malona

Eu tenho tido uns alunos meio estranhos ultimamente. A última figura que me apareceu hoje foi uma mala sem alça filha de uma outra mala sem alça que fez algumas aulas comigo e outras com a Liese, e foi odiada por nós duas. A filha já fez aula com todo mundo ali na escola, e sempre foi odiada por todo mundo; era uma espécie de lenda metropolitana que eu ainda não tinha conhecido.

Começamos mal: ela é o tipo de pessoa que acha realmente que uma aula a cada três meses, sem livro, só “conversação” (como odeio esse termo!), é suficiente pra manter o seu parco inglês funcionando. E quando vi a figura a coisa só piorou: clássica balzaquiana que pensa que tem 18 anos (tudo bem se você tem um corpo de 18, mas isso não significa que você tenha que se vestir como se tivesse 18, pelamordedeus), dois quilos de pó-de-arroz e base na cara, boca inchada de silicone, um nariz com cara de plastificado mas que não é porque o da mãe é idêntico, sorriso forçadérrimo de Katie Holmes, cabelos chapinhados até o bulbo, decote vertiginoso mostrando os peitos siliconados e a lingerie de florzinha, cinto com brilhantes na fivela, pulseira com o seu nome escrito em brilhantinhos, e, cerejinha no chantilly, um crucifixo imenso formado por duas vezes a palavra amore ao contrário, também de brilhantes. O perfume não podia ser mais óbvio: doce e fortíssimo.

Aí ela abre a boca e começa a falar. Tem duas lojas de roupas pra homens, uma no shopping de Trevi e a outra no centro de Foligno; de manhã ela não trabalha porque tem vendedoras nas duas lojas, e só começa no “batente” depois do almoço; é formada em Belas-Artes e desenha as camisas das lojas, mas já imagino o que não deve sair dos seus sketch books; nos fins de semana sai com os amigos pra discoteca. A conversation foi indo, horror dos horrores, aquela pronúncia italiana hedionda, palavras em italiano misturadas na conversa, ela disse que confundia inglês com francês (…) porque falava francês muito bem, embora tenha soltado um “Tulúse-Lautréc-a” em um certo momento; falou que viaja muito, ah, sim, porque viajar abre a mente (…), mas viaja sempre de excursão (……….). Quando fiz a pergunta fatal – o que você lê? – a resposta foi a única possível: “aaaah amo molto Paulo Coelho, Dan Brown, Sidney Sheldon…”

Juro, passei sessenta minutos me segurando pra não encher a garota de tapas na cara. Quando finalmente saímos da clausura, vi Simona sentada na secretaria, segurando o riso. Quando a mala foi embora, ela começa: por que demorou tanto? Tava doida pra ver a tua cara depois de uma hora com essa insuportável! Imita, imita! Você também sentiu vontade de encher a cara dela de porrada?

Simona e eu somos almas gêmeas em certas coisas.