de pegar o pedaço de estrada que vai cair nessa paralela, vou pro outro lado, e quando a rua termina, em vez de virar à direita e ir subindo a colina onde fica Brufa, viro à esquerda, basicamente dando a volta no aglomerado de prédios baixos e casas onde moro e chegando em casa pelo lado oposto de onde eu parti.
Qual não foi a minha surpresa quando, ao chegar na via Sofia, dei de cara com uma cabeçada que corria na direção da via Cipresso. Eu tinha visto as faixas anunciando a competição de podistica non competitiva (leia-se corrida) nas ruas de Bastia, mas não tinha ligado o nome à pessoa, por assim dizer. Pois então; em frente a uma casa onde mora um yorkshire pentelho que sempre late quando eu passo foi montada uma mesa, onde três aposentados enchiam copinhos de plástico com água mineral ou chá gelado, e cortavam laranjas em fatias finas pra distribuir aos corredores que passavam. O chão estava cheio de copinhos vazios, o que dava um ar levemente sério à corrida, tipo, o corredor está disputando uma prova séria, por isso não pode parar pra jogar o copo vazio na lata de lixo. Ha ha ha. Tinha de tudo nessa corrida: gente velha, adolescente, gente com roupa coladinha, gente de touca de lã, gente de bermuda, gente que corre quase andando, gente que acha que tá correndo a maratona de NY. No final de toda essa gente, um barrigudo com um labrador amarelo, com dezoito metros de língua de fora. Passam dois caras de faixa na testa (existe coisa mais anos 80 do que faixa na testa?) e óculos escuros, e brincam comigo, dizendo que a corrida é na outra direção. Eu dou uma risada, boto os headphones nos zovidos e vou em frente.
Meu fôlego, não é de surpreender, foi pras cucuias. O percurso que antes eu fazia com o pé nas costas agora peno pra fazer até a metade. O ar gelado queimando as vias aéreas não ajuda, devo admitir. Acho que não tenho pêlos suficientes no nariz pra aquecer o ar, então sinto dor mesmo, de verdade, quando o ar gelado entra com força na traquéia e desce pros pulmões. Sinto os alvéolos gritando, mamãe, mamãe, que porra de ar gelado é esse que você tá mandando pra cá? Tá de sacanagem, né? Os olhos lacrimejam, o nariz escorre. Lembro-me de que ODEIO correr no frio.
Outro problema é que deixei meu par de tênis mais novos no Rio. Anta. Esses que ficaram já estão velhos, as solas estão praticamente lisas, e pegaram tanto a forma do pés que esses afundam, as laterais ficam altas demais, e machucam os maléolos, principalmente o direito, onde ganhei um quelóide depois do tombo com o scooter.
Outro problema é que, recém-saída de uma crise enxaquecal, resolvi não sentir frio na cabeça e taquei um gorro horripilante do Mirco, cor de diarréia. Só que com o volume do gorro de lã os headphones não páram na cabeça, e toda hora desciam, indo parar em volta do meu pescoço.
Mas no final das contas vale sempre a pena; chego em casa com esperança de um dia deixar de ser gorda, e me sentindo cheia de energia.