el calafate

Acordamos às cinco da manhã, nada de café porque o bar/restaurante colado ao hotel ainda não tinha aberto (mas já tinha gente esquentando as chapas e recolocando as cadeiras no lugar), às quinze pras seis o nosso bom velhinho taxista de Mendoza nos esperava na porta. Deixamos as malas maiores, com as roupas de verão, no novo hotel e fomos direto pro aeroporto internacional, o Ezeiza (e vou evitar comentários sobre esse nome ridículo). Mirco demorou mas finalmente chegou; tinha sido mandado pra esteira errada de bagagem, e pra fila errada do novo check-in, mas no final das contas tudo correu bem e às 7:50 partimos com o vôo 1892 com destino a El Calafate, já na Patagônia. No aeroporto de Calafate, que, se não me engano, tem menos de dois anos de vida e é superbonitinho, uma van nos esperava pra nos levar ao hotel. O hominho segurava um cartaz com nossos nomes, TODOS errados, menos o meu: Balducci virou Valducci, Baldan virou Valdan, e Gianni, que não tem B nem no nome e nem no sobrenome, virou outra coisa que não lembro.

O caminho até a cidade não é longo mas é esquisito: tudo muito desértico, em tons de cinza e marrom, aquele lago azul-anil (o Lago Argentino), as montanhas nevadas ao fundo. E cercas, muitas cercas. Mas o que diabo neguinho tanto cerca aqui, se não há nada? De vez em quando víamos cavalos e uma meia dúzia de ovelhas, nada que, na nossa cabeça, justificasse as cercas, mas vai entender. O motorista fazia o tipo antipaticão (devia ser porteño) e preferimos não perguntar nada.

O hotel era uma diliça. Novíssimo, quatro meses de vida. A casinha bonitinha tem dois andares: embaixo fica a recepção, a mini-cozinha e as mesinhas onde os hóspedes tomam o café da manhã. No andar de cima mora a dona da pousada, que tinha aquela simpatia profissional de quem sabe que tem que ser simpático pra poder faturar. Não preciso dizer que é porteña. A pousada tem um cachorro, que se chama Pasqual e é um amor. Milhões de outros cachorros circulam por essa parte da cidade, fora do centro, onde as ruas são de areia – não terra, areia mesmo. Os únicos quatro quartos da pousada ficam nessa construção com cara de estrebaria. Tudo novíssimo, lógico, de bom gosto, o aquecimento sai do chão e assim não ocupa espaço, tudo é limpo e cheiroso, o banheiro tem a maldita cortina de plástico e uma janelinha sem cortina que dá de frente pra um restaurante, mas com a água quente aberta o vapor embaça a vidraça e funciona como cortina. Tem TV a cabo, graças aos céus. Não tem armário, e sim um cabideiro aberto atrás da porta do quarto, mas ninguém fica aqui por muito tempo, por isso não teria sentido ter um armário propriamente dito.

Nós só deixamos as malas nos quartos e pedimos pra porteña chamar um rádio-táxi (que aqui se chama remis). Descemos até a cidade, que é charmosíssima, e no caminho vimos uma infinidade de novas construções brotando do chão, algumas casas, outras presumivelmente serão pousadas ou restaurantes, algumas são grandes mesmo e virarão mega-hotéis, já que pelo visto a Patagônia vai ser o grande must turístico dos próximos anos. Preço surreal do táxi, o primeiro de muitos que pegamos e, como TODOS os outros, com o pára-brisa rachado por causa das pedras que o vento joga: TRÊS PESOS. Menos de um euro. Dividido por quatro pessoas. Ho ho ho. A arquitetura é linda e me lembra cidadezinhas do interior da Noruega, sei lá, muita madeira, casas pequenas, de um andar só, com imensas vidraças e vasinhos de flores e plaquinhas de madeira e telhados fofinhos e cerquinhas ajeitadinhas. Um hotel em particular me deixou de boca aberta de tanto que é bubu, mas há vários, vários outros, sempre assim de madeira e tanto, tanto vidro. Lindos! À noite, iluminados por dentro, são escandalosamente bonitos e elegantes. As lojas são bonitinhas e cheias de coisas lindas pra comprar. Muitas vendem cafonices tipo roupas indígenas, artesanato em couro cru, essas coisas horrorosas que ripongas adoram, mas há muitas coisas bonitas. Há uma quantidade impressionante de cachorros nas ruas, muitos com coleira e medalhinha de identificação. Andam sozinhos ou se reúnem em grupos, mas não vimos nenhuma briga, só algumas “discussões em voz alta”, por assim dizer. Muito estranho.

Não tínhamos almoçado e eram duas da tarde, e saímos catando restaurantes pra almoçar. São muitos e todos com cara de limpinho; acabamos entrando no Mi Viejo, um restaurante bonitinho que exibia, como numa vitrine, quatro cordeiros pendurados cozinhando/defumando em torno de um braseiro. Estávamos todos loucos por uma parrilla, o bom e velho churrasco, e pedimos uma que o menu dizia ser suficiente pra seis pessoas. O garçom, eficiente e prestativo, trouxe a chapa fumegante à mesa, mas se aquilo ali dava pra seis pessoas, então são seis pessoas de Biafra com estômagos do tamanho de limões-galegos, desculpem o mau gosto. No final das contas alguns pedaços de carne eram ótimos, mas pra mim carne espetacular é carne que você come toda sem deixar nada no prato, sem precisar ficar roendo osso, lutando contra nervos e pedaços de gordura, mastigando por cinco minutos até conseguir engolir. As lingüiças eram horríveis. Mas a salada e o pirê de batata eram ótimos. O vinho local era muito xexelento, mas foi só pra provar mesmo, então tá de bom tamanho.

Voltamos pro hotel e paramos no albergue grande e envidraçado ao lado da nossa pousada. Era ali que inicialmente pretendíamos dormir, porque eles se chamam albergue mas também têm quartos de casal, mas estavam lotados. Muito gentilmente, foram eles que negociaram nossa hospedagem com a pousada ao lado, e também foram eles que nos venderam o passeio ao Perito Moreno, que vamos fazer amanhã. Descobrimos que o/a famoso/a Seba, com quem troquei vários e-mails, era O Seba, apelido de Sebastián, que estava em Buenos Aires mas deixou o irmão, Martín, e um outro porteño, Mariano, administrando o albergue. O Mariano morou no Rio e fala português, e, como todo mundo por aqui, usa Havaianas. O albergue é muito legal, os meninos são simpáticos (paraculos, mas simpáticos), a vista pro lago é maravilhosa. Batemos papo, discutimos o passeio ao parque de Torres del Paine, no Chile, aceitamos a sugestão de fazer o minitrekking no Perito Moreno, pagamos tudo e fomos à cidade jantar.

Os meninos tavam com desejo de comer pizza (…) e fomos pra um lugar pseudo-italiano. A pizza aqui vem, como no Brasil, entupida de mussarela vagaba e com quilos de orégano. A pizza italiana é espartana nos toppings e o orégano só vem se você pedir. Eu não tava com fome e não jantei, mas os meninos até que comeram a pizza sem reclamar. Sabendo que faríamos o tal minitrekking sobre a geleira no dia seguinte, saímos feito loucos pelas ruas tentando achar um par de luvas, que o Mirco esqueceu de trazer, e um gorro decente, que o Mirco esqueceu de trazer e eu não tenho porque odeio qualquer coisa que se ponha na cabeça. Acabamos achando tudo por preços meio turísticos, mas quando não tem tu, vai tu mermo. Também fizemos umas comprinhas num supermercado chamado La Anonima (…): pão, queijo, presunto, suco de laranja, guardanapos, tudo pra merenda de amanhã, já que ali no Parque Los Glaciares não há bares ou restaurantes e nós somos criaturas esfomeadas. Voltamos pra pousada em mais um táxi de pára-brisa rachado, sacolejando naquelas ruas de paralelepípedos, e fomos dormir.