Hoje, na televisão, o repórter pergunta ao padre como é possível continuar sendo cristão depois de uma catástrofe desse nível. Onde está Deus?, perguntam as letras brancas na tela, enquanto no fundo correm as imagens surreais das tsunamis cobrindo tudo. O padre não responde, lógico, que ele não é bobo, e imediatamente puxa o assunto pra outro lado, o lado de sempre: ah, a igreja estará sempre ao lado dos necessitados (engraçado, então o que o senhor ainda está fazendo aqui na Itália? Em vez de ficar dando entrevista, vai pra Tailândia abraçar os órfãos caterrentos, vai!), faremos de tudo pra ajudá-los, e esperamos em breve começar a reconstruir as igrejas.
PÁRA TUDO. Como assim, Bial? Zilhões de mortos, vivos que em breve morrerão esvaindo-se em diarréias coléricas e infecções bizarras e delírios de dengue, gente que não tem água pra beber nem comida pra comer nem casa pra morar nem hospital pra se tratar, e você vem me falar de RECONSTRUIR IGREJAS? Nojo, nojo, nojo, nojo, essa gente me dá vontade de vomitar. Se eu acreditasse em reencarnação, na próxima gostaria de ser uma médica sem fronteiras daquelas fodonas, assexuadas, de olhos azuis e bochechas coradas e dignos pés-de-galinha ao redor dos olhos, e com certeza andaria armada, fuzilando gente que fuma onde não é pra fumar e padres idiotas que fazem declarações desse tipo.
O nojo maior é que aqui tem a história do otto per mille: basicamente uma doação compulsória (e não deixe que o paradoxo dessa expressão lhe escape) de oito milésimos da sua renda anual, que ou vai pro governo (se você não marcar nada) ou vai pra igreja católica (se você marcar o quadradinho indicado). A igreja, aliás, todo ano passa comerciais na TV e no rádio pedindo o seu otto per mille. Se eu fosse o Serjão, diria: otto per mille de cu é rola.