novas aventuras burocráticas

Eu não queria muito contar essa história, mas não resisto: na terça-feira depois do meu aniversário, bati com o carro. Foi em Perugia; eu tava saindo do centro, depois de uma aula com o Aluno Endocrinologista, e pegando a superstrada pra voltar pra escola e dar aula pros Três Mosqueteiros. Alguma coisa entrou no meu olho, um bicho, sei lá, perdi o controle do carro, subi no canteiro central, bati nos pés da placa que mandava ficar na esquerda quem queria ir a Perugia, Assis, Foligno, e direita quem queria ir a Arezzo, dei um giro de 180 graus e parei. Como um pouco antes tem um sinal de trânsito, e ali tem muito movimento e o trânsito é sempre lento, não me machuquei, e o cara que vinha logo atrás de mim teve mais do que tempo pra perceber o que tava acontecendo e meter o pé no freio. Comigo não aconteceu bissolutamente nada, só bati com a mão esquerda na porta (muito menos grave do que as topadas que eu vivo dando por aí), mas o carro ficou completamente detonado. Não porque a batida tenha sido violenta, mas porque a Fiat é mal feita pra cacete e quando subi no canteiro a parte inferior direita foi pras cucuias. O carro já tava velho, valia pouco, e não vale a pena consertar. Então peguei a Uno da oficina.

Mas tudo isso, que no final das contas não interessa muito, pra explicar a maratona que veio depois. Porque quando o seu carro sobe no telhado você tem que se desfazer dele de alguma maneira. Ou então juntar toda uma papelada e comunicar às autoridades competentes que o carro não vai ser mandado pra um ferro-velho autorizado, mas também não vai ficar abandonado no seu quintal, pegando chuva e funcionando como ponto de encontro pra ratos, insetos e afins. Porque é proibido, entende. Então você tem que ir ao P.R.A. (Pubblico Registro di Automobili), que é maaaaais ou menos como o Detran, levar as placas e os documentos do carro e mais um monte de chatices, e declarar o que você vai fazer com ele.

O problema é que todo mundo anda muito ocupado ultimamente, e não tivemos tempo de investigar direito o que tínhamos que fazer. O IPVA vencia amanhã, e a mulherzinha do Automobile Club Italiano me disse que tínhamos que entregar as placas antes do dia 30 pra não ter que pagar o imposto. Mas não falou nada dessa coisa da rotamazione (a destruição do carro), de ser obrigatório mandar o bicho pra um ferro-velho, nem de coisa nenhuma. Quando liguei pra central do ACI me disseram que se eu declarar que o carro ficar na minha garagem, não posso nem vender as peças, porque se vier um fiscal checar eu levo uma multa. Ora, o carro está em perfeito estado fora a parte batida, e afinal de contas a oficina não é especializada em carros mas sempre rola algum amigo que deu uma batidinha, ou então quebraram um farol, ou arranharam a lateral, ou uma pedrinha que rachou o vidro, e ter peças de reposição do carro mais vendido na Itália não seria nada mau. Mas não, jacaré, não pode. Ligamos pra todos os donos de ferro-velho da zona, todos clientes da oficina, e todos disseram a mesma coisa: quero o carro inteiro, senão pra mim não vale a pena, porque eu vivo é de vender as peças. Cacetes tatuados! A manhã passando e eu ainda na oficina, ouvindo o Mirco e o Ettore se esgoelando no telefone tentando entender o que fazer. No fim das contas alguma alma caridosa explicou que se eu fosse ao ACI pagaria 60 euros, e se fosse diretamente ao P.R.A., só a metade, e eles ainda saberiam explicar melhor a coisa toda. Essa alma caridosa já foi dono de ferro-velho, mas agora tem uma outra atividade que não sei qual é, mas de qualquer maneira se prontificou a resolver a situação – normalmente o ferro-velho COBRA pra fazer a rotamazione, e ainda por cima revende as peças do seu carro batido; esse não cobrou nada mas ficou com o carro. Tudo resolvido, lá fui eu ao P.R.A., onde já estivera outras vezes, pra entregar as placas.

Chegando lá, com procuração do Mirco e quinhentos documentos xerocados, me dizem que não posso fazer nada porque não sou a proprietária. Eram dez e meia da manhã e um cartaz avisava que em vez de fechar ao meio-dia e meia, ontem fechavam uma hora antes, por motivo de assembléia do pessoal. Fiquei sem saber o que fazer, expliquei pra mulher, que por sorte é muito prestativa, que tinha que resolver a coisa ali na hora senão teria que pagar IPVA tudo de novo, que o proprietário do carro estava rodando ali em Perugia (mentira) e eu poderia encontrar com ele e dar os documentos pra ele assinar (leia-se eu iria ficar fazendo hora sentada no meu carro e fazer um rabisco qualquer imitando a assinatura do Mirco), que do escritório da oficina poderiam mandar por fax uma xerox da identidade do Mirco, mas nada feito. Só faltei chorar através do vidro, até que um outro funcionário resolveu chamar o chefe, explicou a situação, e ficou resolvido que eu poderia fazer a coisa toda sim, desde que assinasse um certificado de proprietaria non intestataria, ou seja, que eu uso (usava…) o carro direto mesmo ele não sendo oficialmente meu. Agora me diz: por que raios todos os funcionários de uma repartição pública não têm as mesmas informações? Por que essa mania de cada um dizer uma coisa diferente? Ô coisa chata!

Felizmente consegui entregar e preencher e assinar tudo antes das onze e meia, senti uma pontada de tristeza ao ver as plaquinhas da nossa Punto querida jogadas ali em meio a muitas outras, e depois pra compensar fui direto pra Libreria Grande gastar meu gift certificate. Comprei Middlesex (Jeffrey Eugenides, o autor de Virgin Suicides), The Kite Runner (Khaled Hosseini), e o primeiro livro da série The No. 1 Ladies’ Detective Agency, de Alexander McCall Smith. E pronto.