O dia foi um mix balanceado de coisas boas e coisas chatas.
A manhã foi produtiva em termos de tradução, mas por outro lado o hominho que deveria ter vindo consertar a máquina de lavar roupa, que agora deu pra fazer escândalo durante a centrifugação, me deu o cano. Chovia sem parar, mas a temperatura subiu e não precisei deixar o aquecimento aceso.
Almocei massa curta saltata in padella com abobrinha e berinjela em cubinhos, deixei molho de tomate pronto pro Mirco e fui mais cedo à escola pra xerocar umas coisas pros meus alunos. A primeira aula era à uma da tarde, com os Três Mosqueteiros, mas a bendita fruta da turma não pôde vir, então me concentrei em corrigir o dever de casa dos meninos, tirar dúvidas e fazer uns exercícios do livro-texto que tratavam da Escócia um dos meninos é fissurado com a Escócia. Notei que estavam meio macambúzios e perguntei qual era o problema. O problema era que ontem eles tinham feito umas contas (são cunhados e amigos de infância e se vêem com freqüência) e notaram que a minha parte do curso com eles estava terminando. É que a política da escola é usar um professor não-madrelingua na primeira metade do curso, pra poder explicar a gramática em italiano, e um madrelingua pra segunda parte. Só que, queridos, em todas as vezes em que estive nos EUA e nos dois anos e tanto em que vendi vinho e javali a americanos ricos na loja do Fabrizio o Louco, nenhum americano jamais me perguntou de onde eu vinha. Aliás, sim, em duas situações: pra perguntar se eu era californiana, sabe-se lá por quê, ou então depois que me ouviam discutindo em italiano à velocidade da luz com aquela mala do Fabrizio, o que os levava a concluir que 1) eu não era italiana, porque italiano não fala inglês direito nem a porrada, e 2) não era americana, porque americano não fala bem italiano nem a porrada. E dali vinha a curiosidade. Por isso posso, absolutamente sem modéstia porque vocês sabem que eu não tenho dessas coisas, entrar na categoria native speaker, e os meninos, quando lhes disse que não eram obrigados a mudar de professor, foram logo depois da aula tentar falar com a lourinha que cuida dessas coisas, que estava fora mas depois ligaria pra eles. Resultado: não vamos mudar coisa nenhuma, vou dar mais 30 horas de aula pra eles, o que eu acho ótimo, porque são espertos, estudiosos, interessantes e engraçados e me divirto horrores com eles, e, melhor, me esforço realmente pra dar uma aula interessante, e faço com prazer. Sempre levo algum material extra pra eles lerem ou fazerem exercícios, recomendo filmes, livros, gramáticas e dicionários, e até hoje não houve nenhuma pergunta deles que eu não tenha sido capaz de responder. Como além de tudo isso sou muito engraçada e temos vários interesses em comum, diga ao povo que fico. Claro que a lourinha me deu a notícia mais tarde, na presença do chefe e da chefa da sede de Gubbio. Adoro quando ela faz isso. Esse tipo de coisa me dá o poder, por exemplo, de pedir pra ser paga sexta-feira dia 11, quando normalmente o pagamento é feito dia 15, mas como dia 15 já vou estar em Foz…
Às quatro e meia chegaram Burbone e Burbina, com quem também me divirto, embora também pene um pouco porque o pai não é exatamente talentoso em termos de pronúncia e a filha demora um pouco a aprender em relação ao pai, o que às vezes a irrita e faz com que ela perca a concentração. A coisa boa é que Burbone é médico do trabalho, e ontem finalmente consegui entender o que diabos é o raio do gelone, essa maldita dor no pé que todo inverno me maltrata horrivelmente. Aqui se fala muito de gelone, mas obviamente os camponeses não sabem do que se trata, e já ouvi as explicações mais absurdas. Sempre achei que fosse algo articular, porque a pele estica com o inchaço e fica brilhante e vermelha; se fosse algum problema só de pele, teria descamação, ou feridas, ou sei lá. E ele me explicou que realmente é uma inflamação articular, ou seja, uma artrite, parecida com a artrite reumatóide se vocês derem uma googlada vão entender o pé no saco que é. Coça, dói pra cacete, incha aliás, rubor, calor, tumor, dor, tá tudo lá. A boa notícia é que a pomada de corticóide que uso pro quelóide também serve pra artrite, o que significa que não preciso gastar mais dinheiro comprando remédio pra esse gelone, que ainda por cima é doença de pobre, que nem frieira, unheiro, essas coisas cafonas.
Enquanto esperava a Quarentona Estressada, que teve problemas no trabalho e no celular e não veio à aula nem pôde nos avisar, bati um papo a jato com um novo professor, um metido a gostosão enfiado num paletó risca-de-giz que acho que acabou de entrar na escola mas já tem a maior intimidade com todo mundo. Basicamente fizemos um acordo: ele vai me dar aula de francês, e eu a ele de português. Assim ninguém desembolsa nada e todos ficam contentes.
Também aproveitei o tempo livre pra começar mais um Camilleri da série do Montalbano, “La Voce del Violino”. Voltei mais cedo pra casa depois de esperar a Quarentona por 40 minutos, achei na internet o dicionário que eu tava querendo, vi que a porra do hotel não tinha respondido nada mas não quero nem saber e vou mandar entregar tudo lá mesmo e foda-se, fiz uma sopinha de legumes bobinha pro jantar, Mirco chegou dizendo que não íamos mais à festa do Roberto, felizmente, porque eu não tava com saco, sentamos no sofá pra ver C.S.I. que agora passa duas vezes por semana, quando começamos a bater cabeça fomos correndo pro quarto, e dormi com o Camilleri na mão e Grissom na TV, com o timer programado pra desligar em dez minutos porque eu não sou sócia da Light. Aliás, da Enel.