érre agá

O menino que tinha vindo aqui por umas semanas pra ver se dava conta do recado de ser secretário da oficina acabou se mandando. Foi contratado full-time pela empresa onde já tinha trabalhado ilegalmente antes, e resolveu ficar por lá mesmo, vendendo televisão e DVD. E com isso novamente mandamos pedido de secretários pro centro do emprego de Bastia. Por incrível que pareça, a senhora que comanda o batatal por lá trabalha muito bem. É sempre disponível, segue de perto os donos dos CVs que recebe, liga pras empresas que botaram anúncio pra saber como andam as coisas.

O problema é que só chegam salames.

Segunda-feira chegou um de Santa Maria, mas vestido como um bastiolo, todo gostosão, cinto Dolce & Gabbana, sapatos Prada, jeans Moschino (tudo com etiquetas e logomarcas enormes, claro), quilos de gel no cabelo, sobrancelhas feitas e um jeito de caminhar que ele deve ter levado algumas boas semanas pra desenvolver em frente ao espelho. Vinte anos e nada na cabeça. Parecia muito imaturo mas não necessariamente retardado, e combinamos que ele viria no dia seguinte às oito pra fazer uns dias de prova. Na tua oficina, ele veio? Nem na nossa.

Depois veio uma balzaca daquelas que ainda pensa que tem 20 anos. Cabelo repicado anos 80, batom rosa Paquita, blusa vermelha de elastex daquelas 150% sintéticas. Te olha com os olhinhos meio fechados, a cabeça de ladinho, estilo já saquei qual é a tua. Odiamos.

Depois veio um meio afeminado, de brinquinho e mechas no cabelo. Por mim e pelo Mirco, nenhum problema, ainda que sejamos meio antiquados com certas coisas, mas lugar de perua definitivamente não é em oficina. Imaginem o quanto o coitado não iria sofrer nas mãos dos operários, atualmente todos estrangeiros (incluindo dois muçulmanos). Mas mesmo assim seria um problema dele; o lance é que ele chegou com o zíper aberto, coitado, e mesmo tendo estudado escola técnica de contabilidade (são 5 anos), não sabia coisas muito básicas, e a manhã que passou comigo no escritório foi desastrosa. Salame, salame, salame. Salame com mechas.

Hoje de manhã veio uma sem queixo. A cara dela é muito engraçada, efeito intensificado pelo batom que ultrapassa os confins dos lábios. Louraça belzebu, barriga de fora, blusa ciganinha, uma bolsa Gucci pavorosa, voz de taquara rachada. Péssimo sinal, mas essa tem várias vantagens em relação aos outros salames: apesar de ter 32 anos, o que a desqualifica como aprendiz (o aprendiz ganha menos e há descontos fiscais pro empregador), está desempregada há três anos, o que imediatamente nos daria outros tipos de ajudas em termos de impostos e contribuições INPS. Além disso está fazendo um curso de administração de empresas daqueles financiados pela Regione Umbria, o que dá direito a 400 horas de estágio, pagas pela Regione e não pelo empregador. Ou seja, teríamos 400 horas de secretária grátis, suficientes pra fase de treinamento. E muito provavelmente o ente público que organiza o curso dá algum tipo de ajuda financeira, sempre tendo a Regione por trás, pra quem emprega os alunos – lógico, já que o objetivo final e concreto de todos esses cursos é enfiar essa gente no mercado de trabalho. Nosso contador está investigando melhor essas coisas pra ver o que rola. Ela teve uma malharia por sete anos, ou seja, sabe tocar pra frente uma empresa, e cuidava pessoalmente da contabilidade. Como experiência, é perfeita. Mas se tudo der certo, ainda vamos ter que convencer o Ettore, que não quer outra mulher aqui dentro. Não posso não concordar com ele; nem eu nem o Mirco escolheríamos uma mulher, se fosse possível. Uma oficina de lanternagem de caminhões e de pintura de máquinas industriais não é, definitivamente, lugar pra mulher. Primeiro porque, por mais que o Ettore e o Mirco sejam organizados e limpos, é impossível manter o ambiente impecável como o box da Ferrari. Os caminhões carregam tudo que é tipo de mercadoria, e sempre cai alguma coisa no chão – o que eu já varri de ração de coelho aqui do chão não tá no gibi. A poeira é onipresente, já que há sempre alguem lixando alguma coisa. A barulheira é tremenda, porque tem sempre alguém martelando, batendo, furando, limando, esmerilhando alguma coisa, cortando lâminas de metal, usando a prensa, soldando coisas. Pra se fazer ouvir nesse furdúncio, os meninos têm que berrar. Imaginem o bordel. Além de tudo isso, os caminhoneiros são absolutamente selvagens; ninguém dá bom dia ao telefone, entram no escritório com o cigarro aceso, entram com o caminhão a toda na oficina se calhar de encontrar o portão aberto, gritam, cumprimentam-se com tapões nas costas, trocam palavrões e imprecações. Os marroquinos fedem horrores e falam uma língua que não é nada, entendemos algumas palavras de italiano aqui e ali mas o resto é uma bagunça incompreensível. O menino do Congo, único educado e limpinho, ainda tem um italiano muito precário. Os dois equatorianos são praticamente mudos e ainda por cima falam com a boca quase fechada. Tudo é tão complicado que tem que ser muito macho pra aturar. Mas se todos os machos que chegam aqui são salames, então vai ter que ser uma Maria mesmo, e o Ettore que agüente a barra.

É uma experiência engraçada, essa de RH. É inevitável reparar em coisas que normalmente passam despercebidas (ou são ignoradas) em contatos mais rápidos e menos importantes: detalhes da roupa, do modo em que penteiam o cabelo, a intensidade e o tipo de perfume, se fuma ou não, se tem voz e jeito firmes de falar ou se está mais pro estilo gato miando, se os gestos são econômicos ou inúteis, os sinais que o rosto dá quando o interlocutor está realmente ententendo e processando o que você está falando. Estou me divertindo. Perco um tempo danado repetindo as mesmas coisas, mas me divirto.